Obras estatais, que já são ruins em épocas de prosperidade, devem ser
evitadas ainda mais em épocas de recessão econômica. Artigo de Gustavo
Guimarães para a Instituto Mises:
Há aquela famosa estória apócrifa de um engenheiro que, em visita à
China, deparou-se com uma enorme equipe de operários construindo uma
barragem com pás e enxadas.
Quando o engenheiro disse ao supervisor da obra que todo o trabalho
poderia ser completado em poucos dias — em vez de em vários meses — caso
os trabalhadores utilizassem escavadeiras motorizadas, o supervisor
disse que não podia fazer isso, pois tal equipamento iria destruir
vários empregos.
"Ah", respondeu o engenheiro, "pensei que você estava interessado em
construir uma barragem. Se o seu objetivo é apenas criar empregos, então
por que você não coloca seus homens para trabalhar com colheres em vez
de enxadas?".
A falsa ilusão do emprego
Em épocas de recessão econômica e desemprego alto, sempre ressurge a
ideia de que a solução mágica e extremamente benéfica é colocar o estado
para fazer um amplo programa de obras públicas. Tal ato cumpriria a
proverbial (e politicamente incorreta) promessa de matar três coelhos
com uma só cajadada: geraria empregos, reativaria a economia e ainda
melhoraria a infraestrutura do país.
Em primeiro lugar, é factualmente errada a percepção de que
investimentos em infraestrutura geram mais empregos e, consequentemente,
devem ser priorizados. A realidade é que todo investimento gera
emprego. Ademais, as micro e pequenas empresas são responsáveis
respondem por 80% dos postos de trabalho.
Em segundo lugar, ainda em termos de emprego, mais do que os postos
de trabalho temporários durante uma obra, o que importa é a continuidade
de geração de vagas ao longo do tempo. E isso não é resolvido por um
programa estatal de obras públicas.
Mas isso ainda é o de menos. As consequências econômicas de um programa estatal de obras públicas é que são o real problema.
Investimentos em obras públicas são uma categoria — mas não deveriam ser
Na economia real, empreendedores incorrem em projetos que irão
propiciar o melhor retorno. Essa busca por projetos que trazem maior
retorno é balizada pelo sistema de preços livres. Os preços indicam as
necessidades mais urgentes do consumidor.
Por meio dos sinais de preços, o consumidor instrui os empreendedores
a fabricar o que mais precisa e deseja. E o sistema de lucros e
prejuízos irá informar se a decisão do empreendedor foi acertada ou não,
e se ele soube atender bem às demandas dos consumidores.
Os sinais de preços emitidos pelo mercado, portanto, comandam as
decisões dos empreendedores. E o sistema de lucros e prejuízos mostra
como os recursos escassos estão sendo empregados. Se corretamente, os
consumidores recompensam os empreendedores propiciando-lhes grandes
lucros; se erroneamente, os consumidores punem impondo-lhes prejuízos.
Este raciocínio vale para todas as áreas da economia, inclusive
infraestrutura. Sempre há demandas por obras que irão reduzir custos de
logística e de energia, e tornar as empresas brasileiras mais
competitivas no mundo. Tais investimentos tenderão a gerar riqueza e
empregos continuamente. E sempre há sinais de preço demandando tais
investimentos.
O problema, no entanto, é que a infraestrutura é um monopólio
estatal. E aí tudo fica desvirtuado. O elo entre demanda e oferta fica
quebrado. Não há liberdade de entrada neste setor.
Empreendedores não podem livremente construir estradas, pontes, portos,
aeroportos, hidrelétricas, redes de saneamento etc. sem antes
conseguirem a autorização do estado — sendo que tal autorização, como
sabemos, está repleta de favores políticos, conchavos e propinas.
Ainda assim, quando o estado segue as demandas dos consumidores e
permite que empresas façam obras, há uma redução desta disfunção, e a
genuína demanda passa a ser atendida, ainda que insatisfatoriamente e
com menos eficiência do que haveria em um mercado livre.
Porém, a partir do momento em que uma decisão de investimento ocorre
exclusivamente em decorrência do dirigismo estatal, com políticos e
burocratas em busca de uma métrica de empregos ou de um impulso artificial ao PIB, a chance é que tudo se afunde em um buraco keynesiano.
A ponte para o passado
Se um programa estatal de obras públicas sempre conta com entusiastas
em épocas de normalidade econômica, em épocas de recessão os apoiadores
tornam-se quase unânimes (as várias correntes ideológicas parecem se
abraçar).
Mesmo alguns economistas ortodoxos que tendem a levar mais a sério a
questão do equilíbrio orçamentário e da necessidade de se conter os
gastos do governo mudam de roupagem e, do nada, passam a afirmar que
gastos em obras públicas representam um tipo de gasto do governo que
traz retornos positivos e aumenta o bem-estar de todos na sociedade —
além de gerar empregos.
Será?
Vejamos.
Suponha que o governo decide construir uma ponte faraônica (tipo a Rio-Niterói) orçada em $ 10 bilhões.
A afirmação de que toda a sociedade ganhará com isso é verdadeira ou falsa?
É indiscutível que a ponte será ótima para aquela pequena fatia da
população que irá utilizá-la diariamente. A questão é: e quanto ao
restante da população? Quais serão as consequências da construção desta
ponte para quem não a utiliza?
Em primeiro lugar, a construção da ponte será paga ou com impostos ou com endividamento.
Se com impostos, as pessoas e empresas que pagaram esses impostos
ficarão sem esse dinheiro e, logo, não poderão despendê-lo em coisas que
voluntariamente considerem mais necessárias. Consequentemente, os
empreendimentos que receberiam esse dinheiro ficam agora sem receita.
Se com endividamento do governo, as pessoas e empresas que poderiam
ter pegado esse dinheiro emprestado para fazer investimentos produtivos
ficarão agora sem acesso a ele.
Em ambos os casos, os empreendimentos que agora não mais receberão
este dinheiro — que foi desviado para a construção da ponte — começarão a
demitir. Ou então não mais se expandirão.
Portanto, para cada emprego público criado pelo projeto da ponte, foi destruído, em algum lugar, um emprego no setor privado.
Podemos ver os operários empregados na construção da ponte. Podemos
vê-los trabalhando. Esta imagem real faz com que o argumento do governo —
seu investimento gerou empregos — se torne vívido, tangível e
convincente para a maioria das pessoas. Há, no entanto, outras coisas
que não vemos porque, infelizmente, não se permitiu que surgissem. São
os empregos destruídos pelos $ 10 bilhões tirados dos contribuintes ou
do mercado de crédito.
Mas tudo piora.
Vivemos em um mundo de recursos escassos. Aquilo que é utilizado em
um setor foi necessariamente retirado de outro setor. Se os gastos do
governo concentraram recursos em um setor, então outros setores ficaram
sem estes mesmos recursos.
Se o governo está construindo uma ponte, ele irá consumir grandes
quantidades de aço, cimento, vergalhões e argamassa. Isso significa que
todo o resto do setor da construção civil e todas as demais indústrias
do país terão agora de pagar mais caro para conseguir a mesma quantidade
de minério, aço, cimento, vergalhões, argamassa, retroescavadeiras,
tratores, cobre, níquel, alumínio etc. Os preços desses itens irão subir
e, como consequência, todos os bens que utilizam esses itens em sua
construção — como imóveis e carros — ficarão mais caros.
Quando o governo gasta, ele está consumindo bens que, de outra forma,
seriam utilizados pela população ou mesmo por empreendedores para fins
mais úteis e mais produtivos. Por isso, todo o gasto do governo gera um
exaurimento de recursos. Bens que foram poupados para serem consumidos
no futuro acabam sendo apropriados pelo governo, que os utilizará sempre
de forma mais irracional que o mercado, que sempre se preocupa com o
sistema de lucros e prejuízos.
Portanto, os gastos do governo exaurem a poupança (por ''poupança'',
entenda-se ''bens que não foram consumidos no presente para serem
utilizados em atividades futuras'').
Os gastos do governo não possuem o poder milagroso de criar riqueza
para todos. Sempre há os que ganham e sempre há os que perdem.
Impossível todos ganharem.
Na melhor das hipóteses, tudo o que aconteceu foi uma transferência
de empregos por causa de um projeto. Mais operários para a construção da
ponte; menos operários para a indústria automobilística, menos
empregados para fábricas de artigos de vestuário e para a agropecuária.
Os cariocas e niteroienses usuários da ponte se deram bem e foram os reais ganhadores. O resto do país perdeu.
Por fim, caso a obra tenha sido financiada via empréstimos contraídos
pelo governo, tais empréstimos terão de ser quitados. E quem fará isso
serão os pagadores de impostos de todo o país. Dado que o governo não
gera riqueza, ele só poderá quitar seus empréstimos por meio de impostos
confiscados da sociedade.
Como então é possível dizer que houve um enriquecimento de toda a sociedade?
Possíveis objeções
Frente ao exposto acima, é inevitável que alguém retruque dizendo algo nestas linhas:
"Mas se o setor privado fizer esta ponte, ele também irá
inevitavelmente consumir grandes quantidades desses materiais. Assim, o
preço também irá subir! Logo, dá tudo no mesmo."
Não, não dá tudo no mesmo.
1) Se a obra é estatal — isto é, se ela é feita de acordo com
critérios políticos —, então não há como saber que ela está sendo
genuinamente demandada pelos consumidores. Não há como saber se ela
realmente é sensata ou não, se ela é racional ou não. (Vide os estádios
da Copa na região Norte do país).
O que vai predominar serão os interesses dos políticos e de seus
amigos empreiteiros, ambos utilizando dinheiro de impostos. Não haverá
nenhuma preocupação com os custos.
2) Se a obra é estatal, haverá superfaturamento. (Creio que, para
quem vive no Brasil das últimas décadas, isso não necessariamente é uma
conclusão espantosa). Havendo superfaturamento, os preços desses insumos
serão artificialmente inflacionados, prejudicando todos os outros
consumidores. Os preços, portanto, subirão muito mais ao redor do país
do que subiriam caso o investimento fosse totalmente privado e voltado
para atender a uma demanda dos consumidores.
3) Por outro lado, se é o setor privado — e não o estado — quem
voluntariamente está fazendo a obra, então é porque ele notou que há uma
demanda pelo projeto. Ele notou que há expectativa de retorno. (Se não
houvesse, não haveria obras). Consequentemente, os preços dos insumos
serão negociados aos menores valores possíveis. Caso contrário — ou
seja, caso houvesse superfaturamento —, a obra se tornaria deficitária, e
seria muito mais difícil a empresa auferir algum lucro.
Isso, e apenas isso, já mostra por que os efeitos sobre os preços dos
insumos são muito piores quando a obra é estatal. Tudo é bancado pelos
impostos; não há necessidade de retorno financeiro para quem faz a obra
(o governo e suas empreiteiras aliadas); não há a famosa accountability,
ou seja, a responsabilização e a prestação de contas (mais
especificamente, o respeito a balancete).
Os retornos são garantidos pelos impostos da população.
4) Em uma obra feita voluntariamente pela iniciativa privada, nada é
bancado pelos impostos; a necessidade de retorno financeiro pressiona
para baixo os custos; há accountability; os impostos da população não
são usados para nada.
Dentre esses dois arranjos, é o estatal que pressiona para cima os
preços dos insumos, prejudicando todos os demais empreendedores do país.
Para concluir
E é por tudo isso que obras estatais, que já são ruins em épocas de
prosperidade, devem ser evitadas ainda mais em épocas de recessão
econômica.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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