"Não pretendo saber a resposta. Mas sustento que os factos estão a
refutar as respostas politicamente correctas que até aqui têm inundado a
comunicação social e os meios ‘bem pensantes’. Dizem eles que está a
ocorrer uma onda ‘nacionalista’, ‘soberanista’ e ‘extremista’ contra os
ideais ‘trans-nacionais’ ou ‘supra-nacionais’ ou ‘multiculturais’ da
democracia liberal". Artigo do professor João Carlos Espada, via Observador:
O eventual leitor deste texto terá sobre o autor a vantagem de poder
conhecer os resultados das eleições parlamentares de ontem na Suécia —
que eu não conheço ainda, quando escrevo este texto. Mas conheço as
sondagens e os alertas insistentes da melhor imprensa internacional das
últimas semanas sobre a hipótese de um segundo lugar, com perto de 20%
dos votos, para um partido radical anti-imigração (até agora
praticamente irrelevante).
Pode ser que os resultados não tenham confirmado as sondagens. Mas a
questão é esta: já não estamos a falar da Grécia, nem de Espanha, nem da
Hungria, ou da Polónia, nem mesmo de Itália, ou do sempre excêntrico
Reino Unido. Agora estamos a falar da ordeira, liberal e
social-democrata Suécia. Por que motivo estão os eleitores em revolta
contra os partidos clássicos — e ‘clássicos’, para mim, é um elogio —
nas democracias do Ocidente? E por que motivo essa revolta foi também
agora equacionada, pelo menos como hipótese, para a ordeira, liberal e
social-democrata Suécia?
Não pretendo saber a resposta. Mas sustento que os factos estão a
refutar as respostas politicamente correctas que até aqui têm inundado a
comunicação social e os meios ‘bem pensantes’. Dizem eles que está a
ocorrer uma onda ‘nacionalista’, ‘soberanista’ e ‘extremista’ contra os
ideais ‘trans-nacionais’ ou ‘supra-nacionais’ ou ‘multiculturais’ da
democracia liberal.
A primeira e fundamental questão que tem de ser colocada (e que venho
colocando suavemente desde pelo menos um artigo que publiquei em 2012
no Journal of Democracy)
é muito simples: por que motivo deveria o sistema de regras gerais,
que constitui a democracia liberal, ser identificado com um programa
substantivo particular, (como é o caso do ‘multiculturalismo’, ou
‘governação supra-nacional’ ou ‘abertura total à imigração’)?
A identificação da democracia com um programa substantivo particular é
um erro grosseiro que remonta pelo menos à funesta revolução francesa
de 1789 e à versão continental do Iluminismo que a inspirou. Nesta
interpretação, a democracia não deveria ser apenas um sistema de regras
gerais, imparciais e iguais para todos, que pudesse garantir a
concorrência pacífica e a alternância parlamentar entre propostas e
partidos rivais. Na interpretação de 1789, a democracia devia ser uma
‘correcta libertação’ do povo contra preconceitos e tradições que até aí
o tinham oprimido (ainda que, curiosamente, como recordou Isaiah
Berlin, por sua própria vontade).
O resultado é conhecido. Em vez da tranquila e civilizada
concorrência e alternância de propostas e partidos rivais no Parlamento
(como acontece em Westminster há pelo menos 329 anos), tivemos no
continente europeu guerras tribais entre seitas rivais, revoluções e
contra-revoluções. E tivemos pobríssimas guerras ideológicas entre
primitivos extremismos rivais — usando comuns linguagens rudimentares,
de gosto pelo menos duvidoso. Por outras palavras, os extremos
alimentaram os extremos.
É isto que está a voltar a acontecer. Como escreveu o
norte-americano William Galston na mais recente edição da britânica The
Spectator, ‘um internacionalismo desenfreado alimentará a sua
antítese: um nacionalismo desenfreado’. Este foi também o argumento que
ele apresentou — sob o título, ‘Em defesa de um patriotismo razoável’
— na Palestra Memorial Ralf Dahrendorf, na mais recente edição do
Estoril Political Forum. Sintomaticamente (para quem reparou) o título
global deste Estoril Political Forum precisamente recusava a dicotomia
infeliz entre nacionalismo e internacionalismo. Por isso se chamou ‘Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia’.
Por outras palavras, se os partidos clássicos aceitarem a errónea
identificação da democracia liberal com a utopia supra-nacional e a
imigração ilimitada, alguém vai aparecer no mercado eleitoral para
oferecer o que os partidos clássicos não oferecem: a defesa do legítimo
sentimento nacional. Só que esse ‘alguém’ vão ser partidos e/ou
candidatos marginais, muitas vezes extremistas — que vão demagogicamente
ocupar o espaço deixado vazio pelos partidos clássicos e pela sua
incapacidade de defenderem um ‘patriotismo razoável’
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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