O editor Carlos Andreazza publica, no Globo,
artigo sobre "O cálculo de Lula", observando que a intenção do tiranete
é "martelar-se como vítima para seu público. Vitimizar-se somente, no
entanto, não basta para sustentar discurso competitivo até a eleição. Aí
que entra o zumbi PT". Agora vou dar três toques na madeira:
Há quem aponte o
fiasco petista na eleição municipal de 2016 como sinal de que Lula não
teria força para uma campanha em 2018. Trata-se de grave erro de
leitura, decorrente da compreensão de que PT e seu fundador seriam o
mesmo. Não são. Sim: o PT é Lula. Ele, contudo, é também o partido — mas
isso apenas para o exercício de propriedade em que o criador se serve
da criatura. O PT morreu como organização política. Serve ainda, porém,
como caixão — mais um — sobre o qual seu senhor arma palanque.
Na semana passada,
classificou-se como fracassado um ato em São Paulo — com a presença do
ex-presidente e em desagravo a ele — que não reuniu mais que duas mil
pessoas. Entendo que a percepção imediata seja essa. Se a expectativa
era por um comício do catalisador que Lula foi em 1989 (e, ainda
enganando, até 2002), o fracasso fica tão evidente quanto a inocência da
expectativa. Já não há ilusões acerca do ex-popular. Isso não significa
que não tenha votos nem que sua pregação, convertidos. Se é provável
que os 20% de lulistas convictos tenham se tornado minoria silenciosa,
certo é que votarão — incondicionalmente — nele. Certo é também que um
candidato não precisará de muito mais para estar no segundo turno em
2018.
Hoje, o que interessa
a Lula é menos a concentração de audiência num evento — menos cultivar a
própria mitologia — do que a frequência de oportunidades para repetir
sua narrativa entre os seus. Não interessa se para jornalistas
puxa-sacos, se para rádios dos grotões ou se para um milhar de
mortadelas, a intenção de Lula ao falar é apenas uma: martelar-se como
vítima para seu público.
Vitimizar-se somente, no entanto, não basta para sustentar um discurso competitivo até a eleição. Aí que entra o zumbi PT.
Imposta como
presidente petista por Lula, Gleisi Hoffmann é símbolo representativo do
cadáver em que se putrifica o PT. Há quem relacione o grau a mais no
tom de histeria da senadora — confundido com ascensão política — à
definição de que seria ela o plano B do partido caso Lula não possa
disputar a eleição. Trata-se novamente de grave erro de leitura,
decorrente da compreensão de que o PT teria existência sem ele. Não
teria. Não há plano B.
O próprio
protagonismo de Gleisi é ilustrativo do processo acelerado de
autodestruição a que Lula submete o PT para sobreviver individualmente
e, com sorte, reencaixar seu projeto de poder — o partido desmorona
enquanto seus escombros lhe servem de plataforma ao derradeiro comício.
Nessa ruína, sim, Gleisi foi a escolhida. Não como alternativa
presidencial. Mas como boi de piranha — agente detonadora da
radicalização do discurso petista.
Mero utensílio
tático, a senadora verbaliza a estratégia traçada pelo ex-presidente.
Enquanto ele viaja Brasil adentro se vitimizando profissionalmente e se
apregoando como candidato suprapartidário da esquerda, ao partido cabe
se atirar ao precipício do ataque raivoso, cuspir fogo na gasolina
esquerdista, reinventar a tal elite opressora, disparar contra a
imprensa e, sobretudo, centrar munição em Sergio Moro. Tudo para
robustecer as circunstâncias necessárias a uma campanha eleitoral como
jamais houve, judicializada, a ser esgrimida nos tribunais pelo senso de
oportunismo lulista — o ambiente incerto, institucionalmente miserável,
em que um tipo como Lula cresce.
O PT afunda, como escada na lama, para que ele, acima de partidos, suba.
Qualquer outro em seu
lugar estaria liquidado para as urnas. Por muito menos, Aécio Neves
está. Condenado a quase dez anos de prisão, ainda assim Lula encontrou a
vereda — a politização de sua condição de réu — por meio da qual
avançar, trilha facilitada pela seletividade, pelo açodamento e pela
incompetência do Ministério Público Federal. Ele deve ser grato a Janot.
Em primeiro lugar, pela obra de ficção em que consistiu a caguetagem
dos donos da J&F, lá onde uma história de crescimento empresarial
anabolizado por 13 anos de gestão petista revela como bandido
protagonista, entretanto, o PMDB de Temer. Em segundo lugar, pela
difusão influente de que entre os crimes cometidos pelos políticos não
haveria diferenças — como se a prática generalizada de caixa dois
pudesse ser ombreada ao assalto ao Estado, promovido pelo petismo, para
permanecer no poder. Em terceiro lugar, pela qualidade precária das
denúncias relativas à Lava-Jato, flagelo em que se destaca a deturpação
da delação premiada, que, de ponto de partida para aprofundamento
sigiloso de investigação, deformou-se em fim vazado de si mesmo — como
se a fala isolada de alguém contra outrem pudesse ter peso de prova. Deu
no que deu.
Não importa a
verdade. Não importa a sentença de Moro. Lula é o injustiçado, aquele
contra quem não há prova material — não é essa a narrativa? Não importa a
verdade. Ele é o perseguido, aquele cuja eventual ausência entre os
postulantes a presidente será fraude. Não importa a verdade. Este é um
amanhã enfiado goela abaixo do brasileiro por Lula, mas graças a Janot e
turma: a campanha será disputada nos tribunais, ele será candidato — e
já está no segundo turno.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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