No começo deste ano, com as atenções voltadas novamente a Wuhan, Pequim redobrou os seus esforços de propaganda, usando uma rede de contas de autoridades do governo, influencers e mídia estatal para espalhar desinformação a milhões de usuários de redes sociais. Helen Mendes para a Gazeta do Povo:
Enquanto
a Organização Mundial da Saúde (OMS) investiga as origens do novo
coronavírus, a organização esbarra não apenas nas dificuldades de acesso
e cooperação com autoridades chinesas, mas também em uma campanha de
desinformação promovida por Pequim, que procura culpar os EUA ou outros
países pelo surgimento da pandemia.
Desde
o início do surto, autoridades globais já reconheciam o potencial risco
de desinformação gerado pela crise de saúde. Em fevereiro de 2020, a
OMS divulgou um relatório sobre a situação que relatava que,
paralelamente à pandemia, ocorria uma "infodemia", a superabundância de
informações, corretas ou não, que dificultava a localização de fontes
seguras sobre o assunto.
Narrativas
sobre a possibilidade de que o Sars-CoV-2 tenha sido criado como uma
arma biológica, ou escapado de um laboratório por acidente, por exemplo,
assim como o próprio vírus, têm a capacidade de se espalhar rapidamente
pelo mundo.
Por
meses, a China tem promovido teorias alternativas sobre a origem do
coronavírus, que foi detectado pela primeira vez em território chinês e
em pouco mais de um ano já matou cerca de 2,5 milhões de pessoas pelo
mundo. Essas teorias pretendem desviar as acusações de que autoridades
chinesas não agiram com rapidez suficiente para conter o surto inicial e
não foram transparentes com a comunidade internacional em relação às
primeiras transmissões.
Uma
dessas teorias, que ganhou força em meio à investigação da OMS, diz que
o vírus surgiu no Fort Detrick, uma base militar na Virgínia onde está
localizado um laboratório de pesquisa sobre doenças infecciosas do
Exército dos EUA. Essa teoria teria sido uma reposta à ideia de que o
vírus escapou de um laboratório chinês, muito promovida pelo
ex-presidente americano Donald Trump e que continua sendo defendida por
seus aliados.
Potências
mundiais como EUA, China, Rússia e Irã buscaram controlar a narrativa
sobre a origem da pandemia de Covid-19. Autoridades e veículos de mídia
desses países ajudaram a disseminar desinformação e teorias da
conspiração, concluiu uma investigação de nove meses da Associated Press
em parceria com o Atlantic Council Digital Forensic Research Lab, que
analisou milhões de postagens nas principais redes sociais.
Mas foi a China quem liderou a campanha de desinformação sobre as origens do vírus, segundo os pesquisadores.
Outra
investigação, da CNN, chegou a conclusões semelhantes às da AP. A
reportagem concluiu que as críticas à maneira como Pequim lidou com o
início da pandemia, no começo de 2020, parecem ter motivado a máquina de
propaganda do Partido Comunista da China a adotar a teoria do
surgimento do vírus na base militar de Fort Detrick.
No
começo deste ano, com as atenções voltadas novamente a Wuhan, Pequim
redobrou os seus esforços de propaganda, usando uma rede de contas de
autoridades do governo, influencers e mídia estatal para espalhar
desinformação a milhões de usuários de redes sociais.
O que a OMS descobriu até aqui
As
negociações entre a OMS e Pequim para o envio da missão responsável por
investigar as origens do Sars-CoV-2 levaram quase um ano. A equipe de
especialistas finalmente chegou à China no fim de janeiro.
Após
a visita, o relatório preliminar da OMS deve recomendar o rastreamento
de contatos mais detalhados do primeiro paciente de Covid-19 em Wuhan e
da cadeia de suprimentos de uma dúzia de fornecedores do mercado de
frutos do mar de Huanan, local que os pesquisadores acreditam estar no
centro da dispersão inicial do vírus no final de 2019. As informações
foram relatadas por fontes da missão à CNN.
Segundo
esses cientistas, esse trabalho de investigação que está sendo
recomendado pela OMS deveria ter sido feito há meses. Eles disseram à
CNN que acharam "surpreendente" e "implausível" que os cientistas
chineses não tivessem feito essa pesquisa.
As
autoridades chinesas e a OMS identificaram como o primeiro caso
confirmado de Covid-19 o de um paciente de Wuhan em 8 de dezembro de
2019. A equipe da OMS se encontrou durante a visita com o paciente, que
disse que os seus pais haviam visitado um mercado que vendia produtos de
animais selvagens em Wuhan.
Os
especialistas da missão disseram após a viagem que a investigação
descobriu novas informações, mas nada que mudasse drasticamente o que
já sabia sobre o surgimento do vírus.
Peter
Bem Embarek, chefe da missão da OMS, afirmou que é "extremamente
improvável" que o vírus tenha escapado de um laboratório chinês.
"Nossas
descobertas sugerem que a hipótese de acidente de laboratório é
extremamente improvável para explicar a introdução do vírus na população
humana, e por isso não é uma hipótese que implica em futuros estudos no
nosso trabalho, a apoiar nosso futuro trabalho, na compreensão da
origem do vírus", disse Embarek em coletiva de imprensa no dia 9 de
fevereiro, quando anunciou os resultados da missão antes da equipe
deixar a China.
Os
especialistas acham que a hipótese mais provável é que o novo
coronavírus tenha se originado em animais antes de ser transmitido para
humanos. Embarek explicou que as evidências indicam que morcegos tenham
sido reservatórios naturais do vírus, que teria passado por outras
espécies intermediárias antes de conseguir infectar humanos. Eles
disseram que o caminho do vírus por animais ainda está sendo
investigado.
A
possibilidade de o vírus ter sido transmitido pelo transporte e
comércio de alimentos congelados também continua a ser investigada.
Um
outro documento interno da Organização Mundial da Saúde, produzido
anteriormente e visto pelo jornal The Guardian, afirma que as
autoridades chinesas fizeram "pouco" em termos de investigação
epidemiológica sobre as origens da Covid-19 em Wuhan nos primeiros oito
meses do surto.
O
relatório, com data de 10 de agosto de 2020, também diz que uma equipe
que se encontrou com especialistas chineses, como parte da missão para
desvendar as origens do vírus, recebeu pouca informação à época, e não
recebeu documentos ou dados por escrito durante as discussões.
"Após
discussões extensas com colegas chineses, parece que pouco foi feito em
termos de investigações epidemiológicas em Wuhan desde janeiro de 2020.
Os dados apresentados oralmente deram um pouco mais de detalhes do que
foi apresentado nas reuniões do comitê de emergência em janeiro de 2020.
Não foram feitas apresentações de Power Point e não foram
compartilhados documentos", diz o documento, um relatório da viagem de
Peter Embarek, chefe da missão da OMS, à China entre 10 de julho e 3 de
agosto de 2020.
O que diz a China
Quando
os investigadores da OMS encerraram essa etapa inicial da missão, o
epidemiologista chefe do Centro de Controle de Doenças da China, Zeng
Guang, disse que os Estados Unidos agora devem ser o foco da
investigação sobre as origens do novo coronavírus.
"Esperamos
que, seguindo o exemplo da China, o lado dos EUA atue de maneira
cooperativa, positiva e com base na ciência sobre a questão do
rastreamento da origem e convide os especialistas da OMS para um estudo
sobre o rastreamento da origem", disse um porta-voz do Ministério de
Relações Exteriores da China no início do mês.
Outra
porta-voz do ministério, Hua Chunying, disse em janeiro que os EUA
deveriam "abrir o laboratório biológico de Fort Detrick e dar mais
transparência a questões como os mais de 200 laboratórios no exterior,
além de convidar os especialistas da OMS para conduzir o rastreamento da
origem". O vídeo com os comentários de Hua foi visto quase um milhão de
vezes no Weibo, uma plataforma similar ao Twitter usada na China, e foi
amplificado por vários influencers chineses com milhões de seguidores,
segundo a CNN.
A
presença da China em plataformas de mídias sociais do Ocidente - como
Twitter e Facebook, que são proibidas no país asiático - explodiu
recentemente. Segundo a investigação da AP, desde meados de 2019, o
número de perfis de diplomatas chineses no Twitter mais do que
triplicou, e no Facebook, mais do que dobrou. Essas contas ajudaram a
espalhar as teorias chinesas sobre a Covid-19.
Uma
série de 11 tuítes do porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da
China, Zhao Lijian, em março, que especulava sobre a criação do novo
coronavírus pelas forças armadas americanas, foi citado mais de 99 mil
vezes, em pelo menos 54 idiomas, por contas com centenas de milhões de
seguidores, disse a AP.
Rússia e Irã apoiaram a estratégia de desinformação chinesa, amplificando as mensagens por seus próprios canais.
No
segundo semestre de 2020, a China começou a promover teorias um pouco
mais plausíveis - embora ainda infundadas - de que o vírus já circulava
por outros países antes de ser descoberto em Wuhan e que teria chegado
ao seu território por meio do fornecimento de alimentos congelados.
Mas,
embora a mídia estatal chinesa tenha defendido essa teoria, as
evidências de que o coronavírus poderia ser transmitido via alimentos
congeladas continuam escassas. Na semana passada, o FDA, agência
regulatória de medicamentos e alimentos dos EUA, afirmou que "não existe
evidência convincente" de que o Sars-CoV-2 seja transmitido por
alimentos ou embalagens contaminadas.
"É
importante observar que a Covid-19 é uma doença respiratória que é
passada de pessoa para pessoa", disse Janet Woodcock, comissária do FDA,
no comunicado. "Considerando os mais de 100 milhões de casos de
Covid-19, nós não vimos evidência epidemiológica de alimentos ou
embalagens de alimentos como a fonte de transmissões de Sars-CoV-2 para
humanos", disse a comissária, acrescentando que a quantidade de
partículas virais que poderiam ser pegas ao se encostar em superfícies
seria muito pequena, enquanto a quantidade necessária para uma infecção
pelo nariz ou boa seria muito maior, e que por isso as chances desse
tipo de contágio são "extremamente baixas".
A
OMS afirmou, no entanto, que continua investigando essa possibilidade. O
ecologista de doenças Peter Daszak, membro da missão da OMS, disse que a
equipe está "com a mente aberta" para descobrir o que causou o surto
inicial de coronavírus em Wuhan.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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