MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

'O mais difícil é lidar com a dor das famílias', diz tenente Aihara sobre rotina em Brumadinho


Juliana Baeta
jcosta@hojeemdia.com.br
HOJE EM DIA
Militar, de 26 anos, participou das tragédias ocorridas em Mariana e Janaúba
Militar, de 26 anos, participou das tragédias ocorridas em Mariana e Janaúba
Sério, objetivo, claro e educado. O tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros em Brumadinho, é dono do rosto de semblante sereno que tem aparecido com frequência no noticiário, desde o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale. Em meio à enxurrada de lama, o militar, de 26 anos, tem se destacado por transmitir à população as informações sobre o ocorrido de maneira transparente e demonstrando segurança, sem se esquivar das perguntas dos jornalistas.
Isso se explica pelo grau de envolvimento e comprometimento com os trabalhos, assim como demonstram também os seus colegas designados para a missão. Ao todo, cerca de 600 bombeiros militares de Minas Gerais já passaram por Brumadinho. A corporação está na linha de frente das buscas e operações na região, mas também é responsável pelas articulações entre todas as forças envolvidas, pelo alinhamento das estratégias durante as missões e por reproduzir à imprensa as informações técnicas e humanas sobre o ocorrido.
O tempo médio de trabalho das equipes é de 10 a 12 horas por dia, mas alguns grupos que estão empenhados nas funções mais estratégicas podem ultrapassar 18 horas de trabalho diárias, como é o caso de Aihara. "Eu durmo cerca de duas horas por dia. No primeiro dia, eu nem dormi. Como é uma operação muito grande, a gente precisa de muitas reuniões para integrar esforços, planejar ações. E pelo fato de envolver muitas agências são necessárias muitas articulações interinstitucionais. Não só em termos de execução, mas também de planejamento, é uma operação muito difícil. Tudo o que puder ser feito para agilizar o resgate desses corpos deve ser feito", conta.
Em meio à rotina exaustiva de trabalho, o Corpo de Bombeiros tem equipes de médicos e psicólogos para identificar qualquer sinal de estafa física e mental nos militares. Após as operações, eles também fazem exames para avaliar se o contato com a lama não tem causado nenhum dano à saúde. As equipes que atuam diretamente na área quente fazem rodízio para que não fiquem desgastadas excessivamente. Elas estão acampadas nas proximidades do Córrego do Feijão para que possam iniciar os trabalhos de busca bem cedo, às 4h. Enquanto as aeronaves encerram os trabalhos após o sol se pôr, porque precisam da luz natural para atuar, as equipes terrestres continuam em campo até por volta de 22h.
bombeiros brumadinho
O trabalho de resgate é intenso e exaustivo
"Geralmente a gente tem três refeições por dia, o café, o almoço e o jantar, nem sempre no horário adequado porque às vezes a própria operação demanda algum tipo de sacrifício nesse sentido. Mas é algo que já faz parte da rotina dos bombeiros. Ocorrência não escolhe horário para acontecer. É algo que os militares já estão habituados e faz parte do treinamento, é a profissão que eles escolheram exercer. Então essas situações de restrição de sono, fome, temperatura são inerentes à atividade, que transcende a escolha profissional, é um princípio de vida e de valor humano", explica.
As doenças mentais que mais acometem os bombeiros são o estresse pós-traumático e o burnout, um estado de exaustão extrema decorrente de uma sobrecarga de trabalho emocionalmente excessiva.
"Os bombeiros são treinados e estão acostumados com essas situações, mas evidentemente ninguém é super-homem. Existe um limite de fadiga física e mental, que embora seja maior do que a da população em geral devido ao treinamento e conhecimento que temos, demanda uma preocupação. Quando identificamos um militar em situação de muito estresse ele é encaminhado para atendimento psicológico. Além disso, os bombeiros são monitorados a curto, médio e longo prazo, porque sabemos que algumas doenças podem aparecer depois do ocorrido", conta.
Repercussão
O rosto do tenente Aihara acabou ficando famoso, inclusive na imprensa internacional. Mas para ele é preciso ter cuidado para que isso não soe como uma preocupação em se promover. "Não tenho intenção em promover a minha imagem, o meu objetivo é reconhecer o trabalho que está sendo bem feito pela minha corporação. Em relação a minha postura com a imprensa, é uma postura de muito respeito com as atividades dos jornalistas e também em relação à dor dessas famílias que estão querendo informações, e muitas delas se informam por meio da imprensa. Acho que o mínimo que eu posso fazer para tentar diminuir o sofrimento delas é responder as informações de maneira verdadeira, sincera e objetiva", relata.
Pedro Aihara
Aihara ficou internacionalmente conhecido
Mas o que Aihara considera mais complicado não são todas as horas trabalhadas sem descanso, as adversidades e os esforços nas operações. O mais difícil para ele tem sido justamente lidar com a dor das famílias que perderam um ente querido após o rompimento da barragem. Para o tenente, quem merece todo o reconhecimento são as famílias. "Em relação a toda essa promoção, eu não acho que sou herói e nem quero ser visto dessa forma. Acho que heróis são as pessoas que, mesmo diante desta tragédia tão grande e de perderem pessoas tão próximas, conseguem reconstruir a vida e seguir em frente. Essas pessoas que merecem todo tipo de reconhecimento e aplausos".
"Até por conta dessa exposição, vários familiares chegam para conversar com a gente, expor uma situação difícil, e é natural que esta angústia chegue ao limite de um nível de estresse muito grande, e a gente se compadece. Tragédia não escolhe cor, classe social ou religião. Tem pessoas de todos os tipos ali, e da mesma maneira que a gente tem pais, mães e filhos, poderia ser uma irmã minha que estivesse naquela pousada, poderia ser meu pai ali, que inclusive, trabalha na área de mineração. Para mim isso é o mais difícil, lidar com a dor dessas pessoas de uma maneira profissional, porque perder um parente desta forma é algo imensurável", diz.
O bombeiro também atuou nas operações após o rompimento da barragem na região de Mariana e também no crime ocorrido em Janaúba, que tirou a vida de diversas crianças. "São situações incomparáveis. Mas embora Mariana tenha deixado maiores danos ambientais, a tragédia humana aqui (em Brumadinho) é muito grande, a gente já superou em muito o número de óbitos em Mariana. E não tem valor nenhum maior do que a vida humana. Eu sempre vi a tragédia por este ângulo, da tristeza que ela causa e da ausência com que essas pessoas que perderam familiares vão ter que lidar", conclui. Até o momento, em Brumadinho, são 84 ausências e este número vai subir ainda mais ao longo dos trabalhos.

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