A economia da saúde deve crescer, mas a saúde da economia seguirá mal, prevê Roberto Macedo em artigo publicado pelo Estadão:
Na análise econômica há a economia da saúde, área voltada para a
alocação e gestão de recursos nesse setor de forma eficaz, eficiente,
com equidade social no acesso aos serviços, e seu custeio público ou
privado. Com o coronavírus, o momento atual oferece campo fértil a essa
área.
Com a indispensável expansão dos gastos públicos em saúde, que levará
à expansão do endividamento público, transferindo para gerações futuras
parte desse ônus, infelizmente há também quem pegue carona nessa
situação buscando estender gastos públicos em geral e/ou buscando
vantagens descabidas. Assim, vi propostas de revogar o teto desses
gastos, em boa hora fixado pelo governo Temer em 2016, mediante emenda
constitucional. A crise nas finanças públicas permanece e essa emenda
não impede maiores gastos em situações excepcionais, como a atual. Não
cabe suspender esse teto de forma generalizada, o que prejudicaria a
defesa que ele representa para evitar a contaminação das despesas
públicas por vírus interesseiros de grupos que aeticamente atuam sem
pensar no interesse público.
Nesse contexto, minha preocupação com a situação das finanças
públicas aumentou, pois, além do acréscimo de despesas, haverá perda de
receita, ligada à recessão já em andamento, decorrente das medidas já
tomadas contra o coronavírus, como o “fica em casa”, que reduz a demanda
de bens e serviços, e a proibição de atividades, como no comércio, com a
ressalva de casos como os de supermercados, farmácias e padarias. Além
dessa queda de arrecadação, há a pressão de entidades empresariais para
suspender ou reduzir pagamentos de impostos pelas mais variadas razões,
algumas até admitidas pelo governo, como o pagamento de salários e
proteção ao trabalho. Surpreendeu-me, entretanto, por seu esperado
impacto sobre a receita do Estado de São Paulo, a notícia de que a Fiesp
e o Ciesp recorreram ao Judiciário estadual pedindo a suspensão por 180
dias, pelas indústrias, do recolhimento de tributos estaduais relativos
ao período de março a junho, com destaque para o ICMS, o principal.
Note-se que esse tributo viria de transações já realizadas, nas quais
foi pago pelos compradores. As contas estaduais ficariam ainda muito
mais estressadas se tal pedido fosse atendido. Espero que o governo
estadual seja chamado a apresentar sua defesa no processo.
No meio de tantas notícias ruins, uma boa para o Brasil, a de que o
coronavírus prolifera menos em climas mais quentes. Veio do prestigioso
Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, em 24 de março,
neste jornal. Pesquisadores descobriram que as transmissões do vírus
ocorrem majoritariamente nas regiões com temperaturas entre 3 e 17 graus
Celsius. Já havia notado que na Itália o vírus é mais atuante no norte
que no sul e o mesmo se dá no caso mais recente dos EUA. Vi que ontem a
temperatura prevista por este jornal seria de 17º pela manhã, 29º à
tarde e 19º à noite, predominantemente acima do intervalo citado.
Assim, o clima poderá arrefecer o impacto do vírus no Brasil, mas
vale lembrar que o inverno está chegando e as Regiões Sul e Sudeste
correrão maior risco nesse período. Também vale lembrar que nas favelas o
contágio esperado é maior, dado o alto número pessoas por cômodo
residencial, às vezes único. Ou seja, o clima poderá ser uma bênção, mas
temos também esses fatores em contrário. Ademais, seria temerário dar
grande divulgação a esse efeito do clima, pois poderia provocar
arrefecimento do “fique em casa”, recomendado pelas autoridades da
saúde.
Na linguagem do assunto, a estratégia tentativamente seguida pelo
Brasil até aqui, não sem percalços, é a de supressão, assentada em forte
redução dos contatos interpessoais. Também deve ser vista como forma de
ganhar tempo até que sejam ampliados os serviços hospitalares, os
equipamentos necessários e os testes cabíveis. Estes são altamente
recomendados, aplicados a grandes amostras, inclusive de pessoas sem
sintomas aparentes, para identificar aspectos como a localização dos
resultados positivos, as faixas etárias e as formas de contágio.
Pensando na saúde da economia, e no seu efeito sobre a receita
tributária, tal estratégia é também a de impacto mais forte no horizonte
imediato. Na economia foram preservadas atividades ligadas ao
abastecimento das famílias, mas tenho visto muitas reclamações de
caminhoneiros quanto às suas necessidades de alimentação e de
combustíveis, apontando que muitos postos de abastecimento foram
fechados. Não sei se foi por decisão de seus proprietários ou de
autoridades regionais ou locais, o que precisaria ser revisto, em
particular para os postos situados nas próprias estradas, sem maiores
problemas de aglomeração. Sem abastecimento para os caminhoneiros, o
nosso também ficará prejudicado, o que poderá levar a um desastre social
de enormes consequências.
Voltando ao título, a economia da saúde deve crescer, mas a saúde da economia seguirá mal por tempo ainda indefinido.
ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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