Com suas milícias de rua e digitais, Bolsonaro tenta instaurar um regime autoritário. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:
O
presidente Jair Bolsonaro pauta suas ações pelo confronto incessante,
pela produção permanente do enfrentamento. Não há nenhum apaziguamento
possível, percebido por ele e por seus familiares e subordinados como um
sinal de enfraquecimento. O diálogo, o reconhecimento do outro não
fazem parte de seu mundo, que se constitui num mundo à parte ao da
democracia e das liberdades.
Sua
concepção, conforme já assinalamos nesta página, reside na ideia
schmittiana do político concebida sob a forma da oposição amigo/inimigo.
Não importa que o inimigo seja real ou imaginário, contanto que exista
em sua percepção e constitua o seu campo de ataque. Assim se recorta
para ele a realidade.
O
conflito estabelecido com o Supremo Tribunal Federal (STF) é exemplar. O
que faz o STF? Reage e se defende dos ataques incessantes que sofre, em
defesa dos princípios democráticos do Estado. Cabe ao Supremo, em
última instância, dizer não ao arbítrio, à ameaça e à violência. Os
ataques aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes fazem
parte da estratégia bolsonarista de minar as instituições democráticas,
no caso, a mais Alta Corte do País.
Não
são eles a causa dos conflitos, mas propriamente o efeito da política
bolsonarista. E enganou-se quem pensou que, uma vez o Supremo recuando,
Bolsonaro cessaria os seus ataques. Ele não o faria pela simples razão
de que deles vive. Alguém já viu peixe respirando fora da água?
O
seu enfrentamento não é com o indivíduo A ou B, mas com as instituições
que representam. Seu alvo consiste em destruir a democracia,
pretendendo, assim, estabelecer o seu regime autoritário. E não mede
meios para isso. Ele o faz metodicamente, a exemplo de Adolf Hitler, na
ascensão do nazismo, e Hugo Chávez, na Venezuela.
Direita
e esquerda são aqui termos irrelevantes, por compartilharem a mesma
concepção da política. No início, ambos os ditadores se utilizaram das
instituições existentes para miná-las por dentro, dizendo – pasmem! –,
seguir a Constituição. Citavam artigos constitucionais e eram
supostamente contra suas distorções. Capturaram a opinião pública em
eleições para, depois, virem a destruí-las. Restaram a morte e a
violência.
Bolsonaro
agora inventou a ideia do “contragolpe”. Aparentemente não se sabe
muito bem o que isso significa, salvo a sua designação de ministros do
Supremo e outros, como o PT, e sabe-se lá quem mais neste amálgama
ideológico e confuso. No entanto, tudo isso tem uma significação
precisa: dar um golpe, dizendo preveni-lo.
Como
não ousa abertamente dizer que pretende instaurar uma ditadura, porque
perderia adeptos que ainda acreditam no que ele diz, apesar de a mentira
ser o seu modo de orientação, arvora-se em defensor das liberdades que
estariam sendo usurpadas. Ora, é ele o usurpador, por identificar o seu
arbítrio com as liberdades.
É
uma espécie de arbítrio da liberdade que se volta contra as liberdades.
Liberdade sem regras equivale ao mero arbítrio, na medida em que não
tem barreiras, limites, que são os estabelecidos por regras morais,
jurídicas e políticas. Bolsonaro procura impor a sua vontade arbitrária
como se fosse a encarnação das liberdades ou de sua dita vontade do
povo, da qual, evidentemente, ele seria o único intérprete. Mas é ele
que almeja produzir uma ruptura institucional, com o emprego de suas
milícias de rua e digitais, hoje pretendendo incorporar algumas Polícias
Militares.
É
falacioso o argumento de que Bolsonaro não produz violência, mas tão só
discursos e narrativas. Ora, discursos, narrativas e declarações são
atos de fala, atos de linguagem, que suscitam efeitos. E esses efeitos,
uma vez acolhidos por aqueles que o escutam, se traduzem por ações
concretas. Isto é, atos de fala são ações que devem ser consideradas
enquanto tais, principalmente no campo da política. Logo, quando
Bolsonaro conclama seus seguidores a se manifestarem contra as
instituições, seu objetivo reside em destruir essas mesmas instituições
com a ajuda de seus fanáticos. Um conflito de rua seria nada mais do que
um detalhe, que seria evidentemente atribuído à esquerda ou a algum
governador de oposição ou supostamente tal.
Neste
contexto, está fadado ao fracasso o esforço de ministros e políticos em
conter Bolsonaro, como se pudessem eles ser “amortecedores”. Não faz o
menor sentido, uma vez que o diálogo e a política democrática não fazem
parte do seu cardápio político. Chega a ser risível o que se lê na
imprensa, que os que procuram controlar o presidente no final o
consideram imprevisível. Porém só é imprevisível para os que são seus
“amigos” neste momento, usufruindo privilégios e posições de poder, pois
sua previsibilidade é total quando vista sob o prisma da política
baseada na distinção entre amigos e inimigos, no uso sistemático do
enfrentamento e na destruição das instituições democráticas.
Não
se trata somente de distúrbios psicológicos, graves, de um líder, mas
da tentativa de instauração no País de um regime autoritário. Não se
pode compactuar com isso!
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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