Os levantamentos científicos são unânimes em apontar que o morticínio no Brasil só não foi pior por causa da atuação responsável da maior parte dos governadores. Editorial do Estadão:
Uma
questão crucial a ser elucidada pela Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) criada para apurar as responsabilidades do governo na crise
pandêmica é: por que o País que tem um dos maiores sistemas de saúde
pública do mundo, com histórico de sucesso no combate a outras doenças e
um aparato de vigilância sanitária avançado, apresentou resultados tão
catastróficos? Se a resposta, com todas as suas consequências, não vier à
luz, não será por falta de subsídios da comunidade científica.
Como
mostra um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de
Michigan e da FGV, no início da pandemia o Global Health Security Index
classificava o País como o mais preparado da América Latina para lidar
com emergências de saúde pública. Daí a resposta bem-sucedida a
epidemias como as de HIV/aids, hepatite C e H1N1.
O estudo sobre o Brasil integrou o livro The Comparative Politics and Policy of Covid-19,
que reuniu mais de 60 pesquisadores para analisar governos de todo o
mundo. Os resultados mostram que os países com melhor desempenho
seguiram as orientações da Organização Mundial da Saúde e aliaram
medidas de saúde a políticas sociais. Ou seja, ponto por ponto o
contrário do que fez Jair Bolsonaro. “O presidente e seus apoiadores
(governadores de quatro Estados, parte das Forças Armadas, alguns
membros do governo, como o ministro das Relações Exteriores, e certos
grupos de extrema direita) advogaram políticas públicas que refletiram
uma pseudociência na melhor das hipóteses, e o negacionismo na pior.”
A
pesquisa detalha como Bolsonaro empregou seus poderes constitucionais
para minimizar a pandemia e boicotar os Estados. Um caso de prejuízo
diretamente causado pela negligência do Planalto foi a demora no
fechamento das fronteiras no início do surto. Outro, causado por sua
ação direta, foram as medidas provisórias empregadas para obstruir os
esforços de restrição da circulação por parte dos Estados, como a que
indexou dezenas de serviços como “essenciais”. “Bolsonaro interferiu no
Ministério da Saúde como nunca antes visto no período democrático”,
lembrou uma das pesquisadoras. “Ele interveio em protocolos de
tratamento e até no modo de divulgação dos dados da pandemia.”
Outro estudo, da revista médica The Lancet,
identificou diversos problemas na gestão federal, entre eles as
deficiências dos quadros levados ao Ministério da Saúde pelo ex-ministro
Eduardo Pazuello, para substituir vários técnicos por militares sem
competência, tal como ele, em saúde. Também questiona a subutilização
dos fundos de emergência de R$ 44,2 bilhões aprovados em fevereiro. Até
outubro de 2020 – período crítico para a contenção do surto – o
Ministério havia empregado apenas 23% de seus recursos.
Além desses problemas, um levantamento da revista Science
destaca a baixa capacidade de testagem. Até o final de 2020, o País
havia testado apenas 13,6% da população, o que o coloca entre os que
menos testaram no mundo, conforme o Our World Data, da Universidade de
Oxford. O estudo também aponta a forte correlação no início da pandemia
entre o número de mortes e as vulnerabilidades socioeconômicas. É outro
ônus para o governo federal. Em emergências de saúde em um país tão
grande e diverso como o Brasil, o Ministério da Saúde tem um papel
fundamental na compensação das desigualdades regionais. Quando falta a
articulação federal, as consequências podem ser catastróficas, como se
viu na crise de abastecimento de oxigênio em Manaus.
Certa
vez, Pazuello confessou que antes de assumir a pasta não sabia o que
era o SUS. Talvez aprenda nos inquéritos a que será submetido no
Congresso que a calamidade em sua gestão só não foi maior pela
resiliência do sistema. Bolsonaro, por sua vez, tentou mobilizar
congressistas para avançar a proposta de incluir os Estados na CPI. Não
conseguiu, porque isso seria inconstitucional. Se fossem incluídos,
seria outro tiro no pé do governo. Os levantamentos científicos são
unânimes em apontar que o morticínio no Brasil só não foi pior por causa
da atuação responsável da maior parte dos governadores.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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