Moscovo foi quem mais se regozijou com este fracasso do chamado Ocidente. Porque as tropas norte-americanas abandonaram a Ásia Central, mas também porque a retirada lançou receios nos países vizinhos. José Milhazes para o Observador:
No
dia em que a Ucrânia assinala o 30º aniversário da sua independência em
relação à antiga União Soviética, representantes de mais de 40 países
reuniram-se em Kiev na “Plataforma da Crimeia”, considerada pelo
presidente ucraniano, Volodimir Zelenski um histórico ponto de partida
para a formação de uma “poderosa coligação internacional para libertar a
Crimeia da ocupação da Federação da Rússia”.
Em 2014, tropas especiais russas ocuparam aquela península que, segundo o Direito Internacional, é território ucraniano.
Porém,
é muito difícil que esse objetivo se venha a concretizar a curto, médio
ou até longo prazo. O mais realista seria pensar em como defender a
integridade territorial da Ucrânia face aos apetites do Kremlin, tanto
mais depois da fuga desorganizada das tropas dos Estados Unidos e da
NATO do Afeganistão.
Os
dirigentes ucranianos tinham esperanças de que os mais de 40 países se
fizessem representar pelos seus mais altos dignitários, mas tal não
aconteceu. Kiev queria ver nessa assembleia, por exemplo, Angela Merkel,
chanceler alemã, mas ela, que visitou a capital ucraniana uns dias
antes, decidiu não participar. Merkel alegou que ela e o ministro dos
Negócios Estrangeiros estão ocupados com a crise afegã e enviaram o
ministro da Energia.
Na
conferência de imprensa realizada após a cimeira Zelenski-Merkel, esta
foi confrontada por um jornalista ucraniano que lhe perguntou “se não
está a fazer um favor à Rússia”, tendo ela respondido que não e
sublinhado que a Alemanha não reconhece a ocupação da Crimeia por
Moscovo.
Zelenski
enviou também um convite a Vladimir Putin para participar na
“Plataforma da Crimeia”, mas a resposta veio do cada vez menos
diplomático Sergey Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia,
que chamou aos participantes da reunião “biscateiros”, frisando que “o
Ocidente irá continuar a apoiar as disposições neonazis e racistas da
actual direcção ucraniana”.
Após
a debandada das tropas norte-americanas e da NATO do Afeganistão, nos
países vizinhos da Rússia são muitos os cidadãos que se interrogam se os
Estados Unidos e a Aliança Atlântica os apoiarão em caso de pressão ou
de agressão militar. O fantasma do pacto Molotov-Ribbentrop ganha nova
vida.
Tanto
mais que Moscovo foi quem mais se regozijou com este fracasso do
chamado Ocidente. Não só porque tropas norte-americanas abandonaram a
Ásia Central, que a Rússia considera sua zona de influência, mas também
porque essa retirada lançou receios nos países vizinhos. Parafraseando
uma conhecida palavra de ordem da nossa política interna, “Quem se mete
com a Rússia leva!”
Além
disso, Moscovo espera que os problemas internos nos Estados Unidos e a
respectiva política de contenção da China desviem as atenções de
Washington para outros horizontes. Todos esses factores deveriam
provocar não só preocupação na União Europeia, mas levar os seus membros
a concentrar-se na elaboração de uma sólida política de defesa comum.
Quanto
aos riscos que trouxe e trará para a Rússia a vitória dos talibãs no
Afeganistão, os dirigentes russos não os escondem, mas dizem estar
prontos para qualquer cenário. Neste momento, apostam em conversações
com os talibãs, mas não descartam a possibilidade de intervenção militar
caso os seus aliados na Ásia Central – Tadjiquistão e Uzbequistão –
sejam alvo de ataques lançados a partir do território do Afeganistão.
Como
afirma a propaganda: “Se Lavrov não conseguir fazer, Shoigu [ministro
da Defesa] faz.” Mas, a julgar pelas palavras de Putin, talvez Lavrov
seja suficiente. “Não revelarei um grande segredo se disser que a nossa
diplomacia ocupa uma posição ofensiva activa. Por vezes, tenho de lhe
recordar [a Serguey Lavrov”] que ele não é ministro da Defesa, mas dos
Negócios Estrangeiros” – declarou Putin, recentemente, numa reunião com
membros do partido “Rússia Unida”.
A
propósito, Lavrov e Shoigu estão nos primeiros lugares da lista de
candidatos dessa força política dirigida por Putin. As eleições
parlamentares irão realizar-se entre 16 e 19 de Setembro e, embora nelas
participem 14 partidos, nada terão de democráticas. O Kremlin tudo fez
para impedir que a oposição extraparlamentar apresentasse os seus
candidatos, foram encerradas numerosas páginas na interenet de Alexey
Navalny e de outros dirigentes da oposição, dezenas de jornais da
oposição foram considerados “agentes estrangeiros”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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