Artigo do professor Ricardo Vélez-Rodriguez, publicado em seu blog e, em capítulos, no Instituto Liberal:
A atual pandemia obrigou-nos a mudarmos o ritmo de vida. Aproveitei o
ensejo para escrever e pôr em dia antigos trabalhos iniciados, mas que,
pela correria do dia a dia, deixei inconclusos. A crise pandêmica
obrigou todos os países, e o Brasil não é exceção, a reformularem as
suas políticas internas, como se estivéssemos numa guerra. E, como em
crises anteriores, e faço referência específica à crise econômica de
1929, obrigou-nos a pensar o papel do Estado e das nossas instituições.
Não há dúvida de que o Estado é a instância social com que contamos
para fazermos frente ao repto que se nos apresenta. Da sua eficiência
dependem as políticas públicas, na área da saúde, para conseguirmos dar
um passo à frente, sem comprometermos a sobrevivência da nossa
sociedade. Lembro que, logo após a primeira Guerra Mundial, lorde John
Maynard Keynes (1883-1946) escreveu, quando regressou de participar,
como representante do Tesouro Britânico, da Conferência de Paz de
Versalhes, um livrinho instigante: As consequências econômicas da paz
(1919), em que colocava que, após o conflito mundial, o mundo não seria
mais o mesmo, em termos de modelo econômico. Sendo professor de Economia
em Cambridge, fundou, para os seus alunos debaterem com ele as novas
condições mundiais, o “Clube de Economia Política”, em que destacava a
necessidade de pensar as políticas econômicas, à luz dos novos
acontecimentos, que deitaram por terra a credibilidade da economia
alicerçada no singelo laissez fairismo de fins do século XIX. Estava
plantada a semente da magna obra que possibilitaria, ao Capitalismo,
superar as crises cíclicas e enveredar por um novo caminho, que abriria
as portas para a reconstrução da Europa, após a Segunda Guerra Mundial,
cujos começos se situam no clima de crise das instituições que afetou ao
mundo após a Primeira Guerra. Faço referência específica à obra de
Keynes, intitulada: Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro
(1936). Era necessário restabelecer o equilíbrio da economia e, para
isso, tornava-se necessária a intervenção temporária do Estado, a fim de
garantir o pleno emprego e evitar a falência generalizada, como a
ocorrida em 29.
Algo semelhante estamos a enfrentar, ao ensejo da pandemia que nos
assola. É necessária uma “economia de guerra”, em que o Estado invista
fortemente nos meios para controlar a doença universal. Mas, como nos
tempos de Keynes, trata-se de uma intervenção passageira. Não podemos
desengarrafar o gênio do intervencionismo, para, depois, deixarmos o
estatismo flutuando irresponsavelmente no ar. São necessárias medidas
para que a sociedade retome a sua iniciativa e parta para controlar o
velho estatismo, uma vez solucionadas as questões emergenciais na área
da saúde. A minha hipótese é que, só à sombra do debate inspirado pelas
ideias liberais, será possível colocarmos, novamente, a casa em ordem.
Lembremos que o gênio do intervencionismo estatal foi desengarrafado, de
forma irresponsável, num contexto de cientificismo gramsciano, pelo PT,
ao longo dos quase quinze anos de mandatos petistas, que deram ao
traste com a saúde da economia do país. O esforço hodierno, portanto,
deve ser redobrado, não somente para esconjurar o militante
intervencionismo petista, como, também, para corrigir os excessos do
intervencionismo “de guerra”, que a pandemia nos obrigou a colocar em
funcionamento.
Neste artigo serão desenvolvidos os seguintes itens: I - A pesada
herança do ciclo lulo-petista e o repto do estudo do Liberalismo. II –
Núcleos atuais para o estudo do Liberalismo no Brasil. III - Entrevista à
Revista do Clube Militar do Rio de Janeiro, publicada em agosto de
2016, com o seguinte título: “Sociedade brasileira e Patrimonialismo: as
janelas para a democratização brasileira”.
I - A pesada herança do ciclo lulo-petista e o repto do estudo do Liberalismo.
O Brasil, após 13 anos de lulopetismo no poder, poderia ter afundado
no socialismo bolivariano. Isso, certamente, se Lula e os seus
seguidores pautassem, eles sozinhos, os rumos da sociedade. Os
lulopetistas ocuparam setores essenciais do Estado, numa ação
progressiva que se desenvolveu ao longo das três últimas décadas. O
aparelhamento petista da máquina pública começou antes da eleição de
Lula, mediante a ocupação de cargos de chefia nos ministérios, nas
universidades, nas redes oficiais de ensino básico e fundamental, nos
Municípios e nos Estados, nas empresas estatais e nos sindicatos.
Até a Igreja Católica abriu as portas à militância petista, ao
aderirem, não poucos bispos e padres, à teologia da libertação, tendo
passado a fazer dos templos lugar de reunião e fortalecimento dos
sindicatos. Nisso os petistas foram muito disciplinados, como no fato de
pagarem, religiosamente, o dízimo ao Partido, uma vez empossados em
funções burocráticas. Mas eles estão longe, muito longe, de fazer com
que o Brasil, como um todo, aceite esse modelito defasado, afinado com o
que de mais atrasado há no mundo da política e consolidado, no nosso
país, ao ensejo da pérfida colaboração entre militância lulopetista,
políticos tradicionais corruptos e empresários cooptados pelo PT.
Como frisava o mestre Antônio Paim, no seu livrinho intitulado: Para
entender o PT , o Partido dos Trabalhadores é a maior manifestação do
espírito patrimonialista na cultura brasileira. Nos seus quase quinze
anos de mandato, o Partido tratou o Brasil como propriedade privada dos
donos da legenda, Lula, Dilma e amigos. Eles, simplesmente, cuidaram
para que o Estado fosse o seu instrumento de privatização do espaço
público, em benefício da sigla partidária, com exclusão dos que se
opusessem. Foi uma ação sistemática de ocupação e de aparelhamento,
tendo utilizado a filosofia gramsciana, como alicerce doutrinário, para a
empreitada. O PT não teve dúvidas em utilizar todas as táticas de
intimidação, desde o patrulhamento e a calúnia, até a eliminação dos
militantes que ousassem se desviar dos interesses dos chefões. Os
assassinatos de Celso Daniel (1951-2002) e de Antônio da Costa Santos
(1952-2001), Toninho do PT, são prova disso. Esses atos de terrorismo
lembram as conhecidas “purgas” com que os comunistas castigavam
dissidentes, no reinado de Lenine e Stalin, na Rússia bolchevique, ou a
eliminação de críticos e oposicionistas, na China de Mao.
No trabalho de marxistização no ensino básico, fundamental e
secundário, foi de grande valia a ajuda de pedagogos socialistas, como
Paulo Freire (1921-1997). Ele, de fato, embora tivesse recebido a
influência dos teóricos da Escola Nova e da filosofia personalista de
Emmanuel Mounier (1905-1950), terminou se afinando com o ideal do
marxismo cultural na América Latina e com a tentativa de implantar esse
modelo no Brasil, com a ajuda da doutrinação de pedagogos e alunos.
Nos anos setentas, em Paris, Paulo Freire dirigia o Instituto
Ecumênico para o Desenvolvimento dos Povos (Institut Oecumenique pour le
Développement des Peuples – INODEP), uma fundação que acolhia
militantes de organizações guerrilheiras latino-americanas, com a
finalidade de intercambiar experiências no combate ao capitalismo, com
financiamento do Conselho Mundial de Igrejas. Eu próprio, militante de
esquerda, em 1972, recebi bolsa para passar um ano em Paris, no
mencionado Instituto. Terminei renunciando à bolsa, sendo que a minha
esposa de então fez o mesmo, para proteger dois conhecidos tupamaros que
fugiam, na Colômbia, da repressão desatada pelo governo de Jorge
Pacheco Areco (1920-1998) no Uruguai. Eles passaram um ano na França,
como alunos do Instituto dirigido por Paulo Freire. O mencionado
pedagogo acreditava no valor da luta armada para implantar o socialismo.
A sua “pedagogia libertadora” não era, apenas, pedagogia. Era
doutrinação, com abertura para a luta guerrilheira.
Contra a tentativa hegemônica petista e reagindo, também, contra a
farta divulgação do pensamento marxista no sistema de ensino, incluindo
aí as universidades, começaram a aparecer, ao longo dos últimos vinte
anos, organizações de jovens que buscavam ares menos contaminados. É
particularmente visível, no meio universitário, essa reação. Embora o
grosso do professorado esteja constituído por docentes afinados com o
pensamento de esquerda, os jovens buscam alternativas ideológicas, se
destacando, entre elas, o pensamento liberal. Na Universidade Federal de
Juiz de Fora, onde lecionei até maio de 2013, notei isso. Para
responder a essa preocupação da nova geração, criei, ali, vários espaços
em que o pensamento liberal tinha lugar importante. Menciono-os: o
Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, que
coordenei até final de 2018; o Núcleo de Estudos Ibéricos e
Ibero-americanos; o Núcleo de Estudos sobre o pensamento de Madame de
Staël e o Liberalismo Doutrinário; o Núcleo Tocqueville-Aron para o
estudo das Democracias Contemporâneas. Ao redor de todos esses pequenos
centros de pensamento e pesquisa, reuniram-se alunos da UFJF e de outras
Universidades e centros de estudo do Brasil.
Dessas iniciativas surgiram várias realizações acadêmicas, sendo a
primeira o Portal Defesa (www.ecsbdefesa.com.br) sob a direção do
professor Expedito Bastos, que divulgava as análises desenvolvidas pelos
membros do Centro de Pesquisas Estratégicas. A segunda realização foi
concretizada nas revistas eletrônicas Ibérica (www.estudosibericos.com) e
Cogitationes (www.cogitationes.org), ambas coordenadas por dois alunos
do Curso de Filosofia da UFJF, Alexandre Ferreira de Souza e Marco
Antônio Barroso. Essas publicações arejaram o ambiente rarefeito da
cultura universitária, discutindo propostas liberais e
liberais-conservadoras, bem como analisando temas relativos à história
da cultura ocidental. Pena que o Portal Defesa, ao ensejo da
aposentadoria do seu diretor, o professor Expedito Bastos, foi fechado
pela direção da Universidade Federal de Juiz de Fora, em dezembro de
2019, após 14 anos de funcionamento. O espírito de abertura a todas as
correntes de pensamento e o compromisso com o estudo diuturno das
necessidades estratégicas do Brasil, incomodaram à direção da mencionada
Universidade.
Particular impacto causaram-me os Encontros de Estudantes de Relações
Internacionais. Participei de dois desses eventos, o realizado em
Ribeirão Preto, São Paulo, em 2009 (quando apresentei uma análise do
fenômeno do neopopulismo na América Latina) e o promovido pelo Curso de
Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande
do Sul, e que teve lugar de 19 a 22 de Setembro de 2013, quando proferi
palestra com o título: “Tocqueville e a agitação das ruas”. Em ambos os
eventos, o primeiro de caráter nacional (com mais de dois mil
participantes) e o segundo de alcance regional (com 400 participantes),
fiquei impressionado com o interesse dos alunos pelos temas relacionados
com a filosofia liberal. Percebo que os estudantes dos cursos de
Relações Internacionais (que já passam da centena, cobrindo o Brasil de
sul a norte) são, especialmente, sensíveis ao atraso representado pelo
nosso Estado patrimonial, tacanhamente confinado nos limites ideológicos
de uma geopolítica de esquerda e afinado, na era lulopetista, com o
chavismo bolivariano.
Duas tarefas inadiáveis vejo, como necessárias, para que frutifique o
trabalho destes grupos de jovens liberais: em primeiro lugar,
aprofundar no conhecimento sistemático dos clássicos do liberalismo,
tanto dos iniciadores dessa corrente na Europa (Locke, Kant,
Montesquieu, Tocqueville, Benjamin Constant, Madame de Staël e os
Doutrinários franceses, etc.), quanto dos liberais americanos, os
chamados Patriarcas fundadores das instituições republicanas nos Estados
Unidos. O estudo dos clássicos deve, evidentemente, abranger, também,
os pensadores da Escola Austríaca e as suas fontes ibéricas, que se
remontam às teses da soberania popular, especialmente no pensamento do
maior filósofo espanhol do século XVII, o padre Francisco Suárez
(1548-1617), cuja obra: De legibus ac de Deo legislatore (= Sobre as
leis e Deus legislador) (1613) deveria ser traduzida e publicada no
Brasil.
No caso dessa corrente, deveriam ser estudados os textos dos
fundadores do Instituto Liberal, Og Leme (1922-2004) e Donald Stewart
Jr. (1931-1999), os ensaios de Roberto Fendt (1944), ex-presidente do
Instituto, a obra do mais importante historiador das ideias econômicas
da Escola Austríaca entre nós, Ubiratan Jorge Iorio (1946), os escritos
do jovem economista Rodrigo Constantino (1976), e as fundamentadas
análises feitas por dois scholars, professores da UFRJ, no terreno
daquilo que convencionou-se em chamar de “modéstia epistemológica” do
Liberalismo: Alberto Oliva (1950) e Mário Guerreiro (1944).
Esse esforço teórico teria de se alargar, no âmbito ibérico e
ibero-americano, ao estudo dos pensadores que se debruçaram sobre as
fontes liberais, projetando-as sobre a nossa realidade. Ressalta, aqui, a
figura de José Ortega y Gasset (1883-1955), na Espanha, e a de Fidelino
de Figueiredo (1888-1967), em Portugal. No caso latino-americano,
sobressaem nomes como os de Antonio Caso (1883-1946) e Daniel Cossío
Villegas (1898-1976), no México. Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888),
na Argentina. José Maria Samper (1828-1888), Rafael Núñez (1825-1894),
Carlos Lleras Restrepo (1908-1994) e Otto Morales Benítez (1920-2015),
na Colômbia, e o prêmio Nobel peruano Mario Vargas Llosa (1936).
No caso brasileiro, deveriam ser estudados Silvestre Pinheiro
Ferreira (1769-1846), José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838),
Hipólito José da Costa (1774-1823), Paulino Soares de Sousa (1807-1866),
Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875), Rui Barbosa (1849-1923),
Tobias Barreto (1839-1889), Joaquim Francisco de Assis Brasil
(1857-1938), Gaspar da Silveira Martins (1835-1901) e, na realidade
atual, Miguel Reale (1910-2006), Antônio Paim (1927), Roque Spencer
Maciel de Barros (1927-1999), José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017),
José Guilherme Merquior (1941-1991), Ubiratan Borges de Macedo
(1937-2007) e Vicente de Paulo Barreto (1939), para citar, apenas,
autores pioneiros.
Uma segunda linha de trabalho deveria ser abarcada pelos jovens
liberais: projetar, sobre a realidade brasileira contemporânea, as luzes
da luta em prol da liberdade, defendida, com denodo, pelos clássicos do
pensamento filosófico e político que acabo de mencionar, a fim de
enxergar soluções para os grandes problemas que afetam às nossas
instituições republicanas. Sílvio Romero (1851-1914), o fundador da
sociologia brasileira, afirmava que, em matéria de pensamento social e
político, não há monocausalismos. A reflexão que proponho sobre a
realidade brasileira deveria ser efetivada, portanto, de maneira
monográfica, abarcando os três grandes aspectos que se entrecruzam na
sociedade: o cultural, o político e o econômico. Cada um desses aspectos
é essencial e não pode se sobrepor aos outros. Surgirá dessa reflexão,
com certeza, uma agenda liberal para ser implementada na luta
político-partidária, sem a qual não se consegue pôr em prática os nossos
ideais, para termos uma sociedade com instituições que defendam a
liberdade e não a ameacem, como acontece atualmente.
Os estudos sobre as fontes do Liberalismo e a sua expressão, no
Brasil, deveriam ser complementados com a análise diuturna da história
da nossa formação social, à luz dos postulados da Escola Culturalista
presentes na corrente do Culturalismo Sociológico. Quanto aos acervos
onde se podem encontrar as obras dos clássicos brasileiros, recomendo,
aos jovens estudiosos, o Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro
(www.cdpb.org.br), organizado em Salvador, na Bahia, pelo professor
Antônio Paim. Esse acervo encontra-se na Universidade Católica de
Salvador, sob os cuidados da presidente do Centro, a professora Dinorah
d´Araújo Berbert de Castro (1933). Recomendo, igualmente, o acervo
digital do Instituto de Humanidades, para aqueles que buscam se
familiarizar com as fontes do liberalismo clássico
(www.institutodehumanidades.com.br).
II – Núcleos atuais para o estudo do Liberalismo no Brasil.
Considero que, na atualidade, os lugares mais destacados para
fomentar os estudos do liberalismo, por parte das novas gerações, são as
seguintes Instituições:
1 – Instituto de Humanidades, que funciona em São Paulo, sendo
o seu Diretor Executivo o advogado Arsênio Eduardo Correia, estudioso
das questões sociais na Primeira República, bem como da implantação, nos
anos 80, da denominada “Nova República”. Pertencem ao Instituto, como
Presidente, o professor Antônio Paim e, morando em Londrina, eu próprio.
O saudoso professor Leonardo Prota (1930-2016), um dos fundadores do
Instituto, deu uma contribuição extraordinária, em Londrina, com os
Encontros de pesquisadores e docentes da Filosofia Brasileira, entre
1989 e 2003. O Instituto de Humanidades já se tornou conhecido, pelo
fato de ter elaborado uma proposta de educação humanística continuada,
no seu Curso de Humanidades, cujos materiais são oferecidos on line, sem
custo algum, através do Portal do Instituto, neste endereço eletrônico:
(www.institutodehumanidades.com.br).
No contexto das atividades de pesquisa hoje desenvolvidas pelo
professor Antônio Paim, ressalta o seu projeto de aprofundamento nas
raízes da nossa história cultural. Trata-se de uma proposta semelhante à
desenvolvida, há duzentos anos, na França, pelo doutrinário François
Guizot (1787-1874), em torno à reconstituição da identidade francesa, do
ângulo do relato histórico, que terminou desaguando nos Cursos por ele
oferecidos na Sorbonne, com a finalidade de superar as deformações
ensejadas pela Revolução Francesa, que pretendeu cortar, radicalmente,
com o passado. No contexto da sadia reação cultural ensejada por Guizot,
foram plantados os marcos que possibilitaram a reconstrução da história
cultural da França e da Europa, ao ensejo dos seus cursos sobre a
História da França e a História da civilização européia.
A proposta do professor Paim parte da reconstituição dos nossos elos
de identidade brasileira, retomando a antiga coleção Brasiliana, que, no
século XX, ensejou a publicação dos principais trabalhos
historiográficos acerca da nossa formação como país. Já foi lançado, com
esse intuito, o primeiro volume, intitulado: Brasiliana Breve. Seguirão
outros, que destacam aspectos específicos da nossa historiografia, no
terreno sociocultural. Paim dá continuidade, assim, a projeto acalentado
por ele há duas décadas, no sentido de, à maneira dos doutrinários,
reconstruir o caminho da nossa identidade liberal perdida.
Essa proposta foi formulada, por Paim, no início deste século. Em
obras anteriores, o Mestre havia deitado os alicerces para essa
proposta, alargando a sua análise até as origens do pensamento liberal
moderno e situando, nesse contexto, a tarefa de reconstrução cultural
das nossas instituições, fazendo uma crítica bem fundamentada ao
marxismo, que é, segundo ele, a manifestação mais recente do espírito
cientificista na cultura brasileira.
Destaquemos que toda essa pesquisa empreendida por Paim, terminou se
espraiando em Cursos regulares de extensão e de pós-graduação, ao longo
dos anos 80 e 90 do século passado, em instituições de ensino superior
públicas e privadas, como a Universidade de Brasília, a Universidade
Federal de Juiz de Fora e a Gama Filho, no Rio de Janeiro. A
manifestação pioneira dessa atividade tinha ocorrido, nos anos 70 do
século passado, na PUC do Rio de Janeiro, ao ensejo da criação do
Programa de Mestrado em Pensamento Brasileiro.
Duas tarefas práticas, de caráter imediato, apresenta o professor
Paim: devemos nos engajar, com coragem, em primeiro lugar, na
consolidação, no Brasil, da educação para a cidadania, sem a qual, não
será possível encontrarmos o caminho para a nossa caminhada como país
que aspira à plena democracia. Por iniciativa do Mestre Paim, uma
tentativa, nesse sentido, tinha sido feita pelos membros do Instituto de
Humanidades, já há quase duas décadas, na obra intitulada: Cidadania: o
que todo cidadão precisa saber. Tratava-se de uma proposta, endereçada
aos professores de ensino básico e fundamental, com a finalidade de
estimular o debate acerca do conteúdo que deveria ter a disciplina
“educação para a cidadania”, que seria inadiável implantar nas quatro
primeiras séries do ensino básico. Paralelamente a essa preocupação
básica, o professor Paim cuidou, ao longo dos últimos vinte anos, de
definir as linhas mestras para a reestruturação da classe política,
cuidando de um aspecto fundamental para a atuação dela: o aprimoramento
da representação.
2 – Espaço Democrático do PSD. O professor Antônio Paim tem
desenvolvido, ao longo das duas últimas décadas, destacado trabalho no
sentido da revalorização da classe política, junto a alguns partidos de
centro, nos quais tem atuado como assessor: primeiro, no antigo Partido
da Frente Liberal (PFL) e, hodiernamente, no Partido Social-Democrático
(PSD), fundado pelo empresário e ex-Ministro Gilberto Kassab (1960). A
ideia de Paim é tornar concreta a tarefa que Alexis de Tocqueville
(1805-1859) tinha como uma das finalidades básicas da instituição do
Estado democrático, de “construir o homem político”, juntando as
práticas da educação para a cidadania e do aprimoramento da
representação.
Um exemplo, apenas, desse incansável trabalho de Antônio Paim é
constituído pela obra intitulada: Personagens da política brasileira. O
nosso autor considera que, no século XXI, há uma tarefa desafiadora:
tornar o Brasil um país realmente democrático, mediante a incorporação
de uma grande classe média à vida política, aperfeiçoando a
representação. Consoante Francis Fukuyama (1952), - frisa Paim -, a
China e a Rússia vivenciam, hodiernamente, também, esse repto, a fim de
saírem, definitivamente, do modelo de Estado Patrimonial consolidado há
séculos. Também é o caso do Brasil.
A propósito, Paim escreve: “A tarefa é desafiadora. O principal
obstáculo a vencer está identificado: trata-se do patrimonialismo. Em
resumo, estamos no caminho que nos conduzirá à plena instauração do
regime democrático representativo, compreendidas as características
sociais requeridas (classe média). Para tanto, é preciso recuperar o
prestígio da classe política. O propósito de identificação de
personalidades marcantes ora empreendido, evidencia a presença de
figuras destacadas no meio político. Nada sugere que o ciclo histórico
ora vivenciado seja diferente”.
3 – Núcleo Ibérica. Foi fundado em 2009 por Alexandre Ferreira
de Souza, Marco Antônio Barroso, Bernardo Goytacazes de Araújo e
Humberto Schubert Coelho, meus ex-alunos no Curso de Filosofia da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Este grupo conta, para efetivar as
suas ações de análise cultural, com o Portal Ibérica
www.estudosibericos.com e com a Revista digital Cogitationes
www.cogitationes.org , criados há dez anos.
A principal contribuição do Núcleo Ibérica tem consistido na análise
crítica da realidade brasileira, do ângulo liberal-conservador, à luz da
filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), de espiritualistas como Jacob
Böhme (1575-1624), teólogos como Rudolf Otto (1869-1937), românticos
franceses como Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e Madame de
Staël (1766-1817), ou liberais conservadores herdeiros destes, como
Tocqueville. O Núcleo também estuda a obra dos liberal-conservadores da
tradição britânica, como é o caso de Edmund Burke (1729-1797), Lorde
Acton (1834-1902) e Roger Scruton (1944-2020).
Os membros do Núcleo partiram para a pesquisa acadêmica de longo
curso, sendo que alguns deles defenderam teses de doutoramento sobre os
autores mencionados, como é o caso de Humberto Schubert Coelho (com tese
sobre Jacob Böhme), Marco Antônio Barroso (com tese sobre Benjamin
Constant de Rebecque) e Alexandro Ferreira de Souza (com tese sobre
Rudolf Otto).
Alguns membros do Núcleo (Alexandro Ferreira de Souza, Marco Antônio
Barroso e Bernardo Goitacazes de Araújo) participaram da gestão do MEC,
no início do governo Bolsonaro, me acompanhando, como Secretários, no
período em que desempenhei o cargo de Ministro da Educação, entre 1º de
janeiro e 8 de abril de 2019. Foi surpreendente a performance dos meus
ex-alunos no Ministério, mesmo não contando, alguns deles, com
experiência significativa em gestão pública (salvo no caso de Bernardo
Goytacazes de Araújo, que já tinha se desempenhado em funções públicas
municipais, na sua cidade natal, Três Rios). Marco Antônio Barroso à
frente da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior
(SERES) , Alexandro Ferreira de Sousa, como titular da Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) e Bernardo Goytacazes de
Araújo, à frente da Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação
(SEMESP) surpreenderam com a eficiência e a reta administração, no
curto trimestre em que tiveram de fazer frente aos enormes desafios das
suas respectivas repartições. Isso prova a importância de uma sólida
formação humanística, como alicerce indiscutível para a boa gestão
pública. A presença e o apoio dos meus ex-alunos no Ministério foram
fundamentais para o meu trabalho. Reconheço, agradecido, a grande
contribuição deles.
Recentemente, vinculou-se a esse grupo Luciano Caldas Camerino que,
ao longo das três últimas décadas, desenvolveu, de forma sistemática,
seminários sobre os pensadores liberais clássicos, no seio do Curso de
Filosofia da UFJF. Eu próprio, estimulado pelos meus alunos, realizei
pesquisa de pós-doutorado sobre Alexis de Tocqueville e os doutrinários
franceses. Os seminários que, no Núcleo, desenvolvi sobre as relações
entre Patrimonialismo, Cultura e Literatura na América Latina, deram
como resultado os livros intitulados: A análise do Patrimonialismo
através da Literatura latino-americana: o Estado gerido como bem
familiar e Patrimonialismo e a realidade latino-americana. As análises
que, do ângulo cultural, desenvolvi no Núcleo, tendentes a criticar a
falta de uma fundamentação ética que nos permitisse superar o espírito
contra-reformista, deram ensejo, de outro lado, ao meu livro intitulado:
Luz nas trevas: ensaios sobre o Iluminismo.
3 – Instituto Liberal. Esta instituição continua a funcionar
no Rio de Janeiro, sob a presidência do jovem jornalista e escritor
Lucas Berlanza Corrêa (1992). Na nova organização dada por Lucas
Berlanza ao Instituto, destaca-se a configuração digital do Portal, onde
divulga debates de atualidade, dos quais participam jovens liberais do
Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras. De outro lado, a
pesquisa desenvolvida por Lucas Berlanza tende uma ponte entre a nova
geração de liberais e as gerações anteriores, mediante o estudo
detalhado das relações que se podem tecer, no tratamento dos temas do
Liberalismo, com a atual quadra da história brasileira.
O traço marcante do Estado brasileiro, nestes tempos de luta contra o
lulopetismo e de triunfo de uma opção liberal-conservadora,
representada por Jair Bolsonaro, continua sendo o Patrimonialismo, que
teima em sobreviver, encarando o público como privado. Nesse combate, -
considera Lucas Berlanza -, a memória das lutas encetadas por Carlos
Lacerda (1914-1977) contra o tradicional cartorialismo do ciclo
getuliano, revive o clima de luta periclitante pela liberdade, que foi,
também, o traço marcante dos Doutrinários e de Tocqueville, na França.
Berlanza retoma, assim, o melhor da nossa tradição política
liberal-conservadora que, inspirada em figuras como Winston Churchill
(1874-1965), não tem medo de lutar o bom combate, em prol da liberdade e
dos valores da nossa civilização cristã.
Lacerda deixou para o Brasil, frisa Berlanza, “o legado de Ícaro”,
encarnando o papel do “líder que (...) sustentou simultaneamente
princípios como a descentralização do poder e da administração, a
valorização da herança cultural ocidental e cristã (...), o receio do
Estado agigantado e opressor, o apreço pela sensibilidade patriótica e
pelas virtudes cívicas”.
4 – Instituto Mises Brasil. Foi fundado em 20017 por uma turma
de jovens estudiosos das obras do economista austríaco Ludwig von Mises
(1881-1973), sob a liderança de Hélio Coutinho Beltrão (1968), formado
em finanças pela Universidade de Colúmbia. Ao lado dele, outros
estudiosos das teses de Von Mises participaram da fundação do Instituto,
como Bruno Garschagen, Ubiratan Jorge Iorio, Rodrigo Saraiva Marinho,
Fernando Ulrich, Fernando Fiori Chiocca, Cristiano Fiori Chiocca, etc.
Na parte editorial do Instituto Mises, colabora renomado estudioso da
obra de Russel Kirk (1918-1994), o historiador e pensador de tendência
liberal-conservadora Alex Catharino, pertencente, como membro
correspondente, ao Centro Tocqueville-Acton, na Itália. Alex Catharino é
fundador do Centro Interdisciplinar de Economia Personalista (Rio de
Janeiro).
Em abril de 2018, o Instituto Mises Brasil foi considerado, pela
quarta vez, como o think-Tank liberal, fora dos Estados Unidos, com
maior influência nas redes sociais. O Instituto publica, em São Paulo a
Revista Mises, uma publicação interdisciplinar de filosofia, direito e
economia. O Instituto Mises Brasil partiu, também, para a formação
continuada de quadros técnicos na área da economia, oferecendo cursos de
pós-graduação em Economia da Escola Austríaca (2016).
5 – Clube da Aeronáutica. Sob a liderança do coronel Araken
Hipólito da Costa, com a estreita colaboração do professor Francisco
Martins de Sousa (mestre e doutor em Pensamento Brasileiro), foi
instituído, em 2009, o Curso de Pensamento Brasileiro, como atividade
cultural continuada do Clube. Os trabalhos apresentados no
desenvolvimento do Curso são publicados, regularmente, pela Revista
Aeronáutica.
O Curso de Pensamento Brasileiro foi adotado, a partir de 2020, pela
Universidade da Força Aérea, com sede no Campo dos Afonsos, no Rio de
Janeiro, dando, assim, maior abrangência ao estudo da nossa cultura na
formação de oficiais e do público civil em geral. Considero que, pela
seriedade com que os nossos militares, tradicionalmente, tem tratado os
seus empreendimentos na área cultural, esta nova versão do Curso de
Pensamento Brasileiro dará um reforço substancial ao estudo da cultura
brasileira. A matéria que tradicionalmente leciono no Curso de
Pensamento Brasileiro, intitulada: “História do Pensamento Político
Brasileiro” foi publicada, em forma de livro, pela Revista do Clube da
Aeronáutica, em 2012.
III - Entrevista de Ricardo Vélez Rodríguez à Revista do Clube Militar do Rio de Janeiro,
publicada em agosto de 2016, com o seguinte título: “Sociedade
brasileira e Patrimonialismo: as janelas para a democratização
brasileira”.
- Clube Militar: Em seus estudos sobre a formação e a evolução
política e social do Brasil, o fenômeno do patrimonialismo ocupa posição
central. Como o senhor o define e como avalia o papel por ele
desempenhado, ao longo de nossa história?
O Patrimonialismo, segundo Max Weber, constitui aquele tipo de Estado
que se formou a partir da hipertrofia de um poder patriarcal original,
que alargou a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e
coisas extrapatrimoniais, passando a geri-lo tudo como propriedade
particular ou familiar. Daí o nome de “Patrimonialismo”. Diferencia-se
esta modalidade do denominado por Weber de “Estado Contratualista”.
Nele, o poder estatal foi organizado a partir de um consenso ou contrato
entre as classes que lutavam pela posse do poder. Não tendo sido
possível a extinção daquelas na luta de classes, o Estado moderno
surgiu, nesse contexto, como fruto de um contrato.
Tanto Max Weber quanto Karl Wittfogel consideravam que o modelo
contratualista ocorreu, ali, onde houve Feudalismo de Vassalagem, ou
seja, na Europa Ocidental e nas Ilhas Britânicas. Já nas sociedades
presididas por Estados Patrimoniais não houve diferenciação entre as
classes, não tendo havido adequada formação destas. A sociedade ficou,
assim, estratificada entre os donos do poder e o resto. Isso explica a
índole essencialmente autoritária dos Estados Patrimoniais, bem como o
caráter cooptativo da participação da sociedade. Só participa do esquema
de dominação quem for chamado pelo soberano.
O Patrimonialismo, como modalidade de Estado mais forte do que a
sociedade surgiu ali, onde grandes organizações pré-burocráticas ligadas
ao controle da água estruturaram-se, tendo dado ensejo aos primeiros
grandes Estados despóticos de que tomou conhecimento a Humanidade. Tal
modelo vingou no Antigo Egito, no Império Chinês, nos Califados árabes,
na Rússia e nos impérios pré-colombianos Inca e Asteca. A herança que
chegou até nós, na América Latina, do velho despotismo ibérico
pós-feudal, foi a dos Estados Patrimoniais, intermediada, na Península
Ibérica, pelos oito séculos de dominação muçulmana. Os cristãos,
vencedores dos mouros, copiaram deles o modelo de poder concentrado e
familístico típico das organizações hidráulicas patrimonialistas. O que
terminou sendo formado, após a descoberta da América por Espanhóis e
Portugueses, foi o tipo de colônias geridas, de forma patrimonialista,
pelos representantes do Rei, os Capitães Gerais e, depois, os Vice-reis.
- CM: Que tendências ou correntes de pensamento, além do
patrimonialismo, fizeram-se presentes em nossa história e podem explicar
os sistemáticos tropeços que vêm impedindo o desenvolvimento do país?
Três vertentes integrariam, a meu ver, o que o escritor peruano José
María Arguedas (1911-1969) denominava de “os rios profundos” da
estratificação cultural. No caso brasileiro, eu mencionaria: em primeiro
lugar, o espírito contrarreformista, em segundo lugar, o cartorialismo
e, em terceiro lugar, o cientificismo. O espírito contrarreformista de
ódio ao lucro e de menosprezo pelo trabalho foi consolidado, pela
Inquisição portuguesa, na sua luta de séculos contra os denominados
“infiéis”, mouros e judeus. Para o Portugal quinhentista que nos
descobriu, somente a Coroa podia incorporar as riquezas hauridas das
descobertas e distribuídas, por ela, entre os “amigos do Rei”. A forma
de acumulação permitida aos colaboradores da Coroa, na luta contra os
“infiéis,” era a decorrente da “guerra santa”. Já o trabalho produtivo
era exorcizado como coisa ruim, castigo pelo pecado original. O
cartorialismo caracterizou-se pela ferrenha disposição da administração
pública portuguesa para controlar todas as atividades nas suas colônias,
estabelecendo um regime tributário duro sobre os produtores e exercendo
aquilo que Fidelino de Figueiredo denominou de “alfândega cultural”, ou
seja, o rígido controle da Metrópole sobre a entrada de ideias novas,
de novas tecnologias e publicações. Isso atrasou o surgimento de uma
cultura independente e conduziu, por exemplo, à Conjuração Mineira, que
foi uma reação das elites coloniais contra a extorsiva cobrança de
tributos e a asfixia cultural impostas pela administração ultramarina. O
cientificismo foi o corolário do controle, pela Coroa, de todas as
atividades científicas e culturais. Somente o Estado teria a
possibilidade de se beneficiar do advento das técnicas novas, mediante a
sua incorporação aos Monopólios reais, não permitindo, no entanto, a
livre pesquisa científica nem a elaboração de novas tecnologias.
Consolidou-se o cientificismo português, sob o reinado de Dom José I,
tendo sido o Marquês de Pombal, o seu primeiro ministro, o encarregado
de introduzir aqueles conhecimentos técnicos que reforçassem o poder
real e os monopólios régios. O resultado? Portugal se modernizou a
meias, sem conseguir estruturar uma economia pujante. À sombra desse
cientificismo, sob controle rígido do Estado, adotamos o Positivismo
como filosofia oficial no ciclo republicano, notadamente, no Rio Grande
do Sul, com a organização, por Júlio de Castilhos (1860-1903), da
“ditadura científica” no Estado sulino, modelo que Getúlio Vargas
implantou, em nível nacional, no período compreendido entre a Revolução
de 30 e a proclamação do Estado Novo, em 37. Uma lamentável manifestação
desse “cientificismo” foi o estúpido tecnocratismo do governo petista,
que afundou o país no maior buraco financeiro da história (já
contabilizado por economistas como Mônica de Bolle e Paulo Rabello de
Castro, como atingindo a estratosférica soma de um trilhão de reais!).
- CM: O vício autoritário e estatizante, tão presente nos governos
brasileiros, reflete equívocos na formação intelectual do país?
Certamente. O principal equívoco: não há livre debate de ideias a
respeito dos planos que os governos apresentam. Os petistas são mestres
na arte de sufocar o debate, mediante a criação de falsos foros de
discussão, os denominados “Conselhos Populares” ou “Conferências
Nacionais”. É a prática do assembleísmo aplicado à análise de qualquer
coisa. Funciona assim: os militantes petistas, experts na técnica da
dominação de reuniões e assembleias, encaminham as coisas para que o
ponto de vista deles termine vencendo, pelo cansaço ou pelo grito, na
discussão ou no foro. Os treze anos de governos petistas mostram isso à
saciedade.
- CM: Qual a relação entre o patrimonialismo e a implantação de regimes autoritários ou ditatoriais?
A relação é proporcional e direta. Como o patrimonialismo
caracteriza-se pela privatização do Estado por uma patota, tudo leva a
que se oculte esse vício primordial. A melhor forma é a retórica
utópico-democrática: nós somos os representantes do povo. Logo temos a
missão de implantar a unanimidade!
- CM: O Partido dos Trabalhadores teria exacerbado a prática patrimonialista no país?
O petismo é a manifestação mais completa, na cultura política
brasileira, da síndrome patrimonialista. Sempre houve, na nossa
história, privatização do poder por patotas. É a tese fundamental de um
clássico da sociologia brasileira, Os donos do poder (1958) de Raimundo
Faoro. Mas o que o PT fez foi potencializar o patrimonialismo,
desenvolvendo mecanismos de manipulação que o tornaram sistêmico. O que a
operação Lava-Jato está revelando é que, no terreno das políticas
públicas, os petistas aparelharam o Estado de forma a fortalecer
empresas estatais para, a partir delas, cooptar as grandes empreiteiras e
os prestadores de serviços e achaca-los. Colocaram os mecanismos de
fiscalização do Estado a serviço dessa tarefa ignóbil.
- CM: O Partido dos Trabalhadores usa o patrimonialismo como instrumento para a conquista do poder hegemônico?
Sem dúvida. Os petistas pretendiam tomar o poder de forma definitiva e
total, como fizeram os bolcheviques na Revolução Russa de 1917. Uma das
táticas bolcheviques consistiu em amedrontar os dissidentes, como
fizeram com os mencheviques. Ocorreu isso, aqui, com a fraqueza dos
tucanos em face dos ataques do MST (durante os governos de FHC). Ocorre
isso, ainda, agora, com as idas e vindas tucanas da oposição firme e
clara para a contemporização e por aí vai, deixando muito frágil a linha
da luta aberta contra esses corruptos, que se assenhorearam, sem
escrúpulos, do poder. Ora, a posição socialdemocrata civilizada é de
oposição ao totalitarismo petista. Por que não deixar claro isso nas
tomadas de posição, agindo, sempre, como oposição para valer no
Parlamento?
- CM: O agronegócio constitui, hoje, um polo de resistência ao patrimonialismo?
Sem dúvida nenhuma. O agronegócio se sustenta a si próprio, sem a
interferência do governo. Nos próximos anos espero que isso se transfira
para a ação política, com a formação de um partido conservador, que
represente as forças do agronegócio e que peite, com coragem, a esquerda
radical. Líderes não faltam. Um deles: Ronaldo Caiado, que já foi
candidato presidencial. Pode voltar à luta pela presidência, mas com uma
proposta partidária clara. Ele, ou outro que faça a mesma coisa, terá
seguidores. Kátia Abreu, uma mulher corajosa e lutadora, se aproximou,
infelizmente, muito da Dilma e isso lhe tirará legitimidade para
articulações futuras do lado oposicionista.
- CM: Qual a influência da revolução cultural gramsciana na potencialização da mentalidade patrimonialista brasileira?
A revolução cultural gramsciana, sabemos, consiste em “tomar a sopa
pelas beiradas”, para implantar o comunismo. Foi o diagnóstico feito por
Gramsci para a Itália do período entre as duas Guerras Mundiais. Tomar o
poder numa luta aberta contra o Executivo, como fizeram os
bolcheviques, seria praticamente impossível, dado o desenvolvimento
atingido pela Europa Ocidental, com a formação de grandes classes
médias. O caminho sugerido por Gramsci (que sempre foi um leninista)
apontava para outra tática: derrubar a ordem de valores da sociedade
ocidental, a fim de que o edifício caísse por si próprio. Pau na
família, na religião, na moral cristã, nas instituições burguesas! É o
que os petistas têm feito, ao longo dos seus trinta e seis anos de
existência. Lula, que foi alimentado pelo regime militar como X-9 que
ajudaria a desmontar o sindicalismo varguista, terminou sendo o ovo da
serpente. Inoculou, na sociedade brasileira, o vírus gramsciano, com a
ajuda dos intelectuais petistas.
- CM: O senhor vislumbra, na atualidade brasileira, sinais ou
indícios de que seremos capazes, algum dia, de vencer a cultura política
do patrimonialismo?
Não duvido de que o Brasil será capaz de vencer o vírus do
patrimonialismo. A verdadeira zika que ameaça a saúde dos brasileiros
não é a proveniente do mosquito, é a que veio de São Bernardo do Campo
com Lula e patota. O Brasil está cansado dos petistas. E os tirará do
poder.
- CM: Que providências ou reformas o senhor julga prioritárias para
que o país se recupere da grave crise política, econômica, social e
moral a que foi arrastado nos últimos 13 anos?
As seguintes medidas seriam fundamentais: saneamento da economia
mediante rígido controle do gasto público. Diminuição do tamanho do
governo e do Estado (13 ministérios seria o desejável). Eliminação do
número de cargos de confiança do Executivo (vamos convir que 20 mil é
coisa de doido). Reforma política já, adotando o voto distrital. Reforço
ao TCU para controle do gasto público pelo Congresso. Fim das Emendas
Parlamentares e das Alianças de Legenda no Congresso. Fidelidade
partidária e impossibilidade de pular de legenda em legenda.
Privatização imediata das empresas estatais, a começar pela Petrobrás e a
Eletrobrás. Isso já seria um bom começo.
- CM: Esse esforço não é pequeno. É tarefa para uma geração?
Sem dúvida. Mas, quanto mais cedo começarmos, melhor. Após uma década
com as coisas saneadas, o Brasil voltará a se orgulhar de si próprio no
contexto internacional.
- CM: Professor Velez-Rodriguez, a Revista do Clube Militar agradece
sua valiosa colaboração e abre espaço para alguma mensagem que o senhor
queira deixar para nossos leitores.
A minha mensagem de otimismo e de coragem para as novas gerações que
estão aí, sofrendo já os efeitos da era lulopetralha. Continuem lutando,
nas redes sociais, nas Universidades e Colégios, nas ruas, pela
liberdade. Vale a pena lutar pelos nossos valores tradicionais, pela
família, pela religião, pela tolerância, pela moral cristã, pelos
valores que os petralhas tentaram aniquilar. PT nunca mais!
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BLOG ORLANDO TAMBOSI
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