A razão mostra, com base na constatação material dos fatos, que o Brasil
é o país que mais conserva as suas florestas, mesmo porque não há mais
florestas na maioria dos países. Coluna de J. R. Guzzo, via edição
impressa de Veja (que agora vem com a ridícula nota de que "os textos dos colaboradores não refletem necessariamente a opinião de Veja"):
Há uma porção de opções ao seu dispor para tomar uma posição sobre a
questão da Amazônia e da sua floresta. Numa ponta, há um mundo de gente
convicta de que a Amazônia está sendo destruída pelo fogo neste exato
momento e de que essa calamidade, entre outras coisas, vai impedir daqui
a pouco a população mundial de respirar. A solução sugerida, nessa
confederação de ideias, fantasias e interesses que anuncia a breve
transformação em deserto dos 4 milhões de quilômetros quadrados hoje
cobertos pela mata amazônica no Brasil, é alguma modalidade até agora
não esclarecida de “intervenção internacional” — afinal, dizem, a
Amazônia é uma propriedade comum “da humanidade”. Como? Via ONU ou via
outra força qualquer que também ainda não está definida com clareza. Na
ponta oposta, há o bloco dos que classificam todos os alertas sobre os
riscos ambientais existentes na região de conspiração, estrangeira e
interna, contra o Brasil, com propósitos políticos, econômicos e
ideológicos. Entre as duas, há cinquenta tons de cinza.
Vai aqui uma sugestão: que tal, em vez de indignar-se automaticamente
de um lado ou de outro, ir ver o que está realmente acontecendo? Não é
assim tão complicado. Basta tomar nota de quais são exatamente os fatos,
primeiro — e só dar a sua opinião depois. A Amazônia, afinal de contas,
é uma realidade com existência física; não é uma causa. Faz parte do
mundo das coisas, e não do mundo das ideias, e tudo o que acontece
dentro de seus limites pode ser atestado pela verificação objetiva dos
fatos. A região amazônica pode ser definida pelo seu bioma — ou seja,
por um espaço geográfico que tem características específicas,
estabelecidas de acordo com critérios científicos, e não por crenças,
desejos ou atos administrativos. Todos, naturalmente, têm direito às
próprias opiniões — mas não aos próprios fatos, como dizia um antigo
sábio político americano. Eles são o que são. Parece sensato, assim,
tentar entender o problema a partir da razão. Ou há alguma ideia melhor?
A razão mostra, com base na constatação material dos fatos, que o
Brasil é o país que mais conserva as suas florestas, mesmo porque não há
mais florestas na maioria dos países — e o que sobrou são desertos
verdes cobertos quase totalmente pelo mesmo tipo de vegetação, com
baixíssima diversidade e reduzido interesse para o equilíbrio ambiental.
É preciso, já de saída, fazer a diferença entre o bioma amazônico e uma
coisa chamada Amazônia Legal. O “Bioma Amazônia” é a Amazônia de
verdade, onde existe floresta de verdade. Tem 4,2 milhões de quilômetros
quadrados e representa, muito simplesmente, a metade do território do
Brasil. A “Amazônia Legal”, com 1 milhão de quilômetros quadrados a
mais, é apenas uma ficção burocrática, nascida de manobras tributárias —
e engloba um espaço geográfico muito maior que o da mata verdadeira
para permitir que as áreas ali localizadas ganhem vantagens no pagamento
de impostos.
Nas contas que correm o mundo, essa Amazônia de papel, com mais de 5
milhões de quilômetros quadrados e onde entra até o Pantanal, é a que
vale. Obviamente, a “devastação” anotada ali é muito maior do que na
floresta verdadeira. Como poderia ser diferente se os cálculos de
“desmatamento” incluem regiões já cultivadas e utilizadas pela
pecuária há mais de cinquenta anos? O que interessa mesmo, em termos
de mata com árvore, galho e folha, é o Bioma Amazônia. Já estão
preservados por lei 65% de toda a área ocupada por ele — não se pode
mexer mais ali, nunca mais, mesmo porque boa parte disso são terras
indígenas, parques nacionais, espaços do Exército. Esse mundo de
floresta pode até crescer; diminuir não dá mais. A verdade, em suma, é
que a vegetação nativa na Amazônia ocupa mais de 350 milhões de hectares
— uma área em que caberiam dezessete países da Europa, do extremo norte
da Suécia ao extremo sul da Itália, de Portugal à Polônia.
O verdadeiro problema, na verdade, é o exato contrário da visão
vendida mundo afora. O Brasil tem floresta até demais — mas a sua
capacidade de cuidar dela, e cumprir as leis que a protegem, é
francamente miserável. O Estado não tem nem aviões-bombeiros para
apagar incêndios. Não consegue dar documentação aos mais de 500 000
pequenos proprietários de terras que vivem ali. Não é capaz de evitar o
desmatamento ilegal. Não atende às necessidades sanitárias básicas de
seus 25 milhões de habitantes. Eis aí o desastre real. Não há nenhuma
necessidade de inventar desastres que não existem.
Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA.
Publicado em VEJA de 2 de outubro de 2019, edição nº 2654
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