É sempre um prazer reproduzir aqui a coluna semanal de Alberto Gonçalves, publicada aos sábados no Observador,
desta vez se referindo às eleições brasileiras, com deputadas
portuguesas ("caseiras", diz ele) caindo no ridículo #EleNão, que atraiu
até a obamo-hillarysta Madonna. Divirtam-se com este excelente texto, à
portuguesa:
Acto I
O momento redentor da semana foi a fotografia, ampla e merecidamente
divulgada, de um conjunto de deputadas caseiras em protesto. Dado que o
protesto de parlamentares de partidos que ou estão no governo ou
influenciam o governo não faz muito sentido, as deputadas resolveram
protestar contra os acontecimentos internos de um país estrangeiro. No
caso, o Brasil. O facto de isso fazer ainda menos sentido não perturbou
as senhoras, que interromperam o expediente para posar para o boneco com
slogans a recusar a candidatura de um sujeito às presidenciais de lá,
ao que sei legalíssima. Ou seja, enquanto as autoridades brasileiras
aceitam o sujeito, dúzia e meia de ociosas portuguesas não pactuam com
tamanho escândalo e desabafam através de “hashtags” (uns gatafunhos
precedidos por um “#”). Ignoro se, de agora em diante, as ociosas
tencionam emitir sentenças acerca de todas as eleições a realizar no
planeta. Se tencionarem, avisem que tem piada.
Aliás, tem imensa piada. A fotografia, a que vale a pena regressar e
que vale a pena contemplar, é um mimo. Dentro de São Bento, presume-se,
algumas deputadas exibem o rosto fechado (porque a hora é grave). Outras
riem desalmadamente (porque a gravidade é descontraída). Algumas
levantam cartazes. Outras não tiveram direito a cópia. Quase todas
parecem vestidas pelo costureiro dos UHF. Todas parecem estar ali de
livre vontade. E eu agradeço-lhes a coragem.
#EleNão: deputadas portuguesas juntam-se à campanha contra Bolsonaro
Uma pessoa dotada de compaixão perderia uns minutos a imaginar a
série de tragédias e equívocos que corroeram a vida de uma infeliz a
ponto de a deixar, aos 30, 40 ou 60 anos, naqueles preparos, convencida
da sua própria importância e de que segurar um papelinho com a frase
“#EleNão” é uma actividade compatível com a idade adulta. Mesmo para
deputados, a infantilidade é excessiva. À semelhança do que sucede nos
acidentes aéreos, é necessário que demasiadas coisas corram mal para se
acabar assim. Dramas familiares? Más companhias? Problemas clínicos?
Cabe aos especialistas decidir.
Por sorte, não sou especialista. Donde prefiro usufruir da fotografia
do que lamentá-la. Numa época em que, à conta de proibições e
susceptibilidade, o “politicamente correcto”, ou, mais exactamente, a
cruzada moralista ameaça exterminar a comédia, exemplos de humor
involuntário como o referido não se devem desperdiçar. Se não as
tomarmos a sério, leia-se se não formos maluquinhos, a falta de noção de
ridículo que as tais deputadas demonstram é genuinamente engraçada,
daquela escola do burlesco que uma ocasião levou o falecido comentador
Luís Delgado a exigir numa crónica: “Basta, senhor Clinton. Demita-se!”.
Só não são impagáveis na medida em que lhes pagamos os salários.
Acto II
O sr. Trump discursou nas Nações Unidas e lançou uma bazófia que
motivou alguns risos na sala – inclusive o do próprio –, seguidos de
alguns aplausos. As rotativas, figuradas, pararam num ápice: segundo a
generalidade dos “media”, o mundo riu convulsivamente do sr. Trump. Não
importa que, no caso, “o mundo” se resuma a umas dúzias de diplomatas
obscuros. O que importa é mostrar que “o mundo” partilha o exacto
desprezo pelo sr. Trump que leva certos jornalistas com agenda e
comediantes sem talento a torcer impecavelmente a informação até obter o
efeito desejado (os engajados não gostam de se engajar sozinhos).
De qualquer modo, a verdade é que a assembleia-geral da ONU se encheu
para assistir ao sr. Trump e, no dia seguinte, se esvaziou para não
assistir ao prof. Marcelo. Talvez os diplomatas receassem, em vez da
galhofa anterior, ser esmagados pela densidade intelectual do nosso
estimado presidente e arranjarem, no mínimo, uma hérnia. Fizeram bem.
Como nós sabemos e os estrangeiros pelos vistos suspeitam, o prof.
Marcelo já costuma exibir uma retórica riquíssima em clichés e
vacuidades. Em Nova Iorque, então, a solenidade do momento e a sala
repleta de moscas inspiraram-no a reforçar a dose, numa lengalenga
profunda a que não faltaram o “multilateralismo”, a paz, as “alterações
climáticas”, os refugiados, o eng. Guterres, a igualdade de género, o
sr. Mandela e os oceanos. Foi muito bonito. E um aperitivo para o
encontro ao mais alto nível com o presidente do Palau, que o mundo não
pára, leia-se não pára de rir do sr. Trump. E os portugueses riem ainda
mais, mesmo que não saibam do quê.
Acto III
Um sorteio, como nas rifas, enxotou o juiz Carlos Alexandre do
processo do “eng.” Sócrates. Convinha que a Justiça definisse um rumo, a
bem dos cidadãos. Falo, em particular, dos cidadãos que, ainda há
meses, julgaram que o caso estava perdido e desataram a confessar na
imprensa a traição que o “eng.” Sócrates lhes infligiu. É verdade que,
após longos anos a defender a seriedade do homem contra as “cabalas” da
praxe, a mudança estratégica caiu um nadinha aos trambolhões.
Entretanto, porém, já nos habituáramos à ideia de que as namoradas, as
viúvas, os discípulos, os simpatizantes e outros companheiros de luta do
Menino que Sonhava com Ventoinhas haviam de facto sido iludidos e nunca
sonharam nem com ventoinhas nem com as incontáveis falcatruas de que o
Menino é alegado autor. Agora, lá terão essas pobres almas que rever
novamente o texto e provar à humanidade que sempre estiveram ao lado do
Menino, um génio, um santo e o maior estadista a alguma vez ter
frequentado um apartamento do amigo Carlos. Ao trabalho, minha gente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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