Em lugar de euforia nacional, a grande competição provoca rejeição da maioria da opinião pública e até de grandes patrocinadores. Vilma Gryzinski:
Na
organizadíssima sociedade japonesa, imprevisibilidade e risco são
abominados como equivalentes a um abismo d e descontrole caótico.
Como
os dois elementos estão de alguma maneira implícitos na realização da
maior competição esportiva do planeta em meio a uma pandemia que ainda
grassa mundo afora, a rejeição às Olimpíadas aumenta quanto mais se
aproxima o mês de julho.
Os jogos poderiam ser novamente cancelados, como aconteceu no ano passado?
Nada
menos que 83% dos japoneses acham que deveriam. O índice recorde de
rejeição se espalha também entre grandes patrocinadores. Um deles, o
jornal Asahi Shimbun, aconselhou ontem o primeiro-ministro Yoshihide Suga a “analisar a situação calma e objetivamente e decidir pelo cancelamento” dos Jogos.
O Twitter pegou fogo com o título do editorial, “Decisão de cancelar”.
Falando
ao Japan Times, Jules Boycoff, professor da Pacific University e autor
de livros sobre Olimpíadas, referiu-se à “cascada de calamidades” que
recaiu – e continua a recair – sobre os Jogos.
A
imagem negativa prejudica justamente os maiores interessados em ver
suas marcas beneficiadas por um evento que deveria projetar uma imagem
de otimismo entusiástico.
“Em Tóquio, os patrocinadores podem acabar associados a uma coisa que se tornou enormemente impopular”, analisou Boycoff.
Como
tudo no mundo de hoje, as Olimpíadas foram politizadas, com
simpatizantes de esquerda tomando a dianteira nas críticas aos Jogos de
Tóquio, uma vez que o partido no poder, o Liberal Democrata, é de
direita.
Mas
a rejeição se disseminou além das fronteiras partidárias, levando o
governo de Suga a proibir a presença de torcedores, numa tentativa de
acalmar o receio de propagação da Covid-19. Tirar o público dos Jogos é
praticamente cortar 50% de seu espírito – e também do poder das imagens
de plateias que aplaudem, prendem o fôlego ou deliram diante dos grandes
feitos esportivos.
Em
termos comparativos, a pandemia pegou leve no Japão. Foram 12.500
mortos, um índice de 99 por milhão de habitantes (2.114 no Brasil).
Mas
a vacinação tem sido muito lenta e apenas 13% dos japoneses aprovam a
maneira como o governo está administrando a pandemia (imaginem se
estivessem num certo país).
Um
componente menos explícito da oposição aos Jogos também está
profundamente arraigado na cultura japonesa de rejeição ao estrangeiro,
ao diferente, ao gaijin. Agora que, em países que jamais cogitaram
disso, o fechamento de fronteiras virou um recurso comum e aplaudido
pela população, o sentimento se generalizou muito mais.
Um
número sempre lembrado quando o assunto surge é o de refugiados aceitos
pelo Japão. Em 2019, o país aprovou exatamente 44 pedidos de refúgio –
contra 44.614 nos Estados Unidos e 53.973 na Alemanha.
Em
fevereiro, o principal dirigente do comitê organizador das Olimpíadas, o
ex-primeiro-ministro Yoshiro Mori, teve que renunciar depois de
reclamar que as mulheres falavam demais e tornavam ainda mais longas as
intermináveis reuniões que fazem parte do método gerencial japonês.
Para
os atletas que se programam para atingir o auge nas Olimpíadas perder
mais um ano seria uma das muitas calamidades que estão desaguando nos
Jogos de Tóquio.
No
ambiente de receio ou rejeição declarada, os organizadores dos Jogos
não estão conseguindo despertar entusiasmo sequer com o revezamento da
tocha olímpica, afetado por várias desistências.
Pelo
contrato, apenas o Comitê Olímpico Internacional tem autoridade para
cancelar uma Olimpíada. Se a cidade anfitriã tomar a iniciativa, tem que
arcar com o custo dos prejuízos astronômicos, cobertos, evidentemente,
por seguro. Por enquanto, os Jogos, tão vorazes antes mesmo de começar,
continuam.
Mesmo
contra a vontade da população que deveria, em circunstâncias menos
instáveis, abrir os braços para eles e se orgulhar do que será, se vier a
ser, a Olimpíada mais bem organizada do mundo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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