Para variar, não existem saídas boas; os comunistas chineses sabem que o
preço de repressão seria alto e, por isso, esperam os atos ficarem
insuportáveis. Texto de Vilma Gryzinski:
Bandeira americana agitada e o hino nacional que celebra “a terra dos
livres e a pátria dos bravos” sendo cantado em pleno território chinês?
Por chineses?
É inacreditável – inclusive porque os americanos progressistas cada vez mais rejeitam seus próprios símbolos pátrios.
Mas os manifestantes de Hong Kong, que já haviam empunhado a bandeira
britânica que teoricamente deveriam repudiar por representar a potência
colonial que dominou o enclave durante 156 anos, sabem onde a coisa
pega com a cúpula comunista.
E com a base também: o nacionalismo chinês foi uma das forças mais
poderosas e habilmente manipuladas para a vitória, a consolidação e a
manutenção do regime comunista.
Dar corda aos manifestantes de Hong Kong para que cometam sacrilégios
como a celebração com as bandeiras estrangeiras, e agora justamente a
americana, infernizem a vida da cidade com a paralisação do aeroporto e
do trânsito em geral e pratiquem atos de violência contra policiais, é
uma tática para preparar o terreno.
Os manifestantes de cabeça comparativamente fria sabem disso. Até
pediram desculpas pelos dois dias de aeroporto fechado, os transtornos
causados à população e atos como a pancadaria que caiu sobre um policial
empurrado da escada, interrompida somente quando ele sacou a arma.
Assinado: “Um grupo de hongkongueses que anseia por liberdade e democracia”.
Tradução: o movimento é horizontal e não tem uma liderança unificada
capaz de conter os excessos que justifiquem uma eventual intervenção
pesada.
Note-se também o detalhe de que os protestos começaram por causa de
um projeto de lei permitindo a extradição para a China propriamente dita
de residentes na cidade, que vivem num regime especial mais livre e
parecido com o estado de direito, para ser submetidos às conhecidas
gentilezas da justiça chinesa em caso de ações penais
Agora, os manifestantes querem liberdade, democracia e, suprema heresia, independência da China comunista.
A probabilidade de que isso aconteça é zero.
Mas isso não significa que a cúpula comunista, extremamente
verticalizada sob o comando de Xi Jinping, saiba tudo o que vai fazer e
como.
Do ponto de vista dela, todas as saídas são ruins.
PRISIONEIRO DO ESTADO
É impensável que protestos de grande dimensão, paralisantes, continuem em Hong Kong, inclusive pelo efeito contágio.
É pensável, mas extremamente custosa, uma intervenção armada, com
tropas e tanques, à moda da Praça da Paz Celestial, mesmo que a pedido
das autoridades e da parte da população hongkonguesa que não aguentar
mais ver o grande ativo local – negócios, negócios, negócios – ser
prejudicado.
A dinâmica dos protestos é parecida. Em 1989, os manifestantes de
Tiananmen também começaram, de forma limitada, prestando homenagens ao
recém-falecido Hu Yaobang, um companheiro de abertura de Deng Xiaoping,
como uma maneira indireta de reivindicar mais liberdade.
Foram, naturalmente, cada vez mais pedindo o impossível. O pânico das
lideranças atingiu o ápice quando apareceram na praça caminhões levando
operários do cinturão fabril de Pequim, com cartazes de apoio aos
“nossos estudantes”.
A decisão de reprimir os protestos, que tiveram na época o mesmo efeito contagiante, não foi fácil nem unânime.
Protagonista mais importante do racha na cúpula comunista, Zhao
Ziyang assim descreveu o desencadear da repressão: “Na noite de 3 de
junho, sendo no pátio com a minha família, ouvi um fogo pesado. A
tragédia que chocaria o mundo não tinha sido evitada e estava, afinal,
acontecendo.”
Zhao Ziyang ficou confinado em prisão domiciliar até morrer, em 2005.
Teve tempo suficiente para rever os conceitos defendidos em uma vida a
serviço da Revolução Comunista.
Os sistemas democráticos de países socialistas “são todos puramente
superficiais, não são sistemas em que o poder emane do povo, mas sim em
que este é dominado por poucos ou até uma única pessoa”, escreveu em
Prisioneiro do Estado.
Muitos antes de ser “devolvida”, Hong Kong já era amplamente usada
como entreposto financeiro, bancário e comercial da China comunista.
Sem contar os prazeres proibidos na era mais puritana, incluindo
cavalos, jogatina, joias, ópio, mulheres, mulheres e mulheres. Ou
qualquer outra variação desejada.
Um simples exemplo: o PIB per capita da China é de 9.700 dólares, um
prodígio para um país onde uma tigela de arroz por dia durante muitos
anos era considerado um benefício.
O de Hong Kong é de 38.700 dólares.
Ninguém quer arruinar isso, mas ninguém, nem mesmo Xi Jinping, tem poder sobre tudo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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