Suspender monetização de canais e páginas é matar divergentes por asfixia financeira. Carlos Alberto Di Franco para o Estadão:
O
ministro Alexandre de Moraes, em ato arbitrário, inconstitucional e
violento, mandou prender Roberto Jefferson, determinou a extinção de
suas páginas nas redes sociais e mandou bloquear seu acesso às
plataformas virtuais e ao celular, pondo-o em isolamento total, numa
espécie de solitária comunicacional, na contramão até mesmo de sua
condição de idoso e com a saúde fragilizada. Motivo: indícios de atos
antidemocráticos, ilícito penal inexistente.
Membro
do Supremo Tribunal Federal (STF) e o próximo presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), Moraes conseguiu bater mais um recorde no
campeonato do autoritarismo. De costas para a própria Corte, que já
definira que a pena de prisão somente seria aplicada após o trânsito em
julgado, trancafiou ilegalmente um presidente de partido sob o silêncio
de um Senado acuado por dívidas passadas que sempre podem sair da gaveta
e vir a lume.
Ao
“crime de opinião” o Judiciário acaba de acrescentar outro ainda mais
letal: o confisco puro e simples. Matar os divergentes por asfixia
financeira. Só assim é possível interpretar a determinação do
corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, de que várias
mídias sociais, como YouTube, Facebook e Twitter, entre outras,
suspendam a monetização de canais e páginas – todos eles com viés de
direita ou conservador – que estariam, na sua avaliação, promovendo
“desinformação” sobre o processo eleitoral. Os repasses monetários, no
entanto, não ficam simplesmente suspensos. Salomão determinou também que
o dinheiro gerado pela visualização de conteúdos como lives seja
direcionado a uma conta vinculada ao próprio TSE.
A
lista de sites atingidos pela decisão é extensa e inclui Folha
Política, Jornal da Cidade Online, Terça Livre e Nas Ruas. Já entre os
indivíduos relacionados por Salomão estão responsáveis por alguns dos
canais mencionados, além do jornalista Oswaldo Eustáquio (que já foi
preso arbitrariamente por ordem do ministro Alexandre de Moraes). O
corregedor do TSE alega que um relatório produzido pela Polícia Federal
“descreve, com riqueza de detalhes, a forma de funcionamento voltada a
disseminar notícias falsas ou apresentadas de forma parcial, com o
intuito de influenciar o eleitor quanto ao tema da higidez do sistema
eleitoral brasileiro, visando obter, ao fim e ao cabo, vantagens
político-partidárias ou financeiras”. No entanto, a decisão propriamente
dita traz apenas cinco exemplos do que, na visão subjetiva do
corregedor, seriam comportamentos ilegais e a ampla maioria dos
desmonetizados não tem um único caso sequer citado na decisão de
Salomão.
Não
há justificativa ou fundamento minimamente sólido para uma decisão
gravíssima como a desmonetização, que extirpa a única fonte de renda de
vários veículos e, na prática, torna inviável o seu funcionamento. A
consequência imediata disso é o encerramento ou, ao menos, uma limitação
extrema de suas atividades, o que não deixa de funcionar como uma forma
indireta, mas eficaz, de censura prévia, vedada pela Constituição.
O
respeito devido ao Poder Judiciário não pode ser encarado como uma
blindagem para abusos praticados por aqueles que, momentaneamente, o
integram. O STF e o TSE não são donos do Brasil. Seus ministros são
servidores públicos. Devem ser guardiães das normas constitucionais, e
não ativistas judiciais em defesa de interesses pessoais, políticos ou
ideológicos.
A
perda de freios e controles do STF não apareceu de repente. Lá atrás,
já faz um bom tempo, o ministro Dias Toffoli deu o pontapé inicial para
um jogo disfuncional que aos poucos foi transformando a Corte em poder
absoluto. Monocraticamente, e na contramão da Constituição, censurou a
revista Crusoé por expor seus supostos desvios éticos. Note bem, amigo
leitor: censurou a revista. Mas nunca a processou. Curioso, não é
verdade? Um ato de força. Não um esclarecimento dos fatos.
De
lá para cá, qualquer ofensa, real ou imaginária, passa a ser resolvida
em clima de rito sumário. O ministro “ofendido”, como se não fizesse
parte de um Poder democrático, assume o papel de polícia, promotor e
juiz da própria causa. É exatamente isso que, atônitos, estamos vendo no
chamado inquérito das fake news.
Os
atos comentados neste artigo são tão estarrecedores quanto a
condescendência omissa e silenciosa dos políticos e de muitos formadores
de opinião. Não se dão conta de que a transigência com valores
inegociáveis termina, sempre, na morte das liberdades.
Conheço
alguns ministros da Suprema Corte e tenho especial apreço pelo atual
presidente, Luiz Fux. Em seu discurso de posse, equilibrado e sereno,
foi claro na sua desconformidade com o ativismo judicial e no seu
renovado compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão. Caro
presidente, converse com seus colegas e pense no bem maior do Brasil.
Se
a Corte Suprema se dá ao luxo de abandonar não meras regras
processuais, mas princípios basilares da Justiça, impõe não uma vitória
contra o erro, mas uma derrota ao Estado de Direito Democrático. A luz
vermelha está acesa. Somos todos responsáveis pela preservação de uma
autêntica democracia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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