Sob arranjos multilaterais e sem compromisso com o ranço ideológico de
governos passados, Bolsonaro adota princípios liberais de política
exterior para integrar a economia do país ao mundo. Artigo de José
Augusto Filho, via Observador:
O Brasil parece ter um encontro marcado com a tradição diplomática
legada pelo Barão do Rio Branco, o mais longevo chanceler brasileiro
(1902-1912). Esta é a impressão após a estreia do presidente Jair
Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, de 22 a 25 de
janeiro. As promessas feitas à elite globalista mundial presente no
evento não deixam margem a dúvidas. No governo Bolsonaro, a política
exterior será baseada em princípios como solidariedade democrática,
pacifismo, respeito à soberania externa e ao direito internacional.
Historicamente formuladores sem vínculos político-partidários
definiam o conceito de política exterior a ser implementada sob
orientação do Executivo. Entretanto, os governos de Lula da Silva e
Dilma Rousseff alteraram substancialmente uma prática respeitada
inclusive pelo regime militar. Dessa forma, o programa do Partido dos
Trabalhadores (PT), de orientação marxista-leninista, passou a
influenciar a dinâmica do Itamaraty. O que era política de Estado cedeu
lugar à geopolítica de poder determinada pelo PT. O interesse nacional
do país foi confundido com as ambições egoístas de socialistas lunáticos
– verdadeira crônica de uma tragédia anunciada.
Em Davos, o assertivo discurso do presidente cumpriu o propósito de
tranquilizar a expectativa de potenciais investidores desejosos de
informações. Bolsonaro falou aquilo que o público qualificado esperava
ouvir. Não jogou para a plateia, não macaqueou como os típicos demagogos
de outrora. Foi direto ao ponto e revelou uma estratégia puramente
liberal para atrair capitais e tecnologia, carências persistentes desde a
independência em 1.822. Suas palavras soaram como música para os
ouvidos atentos de globalistas impacientes, que veem o Brasil um grande
player comercial.
Bolsonaro foi enfático ao prometer um ambiente de negócios favorável,
livre do emaranhado burocrático que hoje trava a vida de quem se
aventura no setor produtivo. “Vamos diminuir a carga tributária,
simplificar as normas, facilitando a vida de quem deseja produzir,
empreender, investir e gerar empregos. Trabalharemos pela estabilidade
macroeconômica, respeitando os contratos, privatizando e equilibrando as
contas públicas”, destacou.
Um dos pontos mais relevantes da fala do presidente foi admitir que o
país é relativamente fechado para o comércio internacional (Brasil
aparece em 153º lugar no ranking de liberdade econômica da Heritage
Foundation). Bolsonaro assumiu o compromisso de, até o final de seu
governo, colocar o país entre os 50 melhores para se fazer negócio no
mundo. A missão foi dada ao Ministro da Economia, Paulo Guedes, que
causou a melhor das impressões em entrevista concedida à Bloomberg TV,
em Davos.
Guedes declarou que a “prioridade número um” do governo é a aprovação
da reforma da Previdência e prometeu zerar o déficit público em 2019.
Num otimismo ainda maior, projetou arrecadar pelo menos US$ 20 bilhões
(cerca de R$ 75, 6 bilhões) neste ano com o programa de privatizações.
Como termômetro a medir o grau de assertividade dos políticos, o mercado
financeiro comemorou. A Bovespa atingiu nova máxima histórica, enquanto
as principais Bolsas mundiais operaram em queda. Da mesma forma, o Real
foi a moeda emergente que mais se valorizou.
Numa tentativa para desfazer o estigma de “antiglobalista” impingido
ao seu governo, o presidente ressaltou o compromisso de conciliar
desenvolvimento econômico com proteção ambiental. A promessa foi seguida
por uma declaração posterior de que o Brasil permanecerá no Acordo de
Paris sobre o clima. Essa decisão reforça a preferência por soluções
multilaterais. O peso da responsabilidade do cargo parece ter acalmado a
fleuma desafiadora dos membros jacobinos do governo, de mentalidade
nada cosmopolita.
Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não dispõe de recursos
próprios de poder suficientes para agir sempre autonomamente na arena
internacional. Acompanhar Donald Trump, inspirador do núcleo
“antiglobalista” do governo, seria uma imprudência punível com o
isolamento. Da mesma forma desastrosa, um alinhamento gratuito com os
americanos, cujos interesses e abordagem internacional muitas vezes
divergem daqueles dos brasileiros, reduz o poder de barganha do país em
disputas envolvendo os Estados Unidos e um terceiro.
Não menos importante, a ideia de subserviência a outro Estado parece
um tanto indigesta para os vários militares que ocupam postos-chaves no
governo. O receio de ver o Brasil enredado em compromissos
excessivamente constrangedores à soberania nacional faz do
multilateralismo a melhor alternativa no exterior. Neste caso, vale o
dito popular: vão-se os anéis e ficam os dedos. O Brasil é grande demais
para ser tutelado, porém incapaz de caminhar sozinho no anárquico
sistema de Estados.
Em Davos, o pragmatismo superou o ranço ideológico amiúde presente no
discurso de campanha de Bolsonaro. A disposição de aprofundar a
integração do Brasil com o mundo e a busca por soluções compartilhadas
para problemas comuns foi reforçada pela defesa da reforma da
Organização Mundial do Comércio (OMC). Mais que aproximar o país de
outros Estados ao abrigo de normas e regras, o segundo maior produtor de
alimentos global busca “eliminar práticas desleais de comércio e
garantir segurança jurídica das trocas comerciais internacionais”.
Arranjos multilaterais são essenciais para agilizar transações e
reduzir custos da exportação de commodities do agronegócio – setor que
representa cerca de 25% do PIB brasileiro. Da mesma forma, favorecem a
parte mais fraca em disputas com potências de ambições hegemônicas, caso
de China e Estados Unidos, respectivamente primeiro e segundo maior
parceiro comercial do Brasil. Quebrar barreiras protecionistas impostas
por americanos e europeus, por exemplo, é ponto nevrálgico da Rodada
Doha para abrir mercados aos produtos agrícolas brasileiros.
Entretanto, acordos bilaterais reivindicados por Bolsonaro devem
ganhar fôlego com uma provável flexibilização das regras do Mercosul.
Hoje não é permitido aos membros da organização realizar acordo de livre
comércio em separado com outros países. Em recente encontro com o
presidente da Argentina, Maurico Macri, Bolsonaro defendeu a
reformulação do Mercosul, visando abertura comercial, redução de
barreiras e eliminação de burocracias.
Como se vê, quando o tema é economia o governo Bolsonaro parece
render-se ao globalismo da elite cosmopolita mundial – uma vitória do
núcleo liberal liderado por Paulo Guedes e dos militares. Todavia, o
mesmo não se pode afirmar sobre questões culturais. Em matérias de
costumes pode prevalecer a visão conservadora do chanceler Ernesto
Araújo. Agendas desenvolvidas e patrocinadas pela Unesco, assim como
temas relacionados aos direitos humanos e migração, entre outros, tendem
a ser tratados de forma individualizada.
Desde que o liberalismo de Guedes prevaleça sobre o reacionarismo
presente em alguns integrantes da cúpula do governo, o Brasil promete
voltar-se para sua origem civilizacional no Ocidente. Uma decisão que
reafirma os valores iluministas que moldaram a ordem liberal do
pós-Segunda Guerra – ordenamento sob o qual o mundo está há mais de 70
anos livre de grandes guerras. Mais ainda, posiciona o país no campo das
democracias, dos defensores da liberdade e das sociedades abertas.
Trata-se, portanto, de uma defesa da razão, da ciência, do humanismo e
do progresso, na política doméstica e nos negócios estrangeiros.
Neste sentido, vale lembrar o alerta de Steven Pinker, pesquisador
liberal e cientista cognitivo norte-americano, aos que tentam arrastar o
Brasil para obscurantismo radical de esquerda ou de direita. No seu
mais recente livro, O Novo Iluminismo, Pinker ressalta: “As vantagens do
cosmopolitismo e da cooperação internacional não podem ser negadas por
muito tempo em um mundo no qual é impossível deter o fluxo de pessoas e
ideias”.
A diferença qualitativa de abordagem da política exterior de
Bolsonaro em comparação à estratégia de Lula da Silva salta aos olhos – o
chanceler Celso Amorim a denominou “ativa e altiva”. Na estreia do
petista em Davos, 2003, num longo discurso “para inglês ver”, prometeu
transparência e combater a corrupção. Entretanto, o ex-presidente foi
julgado, condenado e preso justamente por crimes ligados ao comando de
uma organização criminosa que saqueou o Brasil e impôs aos brasileiros a
mais profunda crise de sua história.
Enquanto Bolsonaro mira pertencer à Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), o projeto de poder lulopetista fez de
uma cadeira de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU a
cenoura que impulsiona os lunáticos socialistas na arena internacional.
Contrariamente à pregação de democracia, paz, justiça social e liberdade
de 2003, o Brasil de Lula e seus sequazes aproximou-se de ditaduras
sanguinárias – Cuba, Coreia do Norte, Irã e as persistentes tiranias
africanas.
Na América Latina, o Brasil passou à condição de avalista e
patrocinador do bolivarianismo. Entendido como espaço vital ao
crescimento e perpetuação do socialismo, o país foi colocado de joelhos a
dizer amém para as atrocidades cometidas na Venezuela e na ilha-prisão
de Fidel, matriz ideológica do bolivarianismo. Quando o regime de
Nicolás Maduro vive seus estertores, é indiscutível a contribuição do
governo Bolsonaro para o restabelecimento da normalidade na Venezuela.
Por outro lado, as manifestações de apoio de Rússia, China, Turquia e
outros autoritários recalcitrantes, inclusive do Hezbollah, são
vivamente reforçadas pela esquerda brasileira e pelo ensurdecedor
silêncio da classe “bem-pensante” de intelectuais e artistas.
Entretanto, para a mídia mainstream nacional e estrangeira, é
Bolsonaro quem representa risco à democracia e à liberdade. As asneiras
de redes de solidariedade em França e em Portugal, por exemplo, criadas
para oferecer asilo a quem se sentir perseguido pelo governo brasileiro,
são aclamadas pela imprensa. Não enxergam os incautos ativistas e
tresloucados jornalistas que quem continua a endossar, no Brasil, o
regime de terror de Maduro são exatamente os militantes e líderes
socialistas. Ou seja, o PT de Lula da Silva e seus satélites.
Parafraseando o magnífico diplomata Roberto Campos, a burrice não tem
fronteiras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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