Por Folhapress | Fotos: Reprodução/TV Globo
No dia 3 de maio, Francisco de Assis e Silva abriu seu guarda-roupa e escolheu um paletó azul-escuro. A opção não era estética.
O diretor jurídico da JBS havia sido
orientado por policiais federais a usar um casaco que permitisse
disfarçar o volume dos gravadores que ele carregaria mais tarde junto ao
corpo.
Francisco protagonizaria naquela noite
uma ação controlada, nome dado a uma operação policial em que alguém
infiltrado grava um fato criminoso no momento em que ele acontece.
O executivo tinha um jantar na mansão de
Willer Tomaz, advogado contratado pela Eldorado Celulose, empresa do
grupo J&F, que controla a JBS. A Eldorado é alvo da Operação
Greenfield, que investiga desvios em fundos de pensão.
Tomaz, segundo o delator, dizia que
pagava R$ 50 mil mensais ao procurador da República Angelo Vilella, um
dos responsáveis pela Greenfield.
Os delatores da JBS não tinham provas dos
repasses a Vilella, mas Tomaz havia fornecido documentos sigilosos da
investigação e também o áudio de um depoimento de uma testemunha da
Greenfield, gravado pelo procurador. A ação tinha o objetivo de produzir
uma prova definitiva contra Vilella.
BRONCA
Dois meses antes, Joesley Batista, dono
da JBS, havia gravado escondido uma conversa com o presidente Michel
Temer. Joesley diz que fez a gravação por conta própria, sem ajuda de
policiais ou procuradores.
No diálogo com Temer, ele disse que
recebia informações sigilosas de pessoa do Ministério Público. "Consegui
um procurador da força-tarefa que também está me dando informação." Em
depoimento logo em seguida disse que aquela parte do diálogo era
bravata.
Joesley e seu irmão mais velho, Wesley
Batista, temiam que ao denunciar a corrupção de um colega dos
procuradores da República a delação pudesse naufragar. No final,
decidiram arriscar e contaram em detalhes o caso envolvendo Angelo
Vilella.
Os procuradores, de início, ficaram
enfurecidos com a omissão. Um deles, Sérgio Bruno, conhecido pelo vídeo
em que aplica uma pesada bronca em Emilio Odebrecht, dono da Odebrecht,
ameaçou interromper as tratativas.
A conversa foi tão pesada que Francisco
segurava nas pernas dos irmãos Batista para que eles não reagissem.
Assim que Bruno fez uma pausa, Joesley disse que denunciar Vilella era
prova de confiança na conduta dos procuradores, não o contrário.
Aparadas as arestas, os investigadores decidiram então pelo encontro de Francisco de Assis com Tomaz e Vilella.
MEDO
Francisco estava a caminho da sede da
Polícia Federal quando pipocou na tela do celular o alerta de mensagem
do WhatsApp: "você foi adicionado ao grupo Festa 01".
Havia sido criado por ordem do delegado
Josélio de Sousa e tinha, além dele e de Francisco, agentes federais e o
procurador Eduardo Pelella, braço direito do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot.
Francisco chegou à PF às 17h30 e durante
três horas recebeu orientações para o momento do jantar. Agentes
esconderam nele três equipamentos de gravação. Um gravador, de espessura
muito fina, foi enfiado dentro da carteira. Dois outros foram colocados
nos bolsos dianteiro e lateral da calça. Sem contar aos investigadores,
o executivo levava um gravador próprio no bolso do paletó.
Um policial perguntou a Francisco se ele
temia algo. "São dois medos. O primeiro é de ser morto. O segundo é de
apanhar", respondeu.
O executivo chegou à mansão do advogado,
no Lago Sul, região nobre de Brasília, às 21h13. Fingiu que falava com a
filha ao celular e fotografou o advogado e o procurador na mesa. Enviou
a imagem para o Festa01.
O grupo de WhatsApp era o único canal de
contato do infiltrado com os policiais. Se algo desse errado, Francisco
teria que se virar sozinho.
Durante o jantar, ele apenas bebericou o
vinho servido pelo garçom. Tomaz talvez tenha percebido seu nervosismo.
Dizendo que havia excesso de formalidade à mesa, fez menção de levantar
para tirar o paletó do convidado. Francisco se adiantou e colocou o
casaco no espaldar da cadeira. Tomaz desconfiou.
Já sob efeito do vinho, Tomaz fez um gesto em direção a Francisco.
Com os dedos indicador e médio formando
um "v", ele apontou para os próprios olhos e depois para o executivo e
disse: "tô de olho no que você está fazendo".
Mas não chegou a perceber que estava sendo gravado.
O jantar terminou às 23 h. Francisco foi
embora em um carro que pediu por um aplicativo de celular. Percebeu que
era escoltado por policiais federais.
Os investigadores devem ter estranhado
que ele, ainda com os equipamentos no corpo, tenha parado no caminho.
Joesley e Wesley o esperavam no Bierfass Gilberto Salomão, restaurante
ali mesmo no Lago Sul. Francisco tomou uísque e chope para se acalmar,
mas passou a noite em claro.
Só no dia seguinte, entregou aos
investigadores a gravação que ajudaria colocar na cadeia Angelo Vilella e
Willer Tomaz, os únicos ainda presos em decorrência das denúncias dos
executivos da JBS. Da prisão, os dois se dizem vítima de armação.
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