Por seu gosto pelo ócio e sua inapetência para governar, Bolsonaro, indolente, deixa seu reino – e o País – à mercê dos oportunistas de sempre. Editorial do Estadão:
O
presidente Jair Bolsonaro finalmente sancionou o Orçamento de 2021,
depois de longa disputa entre os técnicos do Ministério da Economia
preocupados com as regras fiscais e a ala do governo interessada em
agradar à base aliada e em capturar recursos para obras eleitoreiras.
Ao
contrário do que pode parecer, Bolsonaro demorou até o último dia do
prazo legal para a sanção não porque se debatesse em dúvidas entre a
prudência e a gastança – o presidente jamais foi um defensor da
austeridade –, mas porque dependia da articulação de um acordo que não
desagradasse aos chefes do Centrão – hoje senhores de seu governo – e ao
mesmo tempo afastasse a sombra do crime de responsabilidade.
A
exequibilidade do Orçamento era preocupação secundária para Bolsonaro; a
primária sempre foi manter-se no cargo e reunir condições políticas
para sua reeleição. Por esse motivo, Bolsonaro permitiu que o Centrão se
apoderasse do Orçamento, de tal modo que nem as despesas obrigatórias
ficaram a salvo do apetite desses parlamentares.
Como
se sabe, as negociações do governo com o Congresso resultaram num
Orçamento em que as despesas obrigatórias sofreram cortes para acomodar
emendas parlamentares, uma aberração inédita. O relator do Orçamento,
senador Marcio Bittar (MDB-AC), declarou ter feito a manobra com a
anuência do ministro da Economia, Paulo Guedes, para satisfazer
inclusive os pedidos de ministros interessados em driblar as restrições
impostas pelo teto de gastos.
O
ruído estremeceu a relação entre o governo e o Centrão. A solução
encontrada, depois de atabalhoada negociação, é condizente com um
governo incapaz de articular uma estratégia que vá além do necessário
para a sobrevivência política do presidente Bolsonaro.
Na
sanção, Bolsonaro cortou R$ 11,9 bilhões justamente nas emendas
parlamentares que atenderiam a pedidos de ministros para tocar obras.
Além disso, cortou R$ 7,9 bilhões nas despesas discricionárias do
governo. Por fim, o presidente bloqueou mais R$ 9 bilhões em emendas
parlamentares – mas, neste caso, o dinheiro pode ser liberado no futuro,
caso haja espaço fiscal.
Nas
contas do Ministério da Economia, a soma desses vetos deverá ser
suficiente para honrar as despesas obrigatórias, que haviam sido
criminosamente reduzidas na irresponsável negociação do Orçamento. Ao
menos por ora, o pagamento integral das aposentadorias está garantido.
O
mesmo não se pode dizer do funcionamento em geral da máquina pública. O
teto de gastos foi respeitado, mas ainda há considerável risco de
shutdown, situação em que serviços essenciais prestados pelo Estado são
suspensos por falta de dinheiro.
“Todo
mundo vai pagar um pouco a conta disso aí”, disse o presidente
Bolsonaro. Antes fosse assim. Os deputados continuarão a ter ampla
margem para obter recursos para patrocinar obras em seus redutos
eleitorais, mesmo diante da penúria.
E
no Orçamento de 2022, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias encaminhado pelo governo, estão previstos subsídios,
isenções e desonerações da ordem de R$ 365,2 bilhões, um aumento de
4,02% em relação ao projetado no Orçamento deste ano. A alta contraria o
compromisso do governo, assumido na PEC Emergencial, de reduzir os
gastos tributários que atendem a lobbies de todo tipo.
Isso
é fruto do escandaloso descaso do governo com a coisa pública, o que
deixa os espertalhões à vontade. Não à toa, na segunda-feira passada o
Congresso, sem a menor cerimônia e sem ser incomodado pelo Executivo,
derrubou um veto presidencial de 2009 que impedia a migração de 1.800
servidores da antiga Secretaria de Receita Previdenciária para a
carreira de analista tributário da Receita Federal, sem concurso. A
manobra, que permitirá um substancial aumento salarial para esses
servidores a despeito do congelamento determinado por lei em 2020,
custará R$ 2,8 bilhões ao Tesouro apenas neste ano.
Assim
como os decadentes reis merovíngios, chamados de rois fainéants (reis
preguiçosos) por seu gosto pelo ócio e sua inapetência para governar,
Bolsonaro, indolente, deixa seu reino – e o País – à mercê dos
oportunistas de sempre.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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