Não faz sentido afirmar que os Talibãs não são maldosos; os seus atos são. A agressão às mulheres são atos maldosos porque praticados por pessoas. A maldade é uma característica humana e individual. André Abrantes Amaral para o Observador:
Arturo
Pérez-Reverte mostra-nos a maldade na trilogia que se inicia com Falcó,
um espião que não acredita na causa franquista a favor do qual luta. A
sua descrença coloca-o acima do conflito que dilacera a Espanha e realça
a sua frieza ao mesmo tempo que o individualiza. É pelo sentido do
dever que deixa morrer quem admira (porque não compreende) tal como é em
violação desse mesmo dever que salva quem (por ser caso único) o
arrebata. Será Lorenzo Falcó uma pessoa essencialmente má, sem
escrúpulos e cruel? Sinceramente não sei e também não interessa.
A
maldade é uma caraterística humana e individual. Se todos somos maus da
mesma forma que conseguimos ser bons, já cabe a cada um escolher o que
nos define em cada acto. Debruço-me sobre o tema porque a maldade dos
Talibãs tem dado que falar no seguimento deste texto no Expresso. Serão
os Talibãs maus? Será possível qualificar como más (ou boas) pessoas que
individualmente não conhecemos? Será que podemos definir como más (ou
boas) as pessoas e não antes as acções que elas praticam? Na verdade, um
acto (porque único e determinado no tempo) está certo ou errado
enquanto quem o pratica pode mudar; pode arrepender-se tal como pode não
repetir o que fez. Pode agir mal e depois bem ou bem e de seguida mal.
O
direito dá-nos uma boa ajuda na resposta a esta questão. No direito não
se pune a pessoa em si mesma, mas quem praticou o acto que se condena.
Não há uma acusação moral, tal como as condenações judiciais não têm
carácter moral. Estas visam punir para que se mantenha a ordem, por
respeito à vítima, para tornar evidente que o acto é socialmente
condenável. Punem-se os actos praticados por pessoas mas não se pretende
castigar a pessoa. Uma vez mais, os tribunais não fazem julgamentos
morais. Esta evidência tantas vezes confundida foi desenvolvida por
Cristo: o não atirar a primeira pedra, o valor do perdão, o não julgar, o
não lançar falsos testemunhos, o não denegrir quem agiu mal. A
diferença entre perdoar e não esquecer.
Não
faz qualquer sentido afirmar que os Talibãs não são maldosos, mas já
conseguimos concluir que os seus actos o sejam. A agressão às mulheres,
entre outras barbaridades cometidas, são actos maldosos porque
praticados por pessoas. Os animais, como os leões por exemplo, já não
praticam o mal que é uma característica humana. Podemos condenar ou não
os actos e agir ou nada fazer contra estes. Tal como nos podemos
considerar incapazes de resolver problemas desta dimensão. É que se um
comportamento não define a pessoa, a maldade ou bondade de um acto
depende também da possibilidade de impedir outro: não será o custo
infligido na vida de soldados e outros voluntários uma maldade que nos
deve fazer desistir de combater outra crueldade?
Iniciei
esta crónica com a fabulosa personagem de Pérez-Reverte porque ela
retrata bem a complexidade do que possa ser bom e mau. Sobre a nossa
reacção contra algo que discordamos ou não compreendemos. Sobre como é
impossível qualificar alguém de intrinsecamente mau (ou genuinamente
bom) na medida em que desconhecemos a realidade concreta que levou ao
comportamento dessa pessoa em particular. Lorenzo Falcó agiu uma vezes
mal, outras bem. Há um momento em que a sua atitude nos dá a volta ao
estômago, mas se não tivesse feito o que fez, se tivesse demonstrado
compaixão e salvo da morte os que com ele estavam na praia e nele
confiavam, as consequências nefastas da sua falta de frieza podiam ser
fatais para muitos outros.
Não
interessa discutir se os Talibãs são bons ou maus. É uma discussão sem
sentido. Os seus comportamentos estão errados. O discordarmos deles não
nos obriga a combatê-los pois o custo desse combate obriga a sacrifícios
demasiado custosos. É pena que assim seja, mas é precisamente por essa
razão que não se julgam pessoas, mas actos, não se confunde moral com
direito e as relações entre os estados não se equiparam às relações
entre os indivíduos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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