MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 29 de setembro de 2019

O mundo das coisas


A razão mostra, com base na constatação material dos fatos, que o Brasil é o país que mais conserva as suas florestas, mesmo porque não há mais florestas na maioria dos países. Coluna de J. R. Guzzo, via edição impressa de Veja (que agora vem com a ridícula nota de que "os textos dos colaboradores não refletem necessariamente a opinião de Veja"):

Há uma porção de opções ao seu dispor para tomar uma posição sobre a questão da Amazônia e da sua floresta. Numa ponta, há um mundo de gente convicta de que a Amazônia está sendo destruída pelo fogo neste exato momento e de que essa calamidade, entre outras coisas, vai impedir daqui a pouco a população mundial de respirar. A solução sugerida, nessa confederação de ideias, fantasias e interesses que anuncia a breve transformação em deserto dos 4 milhões de quilômetros quadrados hoje cobertos pela mata amazônica no Brasil, é alguma modalidade até agora não esclarecida de “intervenção internacional” — afinal, dizem, a Amazônia é uma propriedade comum “da humanidade”. Como? Via ONU ou via outra força qualquer que também ainda não está definida com clareza. Na ponta oposta, há o bloco dos que classificam todos os alertas sobre os riscos ambientais existentes na região de conspiração, estrangeira e interna, contra o Brasil, com propósitos políticos, econômicos e ideológicos. Entre as duas, há cinquenta tons de cinza.

Vai aqui uma sugestão: que tal, em vez de indignar-se automaticamente de um lado ou de outro, ir ver o que está realmente acontecendo? Não é assim tão complicado. Basta tomar nota de quais são exatamente os fatos, primeiro — e só dar a sua opinião depois. A Amazônia, afinal de contas, é uma realidade com existência física; não é uma causa. Faz parte do mundo das coisas, e não do mundo das ideias, e tudo o que acontece dentro de seus limites pode ser atestado pela verificação objetiva dos fatos. A região amazônica pode ser definida pelo seu bioma — ou seja, por um espaço geográfico que tem características específicas, estabelecidas de acordo com critérios científicos, e não por crenças, desejos ou atos administrativos. Todos, naturalmente, têm direito às próprias opiniões — mas não aos próprios fatos, como dizia um antigo sábio político americano. Eles são o que são. Parece sensato, assim, tentar entender o problema a partir da razão. Ou há alguma ideia melhor?

A razão mostra, com base na constatação material dos fatos, que o Brasil é o país que mais conserva as suas florestas, mesmo porque não há mais florestas na maioria dos países — e o que sobrou são desertos verdes cobertos quase totalmente pelo mesmo tipo de vegetação, com baixíssima diversidade e reduzido interesse para o equilíbrio ambiental. É preciso, já de saída, fazer a diferença entre o bioma amazônico e uma coisa chamada Amazônia Legal. O “Bioma Amazônia” é a Amazônia de verdade, onde existe floresta de verdade. Tem 4,2 milhões de quilômetros quadrados e representa, muito simplesmente, a metade do território do Brasil. A “Amazônia Legal”, com 1 milhão de quilômetros quadrados a mais, é apenas uma ficção burocrática, nascida de manobras tributárias — e engloba um espaço geográfico muito maior que o da mata verdadeira para permitir que as áreas ali localizadas ganhem vantagens no pagamento de impostos.

Nas contas que correm o mundo, essa Amazônia de papel, com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados e onde entra até o Pantanal, é a que vale. Obviamente, a “devastação” anotada ali é muito maior do que na floresta verdadeira. Como poderia ser diferente se os cálculos de “desmatamento” incluem regiões já cultivadas e utilizadas pela pe­cuá­ria há mais de cinquenta anos? O que interessa mesmo, em termos de mata com árvore, galho e folha, é o Bioma Amazônia. Já estão preservados por lei 65% de toda a área ocupada por ele — não se pode mexer mais ali, nunca mais, mesmo porque boa parte disso são terras indígenas, parques nacionais, espaços do Exército. Esse mundo de floresta pode até crescer; diminuir não dá mais. A verdade, em suma, é que a vegetação nativa na Amazônia ocupa mais de 350 milhões de hectares — uma área em que caberiam dezessete países da Europa, do extremo norte da Suécia ao extremo sul da Itália, de Portugal à Polônia.
O verdadeiro problema, na verdade, é o exato contrário da visão vendida mundo afora. O Brasil tem floresta até demais — mas a sua capacidade de cuidar dela, e cumprir as leis que a protegem, é francamente miserável. O Estado não tem nem aviões-­bombeiros para apagar incêndios. Não consegue dar documentação aos mais de 500 000 pequenos proprietários de terras que vivem ali. Não é capaz de evitar o desmatamento ilegal. Não atende às necessidades sanitárias básicas de seus 25 milhões de habitantes. Eis aí o desastre real. Não há nenhuma necessidade de inventar desastres que não existem.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA.

Publicado em VEJA de 2 de outubro de 2019, edição nº 2654

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