O ex-embaixador Rubens
Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio
Exterior, faz lúcido questionamento à profissionalização da política. O
político profissional tende a enfraquecer a própria representatividade.
No Brasil, a política virou profissão no mau sentido. Artigo publicado
no Estadão:
O episódio lamentável
da ocupação da Mesa Diretora do Senado – que serviu até de mesa de
almoço – por senadoras que se opunham à aprovação da reforma
trabalhista, contra todos os princípios de comportamento parlamentar,
levou-me a reflexão sobre a atuação dos políticos na sociedade
brasileira. Certamente, as nobres senadoras desconhecem uma das regras
básicas na política, recomendada pelo cardeal Mazarino, homem público
contemporâneo de Luís XIV, em seu Breviário dos Políticos, segundo a
qual “é perigoso ser muito duro nas ações políticas”. A arte da
política, como ensinou Maquiavel, consiste em organizar e superar as
divergências entre partidos e pessoas, sem o que reinarão o conflito e a
anarquia.
Max Weber, sociólogo
alemão, assinalou que os políticos vivem “de” e “para” a política e que
ela é não só uma vocação, mas também uma profissão. Uma vez entrando na
política, são raros os que dela se afastam. Essa situação não existia na
democracia ateniense. A regra era o sorteio, e não a eleição dos
cidadãos, havia uma rotação de funções e as responsabilidades passavam
de um cidadão para outro. Em alguns países essa situação ainda existe.
Na Suécia, por exemplo, a renovação é de 40% e muitos dos que entram
para a política depois retornam a suas atividades privadas.
Voltando para a nossa
triste realidade, não surpreende que nas pesquisas de opinião pública
aqui realizadas nos últimos anos seja justamente a classe política o
grupo menos considerado pela sociedade. Há uma crise de
representatividade. O grito das ruas é eloquente: “Eles não me
representam”.
Como explicar o
comportamento anárquico, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado
Federal, durante as discussões e votações de matérias de grande
interesse para cada cidadão e para o País, por serem reformas
modernizadoras que vão permitir ao Brasil acompanhar as tendências num
mundo em fase de grandes mudanças?
A política no Brasil
virou profissão no mau sentido. Na França o novo presidente, Emmanuel
Macron, classificou a política como um “negócio de profissionais
convictos”. Pelo que estamos vendo nos fatos apurados na Operação Lava
Jato, a palavra negócioganha uma atualidade impressionante.
No Brasil, é difícil
reconhecer na maioria dos políticos as três qualidade do homem público
lembradas por Max Weber: paixão, no sentido próprio de realizar;
sentimento de responsabilidade, cuja ausência os leva a só gozar o poder
pelo poder, sem nenhum propósito positivo; e senso de proporção, a
qualidade psicológica fundamental do político.
A profissionalização
da política causa crescentes riscos ao exercício de mandatos, seja no
Executivo, seja no Legislativo. A defesa das prioridades partidárias e
de seus próprios interesses leva os políticos em geral a atuar deixando
de lado o interesse nacional e o bem comum. De forma crescente, os
interesses corporativos passam a dominar os objetivos da classe
política, como temos podido observar nos últimos tempos. Além disso, com
o crescimento da economia o Brasil mudou de escala e as oportunidades
de negócios se tornaram muito atraentes, como vimos nos escândalos da
Petrobrás. Regras instáveis para as eleições, para o financiamento das
campanhas, para a criação e o funcionamento dos partidos, entre outros
aspectos, levam à confusão entre o público e o privado e à defesa de
interesses pouco republicanos. Aumenta o fosso entre o governante e o
governado, cai o nível cultural e instala-se a corrupção.
Como justificar a
permanência na vida política por tanto tempo? Muitos apontam para a
complexidade das matérias em pauta e a necessidade de conhecimentos
jurídicos, econômicos e outros que facilitariam a discussão de temas
especializados. Historicamente, a política iniciou-se como uma atividade
reservada à chamada elite rural e urbana e houve momentos em que só
participavam dela os alfabetizados e os que tinham certo nível de renda.
A democratização da vida política foi muito positiva, mas provocou
distorções que hoje afastam muitas vocações da militância partidária e
abre espaço para políticos que roubam para o partido, como assinalou o
juiz Sergio Moro. Há um apego aos mandatos porque a profissão política
oferece vantagem material e retribuição simbólica (sem falar narcisista)
de grandeza, autoestima, capacidade de sedução e do “sabe com quem está
falando”... O índice de renovação nas eleições proporcionais para o
Congresso é muito baixo, embora esteja crescendo (43% no último pleito).
A longa presença dos políticos na vida pública, com sucessivos mandatos
(há mais de 15 deputados com mais de seis mandatos e alguns com mais de
30 anos na Câmara), torna-se regra, agora ampliada pela eleição de
membros da mesma família (mulheres, filhos e outros parentes).
A França, depois a
última eleição presidencial, está discutindo reformas institucionais que
merecem ser acompanhadas pelos que se interessam pelo aperfeiçoamento
dos costumes políticos. Macron propôs na campanha ampla reforma
institucional. Eleito chefe de Estado, propôs algumas medidas visando a
reduzir a acumulação de cargos: os parlamentares não podem exercer
mandato nas Casas do Congresso e ao mesmo tempo ser nomeados para cargos
no Executivo. Em discurso perante os parlamentares, ousou propor a
redução do número de deputados e senadores em um terço e a reeleição a,
no máximo, três mandatos. Se os políticos não aprovarem essas medidas,
anunciou que vai convocar referendo para que o povo decida.
Eis uma agenda
política que, se aplicada no Brasil, mudaria o cenário nacional e
melhoraria a percepção dos eleitores quanto à representatividade e à
importância da renovação política. Procura-se candidato, com coragem,
para enfrentar esse desafio na eleição de 2018.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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