Com
o rombo do setor publico previsto em R$ 250 bilhões, a “PEC de
Emergência”, lançada para encontrar fontes de financiamento ou corte de
despesas que zerassem o custo previsto do auxilio de sobrevivência por
mais quatro meses (para começar) aos milhões de brasileiros
desempregados ou proibidos pelos próprios governos de trabalhar na
pandemia acabou reduzida a uma emenda de descriminalização do crime
fiscal. Isto é, ela não anula os efeitos devastadores da
irresponsabilidade fiscal que, em rara janela de lucidez, o legislador
definiu como criminosa em tempos idos. É apenas uma licença para os
agentes públicos gastarem consigo mesmos de forma criminosa impunemente.
O
bode colocado na sala no último relatório do senador Marcio Bittar é o
barulho da “quebra da vinculação” das verbas para educação e saude no
orçamento nacional. Na verdade o que se propõe não é nem a liberdade
para reduzir o total obrigatoriamente gasto com essas duas rubricas, é
apenas dar liberdade ao governo para alterar a distribuição do total
gasto entre elas, dada a experiência concreta do último ano em que a
saúde teve o peso que teve e as escolas e universidades públicas e
privadas permaneceram fechadas.
Eu
ia começar este artigo dizendo que o Brasil fracassa porque todos os
diagnósticos sobre ele ignoram a referência básica do resultado. O
raciocínio ia na linha de conferir um dado simples. A educação e a saude
publicas melhoraram no Brasil desde que essas vinculações foram
estabelecidas? Houve melhoras nesses serviços a cada vez que a
porcentagem do orçamento dedicado a eles foi aumentada?
A
resposta é: nenhuma, muito ao contrário. Tudo no Brasil anda para
trás desde que a Constituição de 88, que introduziu esse instrumento,
foi inaugurada. E a razão disso é obvia e ululante. Junto com essas
vinculações a constituição deu a cada categoria do funcionalismo
público, ou o direito expresso, ou os meios práticos de estabelecer a
sua própria remuneração e o seu próprio plano de carreira. O resultado é
que todos eles, para além de serem indemissíveis, passaram a se
aposentar cada vez mais cedo e com mais proventos, a ter seus salários
aumentados por mero decurso de prazo e não contra a apresentação de
resultados, e a inventar todo tipo de trapaça semântica ofensiva à
inteligência para violar as leis ensaiadas para tentar deter esse
assalto que pôs o país nessa condição maluca em que os 5% da população
embarcados no serviço público comem mais de 50% do PIB e os 95%
restantes estão relegados ao favelão nacional.
Uma
das mais notórias dessas trapaças é essa das “vinculações
orçamentárias”. Não havendo nada que obrigue os governos a limitar
contratações nem os contratados a mostrar desempenho esses aumentos de
verbas “para o setor” convertem-se, na prática, em aumento dos proventos
dos servidores do setor (além da corrupção), e em rigorosamente mais
nada que interesse aos servidos. Mas dá à canalha que arma essa arapuca
dentro dos legislativos e à “sua imprensa” cativa um “argumento” fácil:
“Como assim, tirar dinheiro da saude e da educação”!
Esse
argumento é tão agressivamente contraditório com a iniquidade dos
números da situação povo versus “representantes” e “servidores” do povo
no orçamento nacional que alguns órgãos dessa imprensa cativa já não
ousam repeti-lo inteiro. Admitem veladamente – e apenas veladamente –
que tudo isso é uma empulhação criminosa, mas que “ainda não é hora de
enfrentá-la”, mesmo com o país explodindo como está explodindo…
Daí
ter eu recuado da premissa inicial. Os governos do Brasil, constituídos
total e exclusivamente pela privilegiatura, agem sim, considerando o
resultado das suas decisões porque sendo o sistema totalmente
autorreferente e blindado contra os eleitores, o resultado que ele
SEMPRE está buscando é o aumento dos privilégios da privilegiatura que,
com os arranjos que fez no front eleitoral e de financiamento de
eleições, nunca sai do poder com essa tapeação da alternância entre
“esquerda” e “direita” que não passa da alternância entre duas formas
sutilmente diferentes de mentir para que a nobreza continue sendo
sustentada pelos plebeus.
A trajetória dessa PEC assume essa verdade.
Nascida
para reafirmar a “regra de ouro”, o único instrumento de defesa do
favelão nacional contra a fome de lagosta dos palácios, que torna ilegal
e passível de impeachment o governo que aumentar mais que a inflação do
ano anterior o endividamento publico para manter gastos correntes,
acaba por descriminalizar esse crime. Sempre com o congresso em peso e
mais os Bolsonaro contra o isolado Paulo Quixote Guedes de oponente
solitário, tiraram dela, uma a uma, todas as medidas de cortes de gastos
correntes (leia-se proventos do funcionalismo ativo e inativo porque
não sobra um tostão pra mais nada). Ela foi amputada, sucessivamente, de
todos os dispositivos contra despesas fora do teto: redução de salário e
jornada de servidores, desobrigação de reajuste de salários e
aposentadorias em meio a desastres nacionais, contenção de emendas
parlamentares … tudo, enfim, que faça o menor dos barnabés abrir mão do
mais ínfimo dos seus “penduricalhos” para que um zé a menos acabe
morando na rua com sua família.
Ficou,
pro forma, o congelamento de novos aumentos, contratações e progressão
nas carreiras publicas por mais dois anos, medidas já devidamente
arrombadas no primeiro ano de “vigência” com brechas amplamente
exploradas nas três instâncias de governo.
Se
a preocupação fosse com a qualidade da educação e da saúde publicas
estávamos fazendo o que fazem as democracias: servidores diretamente
eleitos para poderem ser diretamente cobrados e demitidos (recall) pelos
servidos que não servirem a contento; escolas publicas fiscalizadas por
conselhos de pais de alunos eleitos por cada bairro para aprovar ou não
currículos e orçamentos de seus respectivos diretores; ninguém nomeado
por político nem eternamente estável no serviço público. Estávamos
abolindo, enfim, os instrumentos concretos da escravização do favelão
nacional pela privilegiatura que a imprensa dela se proíbe até de
nomear, o que deixa os que nos assaltam com a lei livres, leves e soltos
para continuarem a estrangular o Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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