Guardou-se para fazer a besteira mais tarde, revelando ao país que por
pouco um procurador-geral da República, surtado, só não precipitou uma
crise graças à intervenção divina. E ainda falam de Damares e de Jesus
que ela diz ter visto na goiabeira! Coluna de Carlos Brickmann, publicada neste domingo:
Meu nome é Rodrigo Janot, mas pode me chamar de Inspetor Closeau.
Lembre: o Inspetor Closeau era o atrapalhado personagem do filme A
Pantera Cor de Rosa, interpretado por Peter Sellers, um especialista em
se meter em confusões. Imitando Closeau, Janot gerou confusão: muito
tempo depois dos fatos, decidiu contar que foi um dia ao Supremo
Tribunal Federal, armado, para matar o ministro Gilmar Mendes e matar-se
em seguida. Mas, diz, a mão de Deus o impediu de fazer a besteira.
Guardou-se para fazer a besteira mais tarde, revelando ao país que por
pouco um procurador-geral da República, surtado, só não precipitou uma
crise graças à intervenção divina. E ainda falam de Damares e de Jesus
que ela diz ter visto na goiabeira!
Ter a intenção de matar, desde que não seja consumada, não é crime.
Mas Janot, no papel de Closeau, disse que Michel Temer lhe pediu que
suspendesse as pressões sobre o deputado Eduardo Cunha. Isso teria
ocorrido em 2015. Se o fato ocorreu, e Rodrigo Janot não tomou
providências legais, talvez possa ser acusado de prevaricação – falta de
cumprimento do dever. E isso é crime. Há mais um complicador no caso:
ir armado ao Supremo, com intenções homicidas (embora não executadas),
levanta dúvidas sobre o equilíbrio emocional de quem tem porte legal de
arma. Tem, não: tinha.
Mas nem tudo no ex-procurador Janot lembra o Inspetor Closeau.
Closeau era representado por Peter Sellers. Convenhamos, falta a Janot
esse talento.
A ação
O STF reagiu duramente: a Polícia Federal recebeu ordem do ministro
Alexandre de Moraes para fazer busca e apreensão na casa de Janot e
recolher as armas que fossem encontradas. Janot está proibido de entrar
no STF e em qualquer de seus anexos e de se aproximar de qualquer
ministro.
A inação
A Polícia Federal vem sendo criticada por ter falhado ao cumprir
ordens anteriores do ministro Alexandre de Moraes a respeito da
segurança do STF e de seus ministros. O diretor-geral da PF, Maurício
Valeixo, que esteve na mira de Bolsonaro (e se manteve por ter a
confiança de Moro), deve balançar. Dificilmente Moro conseguiria agora
segurá-lo – e segurar a si próprio.
As duas faces do bem
A irritação de Janot com Gilmar Mendes, que o levou a pensar em
homicídio, nasceu da resposta a um pedido do então procurador-geral de
suspeição, para que o ministro não votasse em determinado caso. Motivo:
sua esposa trabalhava no imenso escritório de advocacia que defendeu
Eike Batista. Na resposta, Gilmar afirmou que a filha de Janot tinha
trabalhado para empreiteiras envolvidas na Lava Jato. Logo, se um era
suspeito, por laços familiares, o outro também o era. Janot, que
considerava sua observação sobre a esposa do ministro totalmente
adequada, quis matá-lo por fazer referência semelhante sobre sua filha.
Um erro de tempo
Janot deu as entrevistas agora, época em que vai lançar seu livro
Nada Menos que Tudo, escrito pelos jornalistas Jailton de Carvalho e
Guilherme Evelyn. Esta costuma ser época boa para lançar livros, já que é
época de compra de presentes de Natal. Mas, depois do que disse, o
ex-procurador-geral Rodrigo Janot faria melhor se o lançasse não perto
do Natal, mas do Carnaval.
Lava Jato – e agora?
Duas informações importantes: primeiro, embora já haja no Supremo uma
maioria consistente em favor de anular julgamentos em que réus
delatores tenham deposto depois dos demais réus, a decisão ainda não foi
formalizada: isto deve ocorrer apenas na quarta-feira (e, embora não se
acredite na possibilidade, sempre alguém pode pedir vista do processo).
Segundo, mesmo que a decisão seja tomada na quarta-feira, sem que haja
qualquer novidade, isso não significa que todos os réus da Lava Jato
terão o direito de pedir anulação do julgamento. Há vários caminhos e um
deve ser escolhido.
Lula lá ou Lula cá?
A tendência da opinião pública é personificar a discussão em torno do
ex-presidente Lula. A decisão do STF, tal e qual se espera, irá
beneficiá-lo? Em princípio, não: o caso do apartamento do Guarujá, pelo
qual foi condenado, não envolveu a participação de delatores. Mas Lula
deve deixar a prisão por outro motivo: já cumpriu um sexto da pena, com
bom comportamento, e tem direito à progressão de regime penitenciário.
Lula não fez o pedido e não quer aceitá-lo, mas é possível que seja
obrigado a fazê-lo.
No caso, teria de cumprir algumas exigências legais, como conseguir um emprego fixo.
Como ficam os julgamentos
Isso é algo que deve ser resolvido na quarta-feira. Há diversas
posições de diversos ministros. Barroso quer que a medida seja válida
apenas de agora em diante: o passado passou. Carmen Lúcia acha que o
julgamento pode ser anulado desde que o réu prove que foi prejudicado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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