Agora não se passa um dia sem que Jair Bolsonaro sugira a possibilidade (e até a inevitabilidade) de um golpe, contragolpe, revolução, ruptura, intervenção – chame como quiser. Paulo Polzonoff para a Gazeta do Povo:
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Disse Santo Agostinho: “A verdade deve ser dita com amor, mas o amor
nunca pode impedir a verdade de ser dita”. E é com esse espírito que
proponho que pensemos a realidade política do Brasil hoje, uma semana
antes das manifestações de Sete de Setembro.
2 Agora
não se passa um dia sem que Jair Bolsonaro sugira a possibilidade (e
até a inevitabilidade) de um golpe, contragolpe, revolução, ruptura,
intervenção – chame como quiser. Também “o outro lado” parece ter um
golpe (ou tentativa de) como favas contadas. Ou foi à toa que o ministro
Ricardo Lewandowski escreveu um artigo intitulado “Intervenção armada:
crime inafiançável e imprescritível” na Folha de S. Paulo?
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Para uma parcela mais afoita da população, a ideia de um golpe,
contragolpe, revolução, ruptura ou intervenção – chame como quiser – soa
como música. Para essas pessoas, um golpe representa a esperança de um
país sem corrupção, sem o ativismo do STF e sem a imoralidade da cultura
progressista. Um país onde, por meio da força, prevaleça a ordem e o
progresso presentes na nossa bandeira.
4 Há
tempos venho dizendo aqui que essas pessoas não devem ser hostilizadas,
e sim compreendidas. A visão de mundo delas é legítima – ainda que eu a
considere equivocada. A questão é: o que as levou a pensar assim? Que
decisões foram tomadas nas últimas décadas a ponto de fazer com que
essas pessoas tenham perdido a confiança na nossa capacidade de
chegarmos a consensos por meio de diálogos?
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A pergunta é retórica, mas cabe aqui uma sugestão de resposta: a
corrupção (no sentido mais amplo da palavra). Quem tem esperança num
golpe de Estado é porque deixou de acreditar que os homens que tomam as
decisões o façam com outro interesse que não o próprio. Quem anseia por
uma ruptura é porque perdeu a capacidade de ver no seu semelhante um
aliado. Aliás, perdeu até a capacidade de ver no outro um semelhante.
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Para os conservadores, este momento de triunfo do espírito
revolucionário representa um enorme dilema. Simplesmente porque
conservadores, por definição, são contrários a uma revolução. Não
existe, portanto, essa coisa de “revolução conservadora”.
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O problema é que a democracia, por meio de instrumentos alicerçados na
Tradição (ainda que uma tradição recente), deu origem a um sistema
flagrantemente corrupto, construído de forma a amordaçar qualquer ímpeto
conservador. É um sistema no qual o prudente é um pária por “impedir o
avanço da história”.
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Esse sistema, portanto, impede a ação de um governo conservador ao
sujeitar as “regras do jogo” aos princípios maleáveis do progressismo. E
agora, José?
9
Os problemas de um golpe, contudo, são vários e se acumulam. Um deles: a
tentação do poder autoritário, por mais bem-intencionado que ele se
diga, também é uma forma de corrupção. Me refiro, aqui, à corrupção da
alma expressa por essa vontade de consertar o mundo na marra, de acordo
com a visão particular de um ou mais líderes.
10 Pior:
a crença popular num déspota esclarecido é também uma forma de
corrupção. Porque pressupõe a existência de um líder com poderes
semidivinos que nos conduzirá a uma era de paz e prosperidade. Desse
discurso se apropriaram absolutamente todos os tiranos do século XX.
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Muitos justificam hoje a “necessidade” de um golpe dizendo que ele
seria, na verdade, um contragolpe. Até entendo e, com algum esforço, a
ideia pode fazer sentido. O problema, aqui, é que essa justificativa
significa se apegar a uma ideia revolucionária e anticristã – a de
Maquiavel. Essa ideia pressupõe princípios maleáveis que têm de se
adaptar às circunstâncias. Por uma ironia triste, essa é a mesma ideia
que justifica as iniciativas progressistas mais abjetas.
12
O ideal é que o sistema corrompido fosse enfrentado com inteligência,
convicção e paciência – três valores escassos hoje em dia. Inteligência
passa por perceber que o mundo de hoje prefere o simbólico ao real, o
que é dito ao que é feito. Convicções têm a ver com uma base moral
sólida que permitisse ao governante tomar decisões sem levar em conta os
efeitos imediatos e muitas vezes impopulares delas. Quanto à paciência,
bom, acho que ninguém vai discordar se eu disser que vivemos tempos
impacientes, não é mesmo?
13 Ainda
que fosse possível ver em Bolsonaro um déspota esclarecido, o problema
de um golpe não é só o arbítrio do presidente e de seus comandados
diretos. O problema de uma ruptura é o arbítrio do guardinha na esquina,
do funcionário público por trás do balcão, do fiscal que, por algum
motivo, se sente ofendido, etc.
14 Um golpe é, portanto, uma confissão de derrota e equivale a reconhecer que não sabemos conviver com as diferenças.
15 Um golpe, contragolpe, revolução, ruptura, intervenção – chame como quiser – nos desciviliza.
16 Não
tenho procuração nem pretensão de falar em nome dos conservadores. As
reflexões que proponho aqui são fruto de uma visão muito particular de
mundo - a minha. Tenho, porém, noção da minha pequenez. Só acho que, de
vez em quando, esse grãozinho de mostarda aqui também tem o direito (ou
seria dever?) de arder.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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