MEDIÇÃO DE TERRA

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segunda-feira, 13 de abril de 2020

Incerteza é maior desafio da economia durante pandemia, avalia economista


Guilherme Dietze avalia que a incerteza de até quando vai durar a pandemia do coronavírus é a principal ameaça hoje para os empresários

Tribuna da Bahia, Salvador
13/04/2020 09:50 | Atualizado há 6 horas e 0 minutos
   
Foto: Divulgação

Por: Guilherme Reis - Editor de Política; Henrique Brinco - Repórter; Paulo Roberto Sampaio - Diretor de Redação

A incerteza de até quando vai durar a pandemia do coronavírus e, consequentemente, o isolamento social, é a principal ameaça hoje para os empresários. Essa é a avaliação do economista ligado à Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado da Bahia (Fecomercio), Guilherme Dietze. Em entrevista à Tribuna, o especialista afirma que não é possível no momento fazer projeções para o futuro porque as estimativas para o tempo de duração da crise ainda são difusas. "Quando o empresário pelo menos tem uma noção de um horizonte negativo, ele consegue montar sua estratégia. O problema é que o horizonte é incerto. Ele não sabe se serão três semanas de fechamento ou quatro meses. Então, a incerteza é o que cria toda a instabilidade, a cautela, a não fazer nenhum movimento. Por isso tanto as famílias, quanto os empresários, não estão fazendo nenhum movimento porque ninguém sabe qual será o período", avalia. Para ele, o ano de 2020 já está perdido economicamente e a economia só voltará a crescer a partir de 2022.
Dietze afirma que o esforço para reconstruir o país passará pelas medidas que serão implementadas pelo Governo Federal, como a desburocratização da economia, e também pelos passos adotados pelo empresariado, como a renegociação de dívidas. Ele lembra que, a Bahia, que já sofre com o desemprego e com a renda média baixa, terá um desafio redobrado durante a crise. Ele também avaliou as perdas acarretadas pelo cancelamento dos festejos juninos no Estado: “Fiz um cálculo do impacto no comércio varejista do estado e em setores que são mais ligados a oferta, como vestuário, roupas, calçados e acessórios. Na segunda quinzena de junho, a estimativa de perda é de R$ 275 milhões. Uma queda de renda de 23% em relação ao igual período de 2019. De fato, isso é um valor subestimado, porque estamos falando desse setor varejista. Mas tem todo o setor de serviços, principalmente ligado ao turismo, a pessoa que aluga um carro, faz reserva na pousada e vai comprar artesanato. Esse turista vai deixar de fazer a sua viagem e os moradores locais não poderão fazer suas compras para fazer toda a festa, decoração e estrutura. Então, todo impacto será na casa dos bilhões de reais”, disse.
Tribuna da Bahia - Qual é a sua percepção sobre a crise atual provocada pelo novo coronavírus?
Guilherme Dietze - É um momento de muita cautela, de muita preocupação, por conta das consequências. Primeiro porque é um evento sem precedentes. Muitos comparam com a Gripe Espanhola do século passado. Mas, assim, são conjunturas completamente diferentes em termos de comunicação e estrutura de sociedade. Não dá para fazer comparação. É um evento inédito. Os impactos são drásticos na economia porque paralisou completamente o sistema de produção mundial. Teve a restrição das indústrias, do comércio, dos serviços, do setor aéreo, do deslocamento e da conectividade. Isso vai ter um impacto imenso no PIB. O mais problemático de tudo não é nem o fato da crise. Quando o empresário pelo menos tem uma noção de um horizonte negativo, ele consegue montar sua estratégia. O problema é que o horizonte é incerto. Ele não sabe se serão três semanas de fechamento ou quatro meses. Então, a incerteza é o que cria toda a instabilidade, a cautela, a não fazer nenhum movimento. Por isso tanto as famílias, quanto os empresários, não estão fazendo nenhum movimento porque ninguém sabe qual será o período. Esse é o maior problema. Enquanto a gente não souber o quanto vai durar essa crise, será pior para o sistema produtivo porque todo mundo vai ficar cauteloso sem gastar, sem investir e sem fazer nada.
Tribuna - A gente está vendo lojas, bares e restaurantes fechados e apenas serviços essenciais estão abertos. Quais setores podem ser os mais atingidos?
Dietze - Pegando o exemplo dos serviços não essenciais da Bahia, afetados pelos decretos, eles faturam em média no mês de abril R$ 3,5 bilhões. Então, se a gente imaginar que todas essas lojas vão estar fechadas por decreto, estarão deixando de vender R$ 3,5 bilhões. O problema é que a gente não sabe se esse valor vai ser recuperado depois por uma retomada da economia. Boa parte disso é venda perdida sem recuperação. Os setores mais impactados serão esses de bens mais caros, com valor agregado mais alto, que é o setor de veículos, eletrodomésticos, eletrônicos e material de construção. Setores sensíveis ao crédito. Setor de vestuário, por exemplo, vai sofrer bastante, mas há possibilidade de vender em domicílio porque são valores mais baixos. A pessoa consegue comprar R$ 50 ou R$ 100. Então, a pessoa precisa de previsibilidade do seu emprego e da sua renda. Como agora o risco do desemprego aumentou rapidamente e os bancos estão segurando o crédito porque estão com medo da inadimplência, esse setor vai sofrer drasticamente. São setores de bem duráveis, que dependem muito do crédito.
Tribuna - Por outro lado, temos visto que alguns tipos de serviço podem se beneficiar com a crise, como a telemedicina, entretenimento online e ensino a distância. Você acredita nessa tese? Como avalia essa possibilidade?
Dietze - Sou meio cético. Apesar de concordar com essa análise, uma coisa é você ter a oportunidade no momento em que nenhum outro setor está sofrendo ou que há uma mudança de característica da sociedade - o exemplo mais claro é o Táxi e o Uber, já que as pessoas estão querendo outro tipo de serviço. A telemedicina, entrega por delivery serão beneficiados no primeiro momento. Só que toda a economia está sendo impactada. Você está isolado em um mar em que está todo mundo se afogando. Pode ser que uma hora a situação seja tão ruim, com deterioração da renda e do emprego, que não vai ter nem renda para poder consumir aplicativo de entrega. Então, não adianta um ou outro setor se beneficiar nesse momento. Se supermercados e farmácias estão se beneficiando agora, no futuro, se tiver uma queda na renda familiar, esses setores também serão afetados. Então, temos que analisar o todo nesse momento. Tem as oportunidades pontuais, que não quer dizer que serão constantes. Pode ser pontual de um ou dois meses, mas depois vai depender muito de como vai ser a economia. Quanto maior for o tempo de fechamento e reclusão, mais dano será para a economia. Por isso a gente espera que esse cenário seja revertido de uma forma mais rápida.
Tribuna - A gente está vendo de uma forma inédita o cancelamento de diversos festejos juninos na Bahia. Já tem alguma estimativa do impacto que isso vai gerar na economia do estado?
Dietze - Fiz um cálculo do impacto no comércio varejista do estado e em setores que são mais ligados a oferta, como vestuário, roupas, calçados e acessórios. Na segunda quinzena de junho, a estimativa de perda é de R$ 275 milhões. Uma queda de renda de 23% em relação ao igual período de 2019. De fato, isso é um valor subestimado, porque estamos falando desse setor varejista. Mas tem todo o setor de serviços, principalmente ligado ao turismo, a pessoa que aluga um carro, faz reserva na pousada e vai comprar artesanato. Esse turista vai deixar de fazer a sua viagem e os moradores locais não poderão fazer suas compras para fazer toda a festa, decoração e estrutura. Então, todo impacto será na casa dos bilhões de reais. E não há como recompor isso, porque será um evento pontual. Mesmo postergando, você vai ter uma perda muito grande. Principalmente para cidades pequenas do interior, que vivem mais intensamente a festa. Se você pega o contexto geral do Estado, as vendas de junho e julho são relativamente fracas em relação ao Natal, Dia das Mães e Black Friday. Mais, se você pega o contexto regional de cidades pequenas, tem uma participação muito grande. Então, vai ser uma perda muito grande nas cidades da Bahia e do Nordeste que vivem o São João - que dizem que é o segundo Réveillon.
Tribuna - A gente está vivendo com a possibilidade de recessão após se recuperar de uma anterior. Em quanto tempo a economia irá se recuperar?
Dietze - Em termos técnicos, a gente fala de recessão com alguns trimestres negativos. A gente vai ter esse segundo trimestre bastante negativo, o terceiro também, mas a gente espera que no final do ano o PIB já comece a voltar ao positivo. Mas voltar ao que a gente estava no ano passado vai demorar pelo menos uns dois anos. Está havendo no país uma deterioração das finanças públicas e isso é muito significativo. O déficit que o Brasil teve agora em um mês foi todo o déficit do ano passado, de R$ 95 bilhões. Quando você não tem a estrutura de contas nacionais estruturadas, você não tem a capacidade de atrair investimentos, porque tem sempre o risco de a economia quebrar, aumento da inflação e de juros. Então vai ser necessário que o governo federal alinhe medidas para buscar mais economia de recursos, dar capacidade do setor privado investir mais, porque a capacidade do setor público estará muito restrita. Já era restrita e agora vai ficar muito mais. Estão falando no em um déficit nesse ano de R$ 800 bilhões. Isso é muito drástico. Vai ser difícil para a recuperação, o baque foi muito grande. Esse ano já era para a economia. Vamos ter uma queda de PIB próxima a 1%. Ano que vem começamos a recuperar, mas para 2022 ter uma aceleração do crescimento.
Tribuna -  Existem medidas que o governo e os empresários podem tomar para amenizar os danos  economia?
Dietze - O que cabe ao governo é desburocratizar o dia a dia do empresário. Oferecer uma linha de crédito com condições especiais, com juros baixos e prazos de pagamentos mais alongados para as empresas conseguirem sobreviver a esse momento. O governo federal, com a medida provisória 927 e 936, para haver uma flexibilização na negociação entre empregado e empregador foi positiva nesse aspecto. Como os empresários não estão faturando nesse momento, é necessária a postergação de impostos. E as empresas, além dessas medidas, também têm que fazer o dever de casa reduzindo ao máximo os custos, renegociar o aluguel, os empréstimos e o prazo de pagamento aos fornecedores. E, ao mesmo tempo, tentar vender ao máximo de uma forma alternativa - e não ficar apenas reclamando do cenário. Buscar que haja, por exemplo, canais digitais. Vender pelo Instagram, Facebook e WhatsApp produtos que consigam ser entregues para as pessoas. São formas de reduzir custos para tentar obter a receita, que vai ser fundamental agora para o fluxo de caixa do empresário e pagar as contas do dia a dia e se manter no momento.
Tribuna - Os programas sociais que o governo anunciou para ajudar o microempreendedor, o trabalhador informal e de baixa renda vão ter impacto na grande economia?
Dietze - Acho extremamente importante. A proteção social é extremamente necessária. O valor a gente sempre pensa que poderia ser maior, mas como as lojas estão fechadas, esses valores vão para os bens básicos de consumo - como supermercados e medicamentos - para poder sobreviver a família. Para comprar o gás, conseguir pagar a conta de luz, de água... Para ter uma sobrevivência. Isso é essencial para os mais vulneráveis e não colocá-los em uma linha de extrema pobreza.
Tribuna - A gente observa um conflito ideológico entre o presidente, que defende a flexibilização do isolamento social e, por outro lado, governadores e prefeitos que são mais resistentes a isso. Qual o seu posicionamento em relação a essas medidas que estão sendo adotadas?
Dietze - Do ponto de vista econômico, é drástico o fechamento, porque envolvem muitos empregos, investimento e a vida das pessoas. Agora, devemos entender que a preservação da saúde é mais importante. A grande questão é: qual o equilíbrio entre os dois pontos? Ninguém conseguiu achar ainda. Não há uma posição clara entre o fechamento e abertura. Há um posicionamento de 'vamos respeitar o isolamento por conta da recomendação do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais'. Mas acho que podemos encontrar um caminho de testar as pessoas, fazendo os exames e detectar quem está e quem não está com coronavírus. Com isso, você consegue monitorar regiões que estejam menos influenciadas. Tem cidades que não tem nenhum infectado e está totalmente fechada. Isso é justo? Acho que nesse momento, não. Em São Paulo, onde tem a concentração, o isolamento é 'ok' nesse momento. Vai depender dos testes para poder monitorar. Você consegue, diante do nível de contaminação, poder flexibilizar a abertura ou não. Se tem pouca gente impactada, vamos manter as pessoas de risco, com 60 anos. Esses continuam em casa. A restrição pode abrir em horários alternativos para que não haja concentração do transporte público. Tem que fazer teste para a gente conseguir achar esse equilíbrio de maneira mais rápida.
Tribuna - Muitas empresas já estão pedindo isenção de impostos. Os governos têm condições de fazer isso e não ficar sem dinheiro para investir na saúde?
Dietze - Acho que, para isso, todos os governadores, prefeitos e até o governo federal não podem demorar. O dano financeiro dos estados e municípios serão gigantescos. A maioria dos estados estão quebrados e as prefeituras também. Isentar imposto seria um caso inadequado. Poderia ser postergado o imposto. Acho que é um momento difícil do estado. Mas, assim, é inevitável que haja uma medida de flexibilização dos impostos para poder contribuir com os empresários e a população em geral.
Tribuna - Qual seria o papel que os bancos poderiam desempenhar nesse momento? Vimos recentemente declarações tanto do governador Rui Costa, como também do prefeito ACM Neto, criticando os bancos e os juros.
Dietze - Acho que a gente tem que separar. A grande complexidade do Brasil é que o sistema financeiro é concentrado em cinco grandes bancos, sendo que dois públicos e três privados. Nos bancos públicos, quem está na linha de frente para minimizar os impactos é a Caixa Econômica Federal. Nos bancos privados, não tem como o estado imputar as regras, mas seria extremamente adequada a redução de juros e aumento do prazo de pagamento para as empresas. Não vemos isso. Vemos aumento dos juros e redução do prazo de pagamento. Seria o inverso. Durante muito tempo, o risco da inadimplência foi superestimado. Então, agora cabe aos bancos também, que cobraram mais por um risco que não estava do tamanho esperado, fornecer mais crédito por conta do ganho passado.  Além disso, tem a questão de garantias. Eles sabem da dificuldade que as empresas irão passar, com risco total de inadimplência. É difícil falar para os bancos emprestar com risco de inadimplência elevado. Então, acho que agora não cabe a gente só jogar a culpa para o sistema financeiro. O governo federal, através do Tesouro Nacional, vai ter que entrar com algum percentual de garantia para esses empréstimos. Eles sabem que, se começarem a emprestar demais, vai ser perdido. Não há uma linha simples. Porque são empresas privadas, que dependem dos seus rendimentos, mas são empresas que lucraram bastante e que poderiam fazer um esforço maior de redução de juros e maior financiamento.

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