O jogo complexo que se apresenta: EUA X China, UE e Mercosul, as afrontas da Rússia à democracia. E os interesses por trás do 5G. Márcio Coimbra para a revista Oeste:
Em
2020 a pandemia mexeu com as estruturas do mundo como o conhecemos. As
mudanças foram profundas e de toda ordem, pautando de forma importante a
geopolítica mundial — afinal, um vírus que nasceu na China causou
impactos profundos nos mais diferentes pontos do planeta. Adiante, a
pandemia continuará sendo um ator crucial nos jogos de poder e, aliada a
outros fatores, deve definir os rumos do mundo em 2021.
A
vacina é o ponto de partida do ano que se inicia. Um esforço que
começou pelo Reino Unido, já atravessou o Atlântico para os Estados
Unidos e em breve se espalhará pelo mundo. O impacto do caminho da
vacinação afetará o grau de reabertura das economias, sendo crucial para
que muitos países consigam retomar o emprego, a produção e a
estabilidade.
Certamente,
países periféricos enfrentarão problemas maiores, com pouco acesso a
recursos ou à logística necessária para uma ampla vacinação. O Brasil,
com seu vasto território, enfrentará enorme desafio para fazer com que a
vacina chegue a todos os municípios em pouco tempo. Aliás, tempo é
elemento essencial a partir deste momento, uma vez que a retomada da
economia depende da rapidez e da segurança do processo de imunização.
A
pandemia será o tema central do governo que chega à Casa Branca. No
comando da nação com o maior número de vítimas da covid-19, Joe Biden
precisará lidar nos dois primeiros anos de mandato com duas questões
centrais: imunização e retomada. O trabalho dos norte-americanos será
focado na imunização e na recuperação dos empregos e da atividade
econômica, um processo que deve durar no mínimo dois anos, quando o país
encara um novo processo eleitoral com a renovação da Câmara e de um
terço do Senado.
O
peso geopolítico dos norte-americanos será um ponto importante a ser
observado, uma vez que a beligerância de Trump será substituída pelo tom
diplomático de Biden. O novo presidente é velho conhecido do
establishment de Washington, com amplo trânsito entre os dois partidos e
vasta experiência em relações exteriores, seja no Senado como na
Vice-Presidência. Veremos uma mudança profunda de narrativa e exercício
do poder, abrindo-se espaço para multilateralismo, diálogo e soft power.
Nesse
novo desenho, a Rússia assume o papel de maior antagonista de
Washington, com Pequim sendo monitorada, contudo sem o enfrentamento
exposto e direto exercido por Trump. A influência desses dois atores na
América Latina, território de natural influência norte-americana, é um
dos pontos que a Casa Branca deve manter em seu radar. A influência de
chineses e russos no continente americano é vista com muita desconfiança
por Washington e certamente Biden trabalhará para evitar a expansão
desse movimento.
A
Rússia deve lidar com os desafios de manter as antigas repúblicas
soviéticas sob seu domínio, mesmo que indireto. As reações contra a
influência de Moscou foram a tônica em diversos países em 2020, e o
Kremlin deseja evitar que esses questionamentos se ampliem para países
vizinhos. A crise na Belarus, que vivenciou uma fraude eleitoral de
proporções inimagináveis, precisa ser contida. Lukashenko, o autocrata
patrocinado por Putin, pretende se manter no poder. As perseguições e
prisões políticas fazem parte do cardápio na região, mas a resistência
da União Europeia tem ajudado a evitar o pior.
Ainda
em 2020, a Rússia teve de lidar com a crise entre Armênia e Azerbaijão,
um novo governo anti-Kremlin eleito na Moldávia e uma severa crise
política no Quirguistão, na fronteira chinesa. Putin buscará estabilizar
os satélites ou terá de conviver com uma onda de governos hostis em
países que Moscou considera exercer influência direta.
Enquanto
isso, a China, que acredita possuir uma província rebelde em Taiwan,
decidiu usar todo o seu poder para cercear Hong Kong. O receio
internacional é que utilize essa experiência e momento para avançar
sobre Taipei, colocando a região em estado de alerta. A comunidade
ocidental internacional se mobiliza para defender Taiwan de qualquer
avanço chinês sobre seu território autônomo.
Pequim
possui outras frentes de batalha. A principal é uma ofensiva de
reconstrução de sua imagem, dilacerada após a disseminação da covid-19. O
controle inicial da doença foi falho. Uma administração caótica do
problema ampliou o alcance do surto, transformando a doença em uma
pandemia com catastróficos reflexos mundiais. Uma intervenção inicial e
combinada teria sido crucial para evitar a propagação viral. Um fato que
marcará para sempre a imagem de Wuhan.
A
reconstrução da imagem chinesa, entretanto, precisa ir muito além
disso. A perseguição aos uigures ganhou espaço na mídia e precisa
cessar. Se Pequim deseja reconstruir sua imagem depois da covid-19,
deveria respeitar os direitos da minoria uigur, cessar a pressão sobre
Taiwan e as ameaças diplomáticas aos países que não desejam adotar seu
padrão de 5G da Huawei. Hoje já são mais de 50 nações.
Nesse
panorama surge o Brasil, que deve definir o caminho que vai seguir no
tocante ao 5G, com grandes chances de afastar-se da solução chinesa,
mesmo sofrendo risco de retaliação, como aconteceu com a Austrália
recentemente. Este, entretanto, é apenas um dos desafios que o Brasil
deve enfrentar. Em uma região que se movimentou para a esquerda no
espectro político com vitórias na Bolívia e na Argentina, o Brasil
adquire importância seminal no continente sul-americano, liderando um
caminho à direita que pode seguir pressionando a ditadura de Maduro na
Venezuela.
A
pandemia é certamente o maior desafio do mundo no ano que começa,
contudo questões relevantes seguem no radar, como as violações aos
direitos humanos em lugares como Coreia do Norte, China, Rússia e também
Venezuela. O Brexit continua sendo um desafio na Europa, ao mesmo tempo
em que o Brasil espera ver encaminhado o acordo entre Mercosul e União
Europeia. A liberdade de expressão sofre ataques em Hong Kong, Turquia e
China e a soberania de Taiwan é posta em xeque por Pequim.
O
xadrez político internacional recebe novos atores na medida em que se
reposiciona à espera dos próximos movimentos desse intrincado jogo.
Dessa soma de fatores deve surgir um novo equilíbrio de forças, com
esgotamento de soluções populistas e renascimento de um mundo
multipolar. 2021 promete. Até porque, convenhamos, 2020 realmente ficou
devendo.
Márcio
Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e
Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie de Brasília,
cientista político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan
Carlos (2007). Ex-diretor da Apex-Brasil. Diretor-executivo do
Interlegis no Senado Federal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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