Assim aconselhou governador de estado mais atingido pela pandemia, para manter o ritual hinduísta de cremação dos mortos. Vilma Gryzinski:
A
palavra “apocalíptico” foi usada várias vezes desde que a pandemia se
disseminou, em março, inclusive, com bastante exagero, no Brasil.
Mas
é difícil achar um adjetivo que defina melhor a situação de emergência
que levou o governador do estado de Karnataka. B. S. Yediyurappa, a
dizer: “É prudente dispor rápida e respeitosamente dos corpos de forma
descentralizada, para evitar aglomerações nos crematórios e cemitérios”.
A forma “descentralizada” sugerida é que as famílias façam a disposição dos corpos de parentes em suas próprias casas.
Os
seguidores da religião hinduísta – mais de 900 milhões de 1,3 bilhão de
indianos – cremam os corpos dos mortos para liberar a alma e
impulsionar mais uma volta na roda da reencarnação. Os muçulmanos – uma
minoria de 200 milhões – sepultam os corpos na terra nua.
Ver
piras funerárias em constante combustão nas margens do Ganges faz parte
da paisagem habitual indiana, mas as atuais imagens de crematórios
expandidos ou improvisados ao ar livre, funcionando em plena capacidade
por causa do aumento de mortos, são de arrepiar.
Os
números da Índia são no momento comparáveis aos do Brasil: 352 mil mil
novos casos de ontem para hoje e 2.812 mortes. Proporcionalmente ao
tamanho da população, a distância é enorme: são 139 mortos por milhão de
habitantes, contra 1822. Ao todo, o país se aproxima dos 200 mil
mortos. Algumas projeções falam em 500 mil novos casos diários em maio e
5.700 mortes.
Os
problemas são os mesmos que no Brasil, embora o nível de desorganização
seja muito maior. UTIs superlotadas, falta de respiradores e outros
equipamentos. Como o sistema de saúde depende muito das famílias dos
doentes, são enormes as filas para reabastecer cilindros de oxigênio.
A
Covid também está se disseminando mais rapidamente nessa segunda onda,
provavelmente por causa de variantes como a de Kent e a local, chamada
de “duplo mutante”.
Falando
sob anonimato ao jornal The Straits Times, um empresário de construção
civil de Bangalore descreveu como improvisou uma cova no quintal de sua
casa para enterrar seu pai.
“Como hinduístas, deveríamos cremá-lo, mas todos os sete crematórios da cidade disseram que havia uma espera de 48 horas”.
O jornal publicou fotos de piras improvisadas na calçada de um desses crematórios.
O
primeiro-ministro Narendra Modi disse que o país está abalado pela
“tempestade”. A Suprema Corte de Delhi, uma das cinco do país, usou a
palavra “tsunami”. E avisou que se alguém for culpado de comprometer a
distribuição de oxigênio, “nós vamos enforcar esse homem”.
Com
mais cacife para colocar no grande tabuleiro mundial – laboratórios
farmacêuticos com enorme produção, posição estratégica em relação à
China e, claro, armas nucleares -, a Índia já começou a receber dos
Estados Unidos concentradores de oxigênio.
A
Inglaterra também está enviando enviando concentradores, que substituem
os tanques em casos que não requerem grandes quantidades.
A
Índia, tal como o Brasil, está sendo colocada na categoria de “países
complicados” – aqueles que ficam entrando e saindo de campanhas de
confinamento, enquanto os surtos de Covid aumentam ou não caem o
suficiente para permitir a retomada das atividades normais.
O
resultado é um mundo dividido em duas categorias: os bem resolvidos,
que estão se recuperando da pandemia, como Israel, Grã-Bretanha e
Estados Unidos, onde as campanhas de vacinação estão permitindo o
reinício das atividades econômicas, e a segunda classe, os complicados
que não controlam os surtos de forma sustentável.
“Um
salto econômico turbinado e a retomada das viagens internacionais podem
estar a apenas alguns meses de distância para alguns países”, escreveu o
Telegraph.
“Mas
nos países sem vacina, ou onde a vacinação é lenta, as populações pode
ser açoitadas por uma onda atrás da outra de infeções e mortes,
estendendo-se potencialmente até o próximo ano ou talvez além dele”.
Países pobres e populosos como o Paquistão e a Nigéria sequer começaram a vacinação ou estão em estágios muito iniciais.
“A
falta de vacinas ou a incapacidade de bombear dinheiro para estimular a
economia significa que países em desenvolvimento vão se recuperar mais
lentamente”.
Nesses países, mesmo os mais abastados continuarão a ter acesso negado a viagens internacionais, por exemplo.
“Se
você não pode viajar e se a população de seu país fica entrando e
saindo dos ciclos de confinamento, você vai ficando cada vez mais para
trás”, resumiu a professora Trudie Lang, especialista em sistemas
globais de saúde de Oxford.
Não é uma perspectiva animadora.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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