O mais prático, nisso tudo, é prestar
atenção em quais e quantos deputados e senadores vão deslizar para
dentro do bonde do governo - em nome da necessidade patriótica de
preencher cargos. Coluna de J. R. Guzzo para o Estadão:
Uma coisa são os pecados e as virtudes do presidente Jair Bolsonaro.
Outra, muito diferente e que pode afetar diretamente os interesses do
cidadão brasileiro, é o que vai realmente acontecer com sua Presidência -
algo que pode se resumir, no fundo, a uma pergunta só: ele fica ou ele
sai? A primeira coisa é a mais debatida, claro, com paixão, som e fúria.
Mas presidentes da República, segundo estabelece a lei, não saem do
palácio por causa daquilo que fazem de mal, e nem ficam por causa do que
fazem de bem. Saem ou ficam segundo a decisão específica que o
Congresso Nacional tomar a esse respeito. Não vale a pena perder seu
tempo olhando para outro lugar; se o sujeito perde a chave do carro no
jardim, não vai encontrar nunca se for procurar no quintal. É ali, no
plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que tudo vai se resolver.
É uma constatação óbvia, mas muitas vezes o óbvio é uma das coisas
mais difíceis de serem levadas em consideração no debate político - ou,
para falar a verdade, talvez na maioria dos debates, sobre qualquer
assunto. Temos assim, 24 horas por dia, um barulho de tempestade sobre
coisas que, na vida real, terão muito pouca ou nenhuma possibilidade de
decidir se Bolsonaro continua na Presidência ou será deposto por um
processo de impeachment. É um espanto ver tanta gente falando em
“renúncia” - para isso seria indispensável, em primeiro lugar, que ele
estivesse de acordo em renunciar, pois renúncia depende da vontade do
renunciante, e o presidente não tem a mais remota intenção de fazer
isso. Também não adianta muito empilhar denúncia sobre denúncia sobre
atos de Bolsonaro que poderiam justificar a sua deposição legal - faz
calor, mas é só isso.
O presidente não será julgado pelo que dizem os analistas políticos, a
“sociedade civil” ou o Tribunal Internacional de Haia. Será julgado
pelos 513 deputados e 81 senadores do Congresso Nacional que está aí
hoje, políticos de carne e osso que todo mundo pode saber perfeitamente
quem são. Três quintos deles terão, no fim das contas, de votar se
Bolsonaro deve ou não permanecer na Presidência - isso, naturalmente, se
o pedido de impeachment chegar mesmo a eles algum dia, coisa que
ninguém pode garantir hoje. Em suma: é uma pedreira. “Não se pode buscar
o remédio do impeachment como quem vai na farmácia comprar um
melhoral”, dizia Ulysses Guimarães. Mas é isso, precisamente, o que um caminhão de gente parece estar esperando, por tudo que se lê, vê e ouve no noticiário.
O mais prático, nisso tudo, é prestar atenção em quais e quantos
deputados e senadores vão deslizar para dentro do bonde do governo - em
nome da necessidade patriótica de preencher cargos na direção do porto
de Santos, no guichê de verbas para o Vale do São Francisco ou nos
armazéns gerais do Oiapoque ao Chuí. Político está interessado nisso, e
não em provas técnicas contra o presidente, ou na indignação de
artistas, da OAB ou das Nações Unidas. Se levarem o que estão querendo,
esse impeachment não sai nos próximos 100 anos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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