*Por Acacio Miranda
Não são recentes as discussões acerca do “fim” do Exame de Ordem.
Inclusive,
o Supremo Tribunal Federal já foi instado a manifestar-se sobre a
constitucionalidade do tema, em algumas oportunidades, sendo a última em
2011, através do Recurso Extraordinário 603583, cujo objeto versava
sobre artigos da Lei 8.906/94.
Quando do
julgamento do referido recurso, os ministros decidiram, à unanimidade,
que a submissão à realização de uma prova onde são exigidos os
requisitos mínimos para o exercício de função essencial a administração
da justiça, e ao Estado Democrático do Direito, não fere os preceitos da
liberdade de profissão e o princípio da dignidade da pessoa humana.
Vale ressaltar os seguintes argumentos ministeriais:
- “O constituinte limitou as restrições de liberdade de ofício às exigências de qualificação profissional”;
-
“aferição da qualificação técnica necessária ao exercício da advocacia
em caráter preventivo, com vistas a evitar que a atuação do profissional
inepto cause prejuízo à sociedade”;
-
“Por essas razões, existe justificação plausível para a prévia
verificação da qualificação profissional do bacharel em direito para que
possa exercer a advocacia. Sobreleva no caso interesse coletivo
relevante na aferição da capacidade técnica do indivíduo que tenciona
ingressar no exercício profissional das atividades privativas do
advogado”;
- “O
provimento foi a fórmula encontrada para que a OAB pudesse, o tempo
todo, garantir a atualidade da forma de qualificação a ser exigida”.
A par dos
argumentos do Poder Judiciário, existem – e existiram – propostas
perante o Poder Legislativo, sendo a mais recente a PEC 108/2019.
O objeto
central da proposta em comento está relacionado às políticas econômicas
do Governo Federal, contudo, uma das suas previsões consagra a extinção
dos conselhos de classe, entre eles a da Ordem dos Advogados do Brasil.
Independentemente
dos aspectos relacionados aos demais conselhos, sobre cujas finalidades
não cabe a análise neste momento, em relação à OAB, a concretização da
proposta de emenda ensejaria, além da extinção do citado exame, o
enfraquecimento do seu papel institucional de órgão legitimado à
propositura das ações constitucionais, na forma do artigo 103, inciso
VII, da Constituição Federal.
E neste
ponto reside a retórica oportunista dos defensores do fim do “Exame” e
enfraquecimento da instituição: a retirada da entidade do rol de
legitimados ao combate pela constitucionalidade das normas e das
garantias constitucionais.
Entidade
de onde emanaram parte das barreiras jurídicas aptas à manutenção das
liberdades individuais atualmente aplicáveis, inclusive a liberdade de
expressão, da qual decorre o direito de manifestação de opinião, mesmo
aquela contraria ao pensamento da maioria.
A título
histórico, podem ser indicadas inúmeras conquistas após árduas batalhas
travadas pela “Ordem”: - combate aos eventuais excessos cometidos
durante o período de exceção política vigente entre as décadas de 1960 e
1980; - batalha encampada por Raymundo Faoro para a manutenção do
Habeas Corpus; - os diversos advogados que lutaram pela manutenção dos
direitos dos presos políticos (e que também fizeram, e ainda fazem, na
defesa dos responsáveis pela manutenção do regime); - durante todo o
processo de redemocratização no início da década de 80; - o caso dos
inúmeros advogados que foram escolhidos como representantes do povo na
Assembleia Nacional Constituinte (inclusive o Relator desta, o Senador
Bernardo Cabral); -na consolidação do artigo 5°, da Constituição
Federal, e das garantias do cidadão que deste decorrem; -além de
inúmeras hipóteses no pós-redemocratização, como o exemplo do pedido de
impeachment do ex-presidente Fernando Collor, entre outros.
Obviamente,
a luta por todas estas conquistas sempre representou um custo elevado à
instituição, e disso surgiram inúmeras críticas - fundadas e
infundadas-, além dos ataques pessoais aos seus membros e dirigentes (
como é o caso do atentando à vida sofrido por Seabra Fagundes enquanto
exercia a presidência do Conselho Federal da entidade, no final da
década de 70).
E esses
processos todos fizeram com que a instituição fosse alcançada a
plenitude de sua maturidade, onde a entidade prevalece em detrimento às
opiniões pessoais ou origens ideológicas dos seus membros e dirigentes,
porque hoje a OAB é, antes de tudo, pilar da democracia.
E como
dito acima: o fim do exame de ordem e, na hipótese mais grave, o próprio
fim da instituição, abre caminho para a queda da histórica última
barreira na luta conta os excessos por ventura cometidos pelos poderes
constituídos, e, até mesmo para os excessos cometidos por outros setores
da sociedade.
Isso
porque, aos advogados, enquanto pilares da manutenção da justiça, são
afetos os mecanismos do direito de defesa, e este é um direito absoluto,
um direito que não escolhe causas, um direito que não tem qualquer
preconceito, um direito que acolhe até os seus críticos contumazes, sem
qualquer preferência entre o esquerdo ou o direito.
O Direito de Defesa é de todos nós, e quem perde com o seu enfraquecimento não somos só nós, advogados.
Quem perde com o seu enfraquecimento somos todos nós brasileiros.
E mesmo
que neste momento reste a nós advogados o defendermos de força isolada,
em virtude dos ataques dos que não admitem o debate, nós o faremos,
porque a história já mostrou que “a advocacia não é uma profissão de covardes”.
Acacio Miranda da Silva Filho, especialista, professor a autor de Direito Constitucional, Eleitoral e Penal Internacional
Acacio Miranda da Silva Filho, especialista, professor a autor de Direito Constitucional, Eleitoral e Penal Internacional
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