Chegando a 2022, é bem possível que Bolsonaro tenha ventos a favor na economia e na política para sua reeleição. Mas a travessia de 2021 se torna cada vez mais difícil. Fernando Dantas para o Estadão:
Em recente entrevista neste espaço,
Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do
Tesouro, indicou como 2021 é o ano crítico da travessia de Jair
Bolsonaro na tentativa de garantir um segundo mandato presidencial.
Na
seara fiscal, o teto de gastos está apertadíssimo este ano, devendo
levar as despesas discricionárias para seu mais baixo nível desde que o
indicador é calculado. O risco de atrasos de pagamentos e paralisação de
áreas específicas da administração federal é real. Investimentos no
mínimo histórico vão acelerar a deterioração da infraestrutura a cargo
da União.
Em
2022, porém, por causa de uma combinação favorável entre
indicador/periodicidade dos indexadores do teto e das despesas
obrigatórias, o governo vai poder gastar e investir mais do que em
qualquer outro ano do governo Bolsonaro.
E
tem mais, obviamente. Mesmo na hipótese mais pessimista sobre a
campanha de vacinação no Brasil em 2021, o cenário de todo mundo é que,
ano que vem, a pandemia esteja superada. É possível que isso leve a
economia a andar com força em 2022.
O cientista político Jairo Nicolau, em seu livro “O Brasil Dobrou
à Direita” e em pesquisas recentes, vem mostrando como a base de apoio
de Bolsonaro é muito mais robusta do que apenas os extremistas de
direita.
A
união do presidente com o Centrão, no âmbito da Legislatura mais à
direita em muitas décadas, faz de Bolsonaro, na visão do pesquisador, um
líder conservador com grande capacidade de comunicação com a massa do
eleitorado. Em alguns segmentos, como o dos evangélicos, essa vantagem
do atual presidente é massacrante.
Assim,
supondo que Bolsonaro “sobreviva” a 2021, pode chegar no ano eleitoral
com a economia crescendo, dinheiro para gastar e uma base eleitoral
segura a partir da qual buscará uma fatia majoritária do eleitorado.
O
problema, porém (e aqui não é mais Nicolau que opina), é sobreviver a
2021. Nuvens de tempestade crescentemente pesadas estão se acumulando no
horizonte.
A
segunda onda da Covid-19 se mostra cada vez pior. A média semanal do
número de mortes registradas (não ocorridas) a cada dia, na contagem do
Ministério da Saúde, está em alta, e, acima de 1.100, já supera o
recorde da primeira onda.
Relatos
sobre superlotação, falta de vagas e episódios de colapso da rede
hospitalar surgem simultaneamente de diversas partes do País. Crescem as
indicações de que as novas cepas do coronavírus, mais transmissíveis,
podem ser uma das explicações para a virulência da segunda onda.
A vacinação, por sua vez, parece cada vez mais uma arma cujo efeito acontecerá no médio, e não no curto prazo.
A
experiência de países que estão avançados na imunização da população,
como Israel e, em escala menor, Estados Unidos, indicam que a vacina de
fato reduz contaminações e mortes e deve acabar com a pandemia.
O
problema é que a maioria dos países, como o Brasil, ainda está muito
longe de imunizar um percentual da população suficiente para que haja um
efeito significativo na progressão da doença.
Dessa forma, tudo indica que a pandemia vai piorar antes de melhorar.
O
efeito na economia é direto. O crucial setor de serviços, que vinha
gradativamente se reabrindo, deve reverter a tendência (ou melhor, já
está revertendo). Restaurantes que chegaram a encher em outubro voltaram
a ficar vazios. Viagens são canceladas.
Dá-se
muita atenção a aglomerações de jovens em bares e de pessoas nas
praias, mas de forma mais discreta e pulverizada a oferta e demanda por
serviços se contrai novamente, como já se refletiu em indicadores de
dezembro.
Medidas
oficiais de restrição de circulação também são implementadas por
cidades e estados. Hoje, o Paraná decidiu fechar serviços não essenciais
(a partir de meia noite) e ampliar o toque de recolher para o período
das 20h às 5h.
Muitos
analistas preveem que o PIB vai recuar neste primeiro trimestre. O
mercado de trabalho, apesar de alguma recuperação desde o pior momento
da pandemia, ainda se encontra no pior estado em muitas e muitas
décadas.
A atividade rateando vai piorar as coisas, e o desemprego e a retração de renda devem bater com mais força.
Com a queda recente da popularidade de Bolsonaro, cresce a tentação de ser mais generoso na reedição do auxílio emergencial.
Correntes
no Congresso acenam com a possibilidade de aprovar o auxílio agora, com
orçamento em aberto, e deixar para depois as medidas (muito brandas, e
100% de médio prazo) de compensação fiscal.
Para
piorar a incerteza, Bolsonaro interveio num rompante na Petrobrás, num
gesto populista que coloca em xeque toda a agenda liberal de Guedes –
inclusive na área fiscal.
Os
termômetros do mercado já refletem a febre político-econômica. A bolsa
cai forte, o dólar sobe mesmo com as intervenções do BC e a curva de
juros está superempinada.
O
Banco Central está no pior dos mundos: inflação e expectativas
inflacionárias em alta, e atividade em baixa, em meio a forte incerteza
sobre o regime fiscal.
O
que salva é que o mundo ainda está relativamente favorável, com a
retomada econômica na China e nos Estados Unidos e a alta das
commodities que o Brasil exporta.
Mas
há um risco pela frente. A “mãe” de todos os pacotes de impulso fiscal
que Biden quer implementar, numa economia já previamente turbinada por
impulsos monetários e fiscais, pode – para alguns analistas – provocar
inflação nos Estados Unidos.
Se
isso ocorrer e as taxas de juros americanas tiverem uma alta súbita e
forte, pode ser o gatilho para crises macroeconômicas agudas em países
emergentes vulneráveis como o Brasil. Seria o chamado “Deus nos acuda”.
Outra
nuvem feia no horizonte é o destino de Paulo Guedes no governo,
abordada hoje (sexta, 26/2) no Broadcast pelo meu colega Fábio Alves.
Será um longo 2021.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 26/2/2021, sexta-feira.
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