Documento do serviço secreto americano relata que três pesquisadores de Wuhan foram hospitalizados antes da eclosão da pandemia. Vilma Gryzinski:
“Ele
poderia ter saído do meu laboratório?”. Com estas poucas palavras, a
pesquisadora Shi Zhengli revelou sua preocupação quando foi informada da
natureza do novo vírus que havia sido detectado em Wuhan, onde fica o
Instituto de Virologia onde ela trabalha.
Motivo
da pergunta: o vírus era da mesma família do encontrado em morcegos
típicos de cavernas do sul da China, zona de clima tropical a mais de
mil quilômetros de Wuhan.
Como
teria ido acabar infectando humanos em Wuhan? A doutora Shi, conhecida
como mulher morcego por causa das expedições nessas cavernas, passou
desde então muito tempo procurando comprovar que seu laboratório, o
único de nível de segurança 4 na China, não tinha deixado escapar
acidentalmente o vírus que tanto estrago, em termos de vidas e perdas
materiais, tem causado pelo mundo.
Tal
como tantos outros aspectos dessa epidemia, a questão da origem do
SARS-CoV-2 foi politizada. Como Donald Trump procurava empurrar a culpa
da doença para a China, seus partidários abraçaram a causa da origem
“fabricada” do vírus e seus adversários tornaram-se ardorosos defensores
da hipótese contrária.
A
politização contaminou a ciência, como não é incomum. E a resposta da
ciência é, até agora, insatisfatória para os que buscam 100% de certeza:
não dá para cravar uma resposta taxativa, embora a maioria dos
estudiosos se incline pela origem zoonótica – morcego, animal selvagem
intermediário, humano – da Covid-19.
Mas
existem outros métodos de investigação e foi um desses, revelado pelo
Wall Street Journal, que pesou no desconforto em meios científicos sobre
o que parece ser uma dúvida crescente sobre a origem do vírus.
Um
documento “de inteligência” visto pelo confiabilíssimo jornal relata
que três pesquisadores do laboratório de Wuhan ficaram doentes em
novembro de 2019 a ponto de terem procurado internação hospitalar. Um
relatório anterior do Departamento de Estado já falava em pesquisadores
precocemente infectados que apresentavam “sintomas compatíveis tanto com
a Covid-19 quanto com doenças sazonais comuns”.
Segundo a linha do tempo apresentada pela China, o vírus foi identificado em 30 de dezembro de 2019.
Note-se
que logo no início da pandemia, dois cientistas chineses também
mencionaram a hipótese da origem acidental do vírus, relatando
incidentes de pesquisadores contaminados com sangue e urina de morcegos
que estudavam no Instituto de Virologia.
A
derrota eleitoral de Trump tem feito bem para a melhor de todas as
atitudes quando enfrentamos assuntos que causam grandes dúvidas: manter a
mente aberta para todas as hipóteses.
Com
Trump fora da Casa Branca, o New York Times destacou no começo do mês a
carta de 18 cientistas, publicada na Science, dizendo que não há
evidências suficiente para responder com certeza onde o vírus se
originou. As duas hipóteses continuam a ser viáveis, alertam eles.
A
carta foi coordenada por cientistas respeitáveis, Jesse Bloom,
especialista em evolução de vírus do Centro Fred Hutchinson de Pesquisas
de Câncer, e David Helman, microbiologista de Stanford.
“Qualquer
pessoa que esteja fazendo declarações com um alto nível de certeza está
ultrapassando o que é possível saber com as evidências disponíveis”,
alertou Bloom.
É
claro que ele não falou diretamente, mas muitos entenderam a recado
implícito aos pesquisadores estrangeiros que fizeram parte da missão da
Organização Mundial de Saúde em Wuhan, da qual retornaram dizendo que
era “extremamente improvável” – as palavras do vocabulário científico
para impossível – que o vírus tivesse se originado no laboratório de
Wuhan.
O
problema é que os convidados apenas visitaram as instalações, sem poder
submetê-las ao crivo de uma investigação independente – nem era essa
sua missão, pois jamais teria sido admitida. Todo mundo sabe que a China
controlou milimetricamente a delegação antes, durante e depois da
missão, protelando-a o quanto pode.
A
carta dos cientistas na Science pede mais investigações, sem se
comprometer com nenhuma das duas hipóteses, o que já é uma tomada de
posição. Ontem, receberam uma espécie de apoio indireto de Anthony
Fauci, o falante infectologista que virou o contraponto de Trump e
continuou surfando a onda de popularidade: “Sou perfeitamente a favor de
qualquer investigação que procure a origem do vírus”.
Outra
carta, datada de março, também viu cientistas preocupados em descobrir a
origem do vírus, empreendimento “de importância vital para administrar a
atual pandemia e reduzir os riscos de futuras” ondas similares.
Este
documento faz uma longa lista dos critérios que uma investigação
rigorosa e independente deveriam seguir. Infelizmente, jamais serão
seguidos na China.
“Continuo
a achar que a etiologia mais provável desse patógeno veio de
laboratório”, disse Redfield, considerando improvável que uma doença
originada em morcegos tenha se tornado tão rapidamente “um dos vírus
mais infecciosos que conhecemos na humanidade” pelo contágio entre
humanos.
Redfield
defende, assim, uma teoria mais turbinada: o patógeno que escapou do
laboratório de Wuhan tinha sido manipulado para ser mais virulento, num
processo chamado ganhou de função.
São
poucos os cientistas que cravam essa hipótese. Entre eles está Luc
Montagnier, o prêmio Nobel de 2008 por ter identificado o vírus da Aids.
O virologista francês, que anda desacreditado e sem verbas por abraças
teorias conspiratórias contra vacinas e outras ideias heterodoxas, acha
que “aprendizes de feiticeiro” inseriram um pedaço do vírus da Aids num
coronavírus comum, “provavelmente porque estavam buscando uma vacina”.
O
caso mais conhecido de contaminação por acidente em laboratório é o de
Marburgo, cidade alemã onde estavam sendo estudados macacos africanos
contaminados por um vírus que causa estragos semelhantes ao do Ebola.
Originário
de morcegos – os grandes portadores de vírus -, o vírus foi recolhido
na África e classificado em Marburgo, de onde derivou seu nome. Trinta e
um trabalhadores foram contaminados em laboratório, em Marburgo,
Frankfurt e Belgrado; sete morreram. O caso tornou-se um clássico,
inclusive inspirando obras de ficção do tipo humanidade ameaçada por
vírus fabricado pelo homem.
A
pesquisadora Shi Zhenling contou à Scientific American que, quando o
novo coronavírus emergiu, ela repassou todos os registros dos vírus
pesquisados ao longo de anos na sua caça aos morcegos para verificar se
poderia ter havido algum vazamento, em especial no descarte do material
contaminado. Ficou aliviada ao ver que nenhum deles batia com o novo
patógeno.
Mas
deixou uma pergunta no ar: por que sua primeira reação foi pensar que o
novo vírus que àquela altura já se espalhava por Wuhan poderia ter
saído de seu laboratório?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário