O irmão do presidente ganha acesso privilegiado aos cofres federais e usa a influência no governo para se cacifar eleitoralmente no berço da família Bolsonaro. Reportagem de Patrik Camporez para a Crusoé:
O
comerciante Renato Bolsonaro virou uma espécie de mercador de verbas em
Brasília. Irmão de Jair Bolsonaro e aspirante a político, ele tem
acesso livre aos gabinetes do governo e, em suas andanças pela capital,
vem captando polpudos recursos para municípios do Vale do Ribeira, em
São Paulo, região onde ele e o presidente cresceram. O dinheiro tem
saído, principalmente, do caixa dos ministérios do Turismo e do
Desenvolvimento Regional e seguido para prefeituras administradas por
prefeitos amigos do primeiro-irmão da República. Ultimamente, até nacos
do bilionário orçamento paralelo montado pelo governo para agraciar
parlamentares aliados têm ido parar nos municípios apadrinhados por
Renato, que sonha virar prefeito ou deputado.
No
Palácio do Planalto, há uma estrutura montada para dar atenção especial
às demandas do irmão do de Jair Bolsonaro. Um assessor especial do
presidente, Mosart Aragão, foi destacado para dar vazão aos pedidos e
atender os prefeitos que chegam por meio de Renato e são cuidadosamente
encaminhados para audiências com ministros. Recentemente, por intermédio
de Mosart, o ministro do Turismo, Gilson Machado, recebeu o prefeito de
Pariquera-Açu, um dos municípios do Vale do Ribeira. “Estamos aqui com
nosso ministro Gilson Machado, juntamente com nosso companheiro e grande
amigo Mosart Aragão. Graças ao Mosart, que nos trouxe aqui no
Ministério do Turismo, nós estamos pedindo aqui a revitalização do
centro da cidade. Em breve estará no sistema já”, declarou o prefeito,
em vídeo publicado nas redes sociais. Renato Bolsonaro compartilhou o
registro.
Nos
meses que antecederam as eleições municipais do ano passado, municípios
comandados por prefeitos apoiados por Renato Bolsonaro receberam pelo
menos 90 milhões de reais. Em dezembro, durante a janela aberta para
indicações de parlamentares dentro do orçamento paralelo, o governo
destinou 40 milhões para a região, novamente priorizando prefeitos
eleitos que Renato apoiou. Pelo menos 10 milhões de reais foram para
Miracatu, município onde Renato mora e mantém uma loja de móveis. Em
Miracatu, o irmão do presidente fez campanha para o candidato do PL,
Vinícius Brandão de Queiroz, conhecido como Vinícius do Iraque, que
conseguiu se eleger. Na véspera da eleição, Renato usou a internet para
agradecer o apoio dos moradores ao projeto político que ele chamou de
“nosso”.
Após
a eleição, as verbas passaram a jorrar com mais intensidade. Do
Turismo, saíram 5 milhões de reais para reforma de uma concha acústica. A
justificativa apresentada para que o recurso fosse liberado registra
que o “turismo de evento é um ponto-chave e ao mesmo tempo uma atividade
ainda incipiente frente ao potencial existente” no município. O irmão
do presidente costuma ser comunicado, por e-mail, de cada liberação de
verba para a prefeitura.
Em
8 janeiro deste ano, Renato deixou a informalidade de mediador de
verbas para ser chefe de gabinete do prefeito de Miracatu. Uma das suas
primeiras providências foi agendar uma reunião com o ministro do Turismo
em Brasília. Mosart, o assessor de Jair Bolsonaro encarregado de
ajudá-lo, estava lá. O encontro rendeu. Depois dele, houve novos
repasses, o que faz com que Miracatu, ao longo do atual governo, se
destaque como um dos municípios do país que mais receberam recursos da
pasta comandada por Gilson Machado, o “sanfoneiro” das lives de
Bolsonaro. É uma posição privilegiada. O município potiguar de Tibau do
Sul, onde está a praia de Pipa, um dos destinos turísticos mais
badalados do país, recebeu no mesmo período apenas 10% do que foi para
Miracatu.
Uma
parte dos recursos que chegaram ao município foi destinada a
empresários com um histórico não muito republicano. No portal de
licitações da prefeitura consta que, para realizar obras com recursos
liberados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, foi contratada a
TMK Engenharia. A firma tem os mesmos sócios de uma outra empreiteira, a
Termaq, que em 2007 caiu em uma operação da Polícia Federal para
investigar a existência de um balcão de favores no BNDES. Vereadores de
Miracatu dizem que a obra para a qual a empresa foi contratada está
parada.
Por
onde anda no Vale do Ribeira, Renato Bolsonaro faz questão de se
apresentar como o responsável pela liberação dos recursos federais
enviados à região. Em entrevista a um jornal local, ele disse: “Estou
doando meu tempo porque, naturalmente, sou muito procurado pela questão
de relacionamento familiar. Eu faço a ajuda, encurto a distância“.
Em
Brasília, os encontros intermediados por Renato não costumam ser
incluídos em agenda oficial do turismo. As audiências acabam se tornando
públicas depois, quando ele próprio as divulga nas suas redes sociais.
No município vizinho de Cajati, Renato Bolsonaro fez campanha para
Lucival Cordeiro, conhecido como Vavá Cordeiro. “Não só Renato, mas a
família toda me apoiou”, diz Vavá, que acabou cassado meses depois por
suspeita de improbidade administrativa. Mais de 3 milhões de reais foram
destinados à cidade. “Esse dinheiro aí vai ficar para o meu sucessor”,
diz o amigo de Renato. Quem está no comando do município, atualmente, é o
presidente da Câmara, Sidney Cordeiro. Ele diz que até para medidas de
combate à Covid as liberações destinadas às prefeituras do Vale do
Ribeira passam por Renato Bolsonaro e por Mosart, o assessor de
Bolsonaro. “O Mosart mandou um ofício para a gente dizendo que estava
providenciando (o dinheiro). Deve ser ‘aquele’ jeito de tentar
intermediar as coisas. Direto com o presidente é raro quem consegue
estar”, afirma Sidney.
Em
Eldorado Paulista, onde vivem a mãe e irmãos de Jair Bolsonaro, quem se
elegeu também foi um aliado de Renato, Dinoel Pedroso, do PL. O
município de 11 mil habitantes já foi contemplado com 11,4 milhões de
reais do Desenvolvimento Regional, para a construção de uma ponte.
Presidente da Câmara de Vereadores, Willyan Batista e Souza, do DEM, diz
que até o momento a obra não saiu do papel, apesar de nos sites
oficiais do governo constar que o dinheiro foi desbloqueado em 29 de
janeiro. Outro município de interesse de Renato, Itaoca recebeu repasses
do Turismo, em janeiro de 2021, para a reforma de uma praça. A maior
bolada, porém, saiu do MDR: 24 milhões para a construção de uma ponte
que liga a cidade à vizinha Adrianópolis. A página oficial da prefeitura
chegou a publicar um agradecimento do prefeito ao irmão do presidente
da República.
Renato
Bolsonaro não falou com Crusoé. Já Mosart Pereira, o assessor de
Bolsonaro que o auxilia nas liberações de verba, tentou desconversar ao
ser indagado sobre o assunto. “Eu não estou sabendo, não. Não tenho
ajudado nada, não. Ajudar com quê? Tá doido, é? Não sou eu que mexo com
isso, não. É com o ministério lá”, afirmou. Sobre os relatos de
prefeitos que o mencionam, além dos registros públicos das reuniões de
que participa, Mosart justificou: “Foto você tira, você recebe um ou
outro aqui”.
Os
políticos do Vale do Ribeira dão como certo que o projeto de Renato
Bolsonaro é se lançar candidato nas próximas eleições. Por duas vezes,
ele já tentou ser prefeito de Miracatu. Não conseguiu. A última
tentativa foi em 2016. Na ocasião, ele acabou torpedeado por uma
denúncia: era funcionário fantasma no gabinete de um deputado estadual
de São Paulo. O irmão do presidente chegou a ser flagrado dando
expediente em uma de suas lojas no Vale do Ribeira, enquanto deveria
estar na Assembleia, onde recebia um salário de 17 mil reais. O então
deputado federal Jair Bolsonaro, à época no PSC, condenou a atitude do
irmão: “Pau nele, para deixar de ser otário. Se meu irmão praticar algum
crime, fizer alguma besteira, o problema é dele. Ele que se exploda”.
“Tem cargo, malandro? A primeira coisa: sai fora, depois se explica”. Ao
que tudo indica, pelo menos otário Renato não é mais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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