Lula se vê
reduzido hoje a contar com gente que queima pneu nas ruas para fechar o
trânsito por algumas horas, e diz que isso é um ato de "resistência". J. R. Guzzo:
Ninguém
consegue ganhar uma guerra acumulando derrotas. O ex-presidente Lula
começou a perder a sua guerra quando 500.000 pessoas foram há menos de
três anos à Avenida Paulista, em São Paulo, protestar contra a corrupção
e dizer claramente, no fim das contas, que estavam cheias dele. Cheias
dele e do PT, dos seus amigos ladrões que acabaram confessando crimes de
corrupção nunca vistos antes na história deste país e das desgraças que
causou ─ incluindo aí, como apoteose, essa trágica Dilma Rousseff que
inventou para sentar (temporariamente, esperava ele), em sua cadeira.
Lula, na ocasião, não reagiu. Achou que deveria ser um engano qualquer:
como seria possível tanta gente ir à rua contra ele? Preferiu se
convencer de que tudo era apenas um ajuntamento de “coxinhas”
aproveitando o domingão de sol. Acreditou no Datafolha, cujas pesquisas
indicavam que não havia quase ninguém na Paulista ─ parecia haver, nas
fotos, mas as fotos provavelmente estavam com algum defeito. Seja como
for, não quis enfrentar o problema cara a cara. Preferiu ignorar o que
viu, na esperança de que aquele povo todo sumisse sozinho. Enfim: bateu
em retirada ─ e assim como acontece com as derrotas, também não se pode
ganhar guerras fazendo retiradas.
Lula não
ganhou mais nada dali para frente. Foi perdendo uma depois da outra, e
recuando a cada derrota. Pior: batia em retirada e achava que estava
avançando. Confundiu o que imaginava ser uma “ofensiva política” com o
que era apenas a ira do seu próprio discursório. O ex-presidente, então,
mobilizava exércitos que não tinha, como o “do Stédile”. Fazia ameaças
que não podia cumprir. Contava com multidões a seu favor que não
existiam. Imaginava-se capaz de demitir o juiz Sérgio Moro ou de deixar o
Judiciário inteiro com medo dele, e não tinha meios para fazer nenhuma
das duas coisas. Chegou a supor, inclusive, que poderia ser ajudado por
artistas mostrando plaquinhas contra o “golpe” no festival de cinema de
Cannes ─ ou pela “opinião pública internacional”, o costumeiro rebanho
de intelectuais que falam muito em inglês ou francês, mas resolvem tão
pouco quanto os que falam em português. O resultado é que o mundo de
Lula girava numa direção, e o mundo das coisas concretas girava na
direção contrária. Sua comédia só poderia acabar como acabou: com a sua
condenação, pela segunda vez em seguida, por crime de corrupção, e agora
não mais por um juiz só, mas pelos três magistrados do TRF-4 de Porto
Alegre. Pior impossível: perdeu por 3 a 0.
Derrotas,
sobretudo quando não entendidas, em geral têm dentro de si apenas a
semente de outras derrotas. Foi assim com o ex-presidente. Depois de
derrotado na Avenida Paulista e nas ruas do Brasil inteiro, Lula perdeu o
apoio que tinha no Congresso. As gangues de assaltantes do erário que
formavam a sua “base aliada” começaram a largar de Lula em busca de um
novo futuro ─ e ele não conseguiu segurar essa tropa. Tome-se um Geddel
Vieira de Lima, por exemplo ─ esse dos 50 milhões enfurnados num
apartamento de Salvador e residente na cadeia desde setembro do ano
passado. Foi ministro de Lula durante três anos inteiros, depois peixe
graúdo no governo Dilma ─ e mesmo assim o nosso gênio da “engenharia
política” não conseguiu segurar o seu apoio. Geddel é apenas o
representante clássico de todos; há centenas de outros e de outras.
Lula, embora contasse com a máquina do governo Dilma a seu favor, foi
perdendo todos ─ e deixou-se ficar em minoria no Congresso. Perdeu,
também, quando foi levado por uma escolta armada para prestar depoimento
na polícia. Não se ouviu, na ocasião, um pio em seu favor por parte da
massa de brasileiros reais; descobriu, chocado, que podia ser enfiado
num camburão de polícia a qualquer momento ─ e ninguém estava ligando a
mínima para isso. Foi derrotado, não muito depois, quando tentou
nomear-se “ministro” de Dilma e arrumar para si o infame “foro
privilegiado” que, na opinião da massa, é apenas um esconderijo de
ladrões que querem ficar livres da justiça. Foi derrotado de novo, logo
em seguida, quando ficou claro que o seu lado não tinha força para fazer
nem isso.
Lula
sofreu mais uma derrota pavorosa, até ali a pior de todas, quando Dilma
conseguiu o prodígio de ser deposta da presidência da República por 367
votos contra 137, na Câmara de Deputados ─ nada menos que 71,5% dos
votos disponíveis, sem falar no seu naufrágio por 61 votos a 20 no
Senado Federal, num total de 81 senadores. Para qualquer político, seria
um aviso que o seu lado estava na mais miserável minoria; não tinha
força para exigir nada, e muito menos para derrubar no grito o sistema
Judiciário do Brasil, só porque estava sendo incomodado por um juiz de
direito de Curitiba. Para Lula, não houve nada. Como o seu partido,
disse que tudo foi um simples “golpe” e que a CUT, a UNE, o MST, os
bispos, os sem teto e os etcs. jamais iriam aceitar isso. Somados, não
juntavam três estilingues ─ mas Lula achou que conseguiriam salvá-lo.
Daí para diante foi apenas de mal a pior. Quis enfrentar o juiz Sérgio
Moro num concurso de popularidade. Perdeu. Quis se safar com
truquezinhos de advogado. Não deu certo. Tentou passar recibos falsos.
Falhou de novo.
Mais que
tudo, Lula nunca percebeu que o Brasil, apesar de todos os seus
atrasos, já saiu um pouco do século XIX. Como José Sarney, Renan
Calheiros e o restante do Brasil da senzala, não conseguiu entender que
existe hoje, na vida real, uma parte do sistema de Justiça que não
depende de quem manda no governo, como foi durante séculos. Poder
Judiciário, para Lula, é uma força auxiliar dos donos do governo, dos
que têm influência e bons “índices de pesquisa”. Estão lá para
“acertar”, ajudar e resolver. Tem um juiz atrapalhando? Tira o juiz. É
Maranhão puro. No seu caso, quando enfim se deu conta que não estava
funcionando assim, entrou em pane ─ “espanou”, como se diz, e perdeu de
vez o rumo. Ao fim, veio a derrota mais arrasadora, do seu ponto de
vista pessoal. Foi condenado como ladrão, e demolido de vez, agora, com o
aumento da sua sentença de 9,5 para 12 anos de cadeia no Tribunal que
está acima de Moro ─ com provas que não podem mais ser contestadas. Fim
da história ─ sem contar a batelada de processos penais que ainda tem
pela frente.
Lula se
vê reduzido, hoje, a contar com gente que queima pneu na rua para fechar
o trânsito por umas tantas horas, e diz que isso é um ato de
“resistência” política. Põe na praça manifestantes que correm da
polícia. Manda milícias sindicalistas proibir que trabalhadores entrem
em seus locais de trabalho ─ frequentemente, acabam apenas levando uns
tapas e desistem de seus piquetes. Pode, como sabotagem, organizar
greves de funcionários públicos; mas isso só funcionaria se as greves
durassem pelo resto da vida. Pode, também, tumultuar as eleições. No
mais, sobram-lhe os “intelectuais”, artistas da Globo que assinam
manifestos, a classe média urbana que não precisa pegar no pesado e a
elite milionária ─ que tem aí mais uma oportunidade de fingir-se de
“esquerda civilizada” sem correr risco nenhum. Não é grande coisa. Não
dá para fazer uma revolução bolivariana. Não dá para tomar de volta o
Brasil.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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