A humilhante e apressada retirada chega ao fim e o que importa agora para americanos é se Afeganistão voltará a ser porto seguro da jihad. Vilma Gryzinski:
Foram
duas das mais loucas semanas dos tempos recentes. Entre o momento em
que talibãs barbudos e armados se sentaram à mesa do presidente afegão,
convenientemente foragido, e as horas finais da retirada americana,
quando todo o poder da maior superpotência da história se limitou ao
perímetro do aeroporto de Cabul, a história passou por alguns daqueles
momentos em que o relógio parece se acelerar.
Sob
todos os ângulos, Joe Biden foi inteiramente responsável por
transformar uma situação que já era ruim num desastre lamentável para a
imagem dos Estados Unidos – e para a sua própria, claro.
O
estrago já foi feito e, pela lógica, só o fato de que os americanos não
assistirão mais cenas pungentes como a chegada dos corpos dos treze
militares, rapazes e garotas na maioria na faixa dos 20 anos,
estraçalhados por um homem-bomba na entrada do aeroporto de Cabul, já
contará pontos a favor de Biden.
A
temporada de furacões, a variante delta, a inflação e outros problemas
imediatos tenderão a ir deixando a questão afegã para um tempo passado
que muitos preferem dar por encerrado.
Mas
Joe Biden não vai se livrar tão facilmente do julgamento da história.
Assim que ele tomou posse, em janeiro passado, seu chefe da casa civil,
Ron Klain, reuniu um grupo de historiadores com o objetivo declarado de
moldar a imagem do presidente na mesma – e gigantesca – forma de
Franklin Roosevelt.
Hoje, a pretensão parece mais absurda ainda.
“Joe
Biden não está fazendo o que todo presidente faz por volta dos 200 dias
de seu primeiro ano de mandato: disputando a reeleição. Depois dessas
duas últimas semanas, está fazendo o que presidentes só fazem em seus
últimos meses: disputando seu lugar na história”, resumiu David Shribman
para o Pittsburg Post-Gazette.
Este
lugar só poderá ser definido dentro de muitos meses, possivelmente
anos. E depende não dele, mas do que o Talibã vai fazer: não permitir
que o país volte a ser usado como base de jihadistas contra os Estados
Unidos, como mais ou menos prometeu, ou continuar fiel à sua própria
doutrina e acelerar o processo de atração de jihadistas de diferentes
linhas, mais notavelmente a do Estado Islâmico.
É
quase impossível que o Talibã impeça que o território afegão funcione
como um ímã para os militantes que sobreviveram à dissolução do Estado
Islâmico na Síria e no Iraque ou os novos candidatos a guerreiros de
Alá, vindos do Paquistão e da Índia.
Mesmo
que se aceite a hipótese de que a direção do movimento não queira mais
dar refúgio a companheiros ideológicos, como fez com a Al Qaeda na época
de Osama Bin Laden, as regiões montanhosas do país são incontroláveis –
como tanto aprenderam estrangeiros que entraram no país imaginando que
seria um passeio. A União Soviética da década final do comunismo e os
Estados Unidos pós-Onze de Setembro foram os últimos exemplos.
As
desavenças entre o Talibã e o Estado Islâmico do Khorasan não são
insuperáveis. Ironicamente, é o Talibã que está sendo acusado pelos
jihadistas mais barra pesada de fazer concessões e até, horror dos
horrores, negociar com os americanos.
Existe
também um contexto étnico. O ISIS só admite que o emir, ou “comandante
dos fieis”, líder máximo do califado que pretende emular o dos tempos
primordiais da religião muçulmana, seja um árabe de turbante preto – ou
seja, descendente do profeta Maomé. Os talibãs são da etnia pashtun.
Com
a capacidade de escuta eletrônica que os Estados Unidos têm hoje, é
difícil uma reprise de atentados com a magnitude do Onze de Setembro.
Mas a euforia com que jihadistas de todo o mundo estão comemorando a
volta do Talibã no Afeganistão – e a humilhante retirada americana –
indica que os serviços de inteligência dos Estados Unidos e dos países
ocidentais em geral vão ter que fazer um bocado de horas extras.
A
vitória do Talibã também pode impulsionar o recrutamento de novos
militantes para os diferentes grupos jihadistas em atividade no Oriente
Médio, na África Ocidental e na Ásia. China e Rússia, deliciadas com o
golpe autoinfiingido pelos Estados Unidos, também não estão livres.
“Os
talibãs são terroristas e vão apoiar terroristas”, resumiu, antes da
queda de Cabul, o ex-diretor da CIA do governo Obama, Leon Panetta, um
democrata que tem feito críticas abertas à desastrosa política de Biden.
“Não
tenho a menor dúvida de que eles vão proporcionar um porto seguro para a
Al Qaeda, o ISIS e o terrorismo de forma geral. E isso é uma ameaça à
segurança nacional dos Estados Unidos”.
Não é uma garantia de um futuro tranquilo para Biden.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário