Um ano depois do Brexit,
os ingleses continuam com a cabeça no lugar, só se permitindo alguns
momentos de delírio, com "chapéus enlouquecidos" - e apesar da birra de
franceses, alemães e tutti quanti. Texto de Vilma Grysinski (Veja.com):
Os perdedores
continuam chorando como bezerros desmamados. A cabeça de Theresa May
continua por um fio. Franceses, alemães e outros continuam a fazer
birra.
E o povo britânico
continua com a cabeça no lugar – só se permitindo uns momentos de
delírio, manifestados em chapéus enlouquecidos, durante a temporada de
corridas de cavalo, o carnaval deles.
Um ano depois do
plebiscito que aprovou a saída da União Europeia, a situação é a
seguinte: 45% dos eleitores que votaram pelo Brexit continuam querendo;
23% que votaram contra, acham que o governo precisa seguir o desejo da
maioria; 22% continuam sendo contra, mesmo que isso contradiga o voto
popular.
Ainda são altas,
embora ligeiramente menos do que há apenas poucos dias, as
probabilidades de que a primeira-ministra Theresa May seja tirada pelo
próprio partido, uma das vantagens do sistema parlamentarista para os
casos de governos que se tornam impopulares.
Só para lembrar: ela
seria substituída por outro líder escolhido pelo Partido Conservador, o
qual, nem se fosse suicida, poderia tentar o Brexit light, uma versão
atenuada da separação. Sair é sair e May foi tratar disso na Bélgica.
TRAGÉDIAS IMAGINÁRIAS
A ideia de que ela
seria “humilhada” é mais fruto da imaginação da turma do chororô. Como
deveria ter feito desde o começo, May propôs que todos os cidadãos
europeus radicados no Reino Unido até março passado, quando ela invocou a
cláusula de ruptura, poderão continuar desfrutando dos mesmos
benefícios.
A expulsão em massa
de cônjuges e criancinhas, entre outras tragédias imaginárias, foi mais
uma das muitas bobagens dos inconformados com o Brexit. E é claro que os
mais de 900 mil britânicos vivendo em outros países da União Europeia
precisarão ter tratamento equivalente.
Também seria absurdo
se a questão dos cidadãos europeus residentes ficasse sob a jurisdição
do Tribunal Europeu de Justiça. O principal motivo da aprovação da saída
foi o excesso de intervenção de organismos europeus em esferas da
soberania nacional britânica.
Mas os
burocratas-chefes europeus estão se achando. Querem jogar para a plateia
– o público remanescente nos países da União Europeia que, na proporção
de 65%, apoiam um tratamento severo para a Pérfida Albion.
Jean-Claude Juncker
sempre fez este estilão e Donald Tusk só pensa naquilo – voltar para a
política de seu país, a Polônia, e ser primeiro-ministro. Mas, quando
pesam na mão, provocam o efeito contrário: muitos ingleses se sentem
aliviados com a hipótese de que se livrarão de uma burocracia
super-turbinada.
A conversa do momento
é um tal de PESCO, ou Cooperação Permanente Estruturada, uma espécie de
proto-exército europeu. Muitos britânicos preferem continuar com seu
exército mesmo. Ainda por cima, o novo leviatã burocrático soa como
Tesco, a rede de supermercados populares, nada muito inspirador. Nem
marcial.
MODELO VENEZUELANO
O grande balanço da
opinião popular feito um ano depois do plebiscito mostra que as três
maiores preocupações com o Brexit são na esfera econômica: aumento de
preços (30%), queda nos investimentos (27%), dificuldades no comércio
externo (25%).
Curiosamente, do lado
dos pontos positivos, os que vêem mais oportunidades nas trocas
comerciais chegam perto de 35%. Queda na imigração (25%) fica em segundo
lugar, mais dinheiro para serviços (18%) em terceiro.
Punida por ter
deixado o sucesso subir à cabeça, Theresa May ainda é considerada a
melhor líder para conduzir o Brexit por um terço da população – uma
queda dolorosa dos 48% de que desfrutava, ainda mais quando comparada à
subida de Jeremy Corbyn.
O líder do Partido
Trabalhista, que aumentou o número de deputados na eleição provocada
pelo entorpecimento de May com o poder, tem um programa destinado a
destruir o país em todas as esferas, incluindo uma nacionalização de
indústrias extraordinariamente parecida com a feita na Venezuela. Nada
como querer imitar modelos de sucesso.
Com uma diferença
vital: se Corbyn se tornasse primeiro-ministro, dificilmente conseguiria
colocar em prática as insanidades prometidas.
A estabilidade
embutida no sistema foi o sustentáculo que segurou o país nas últimas
crises: três atentados terroristas sucessivos, praticados por
extremistas islâmicos. Depois, um atentado de “vingança”, contra
muçulmanos que saiam de uma mesquita feito por um desequilibrado.
MASSA DE MANOBRA
O “efeito maluco” não
pode ser desprezado. Antes do atropelador da mesquita de Finsbury Park,
que tinha seis tentativas de suicídio no currículo, outro doente mental
assassinou uma deputada trabalhista, Jo Cox. Nos Estados Unidos, teve o
caso recente da tentativa de assassinato de vários políticos
republicanos durante um treino de beisebol. O Estado Islâmico também
costuma atrair e manipular desequilibrados mentais.
Além dos atentados,
com o potencial de provocar o pior dos pesadelos para as autoridades –
confrontos diretos entre diferentes comunidades -, Theresa May ainda deu
o azar do grande e ainda inexplicado incêndio de um edifício popular
recém-reformado.
A revolta natural
diante da extensão e da rapidez do fogo que consumiu 79 vidas foi
rapidamente explorada por políticos de varias tendências de esquerda.
Entre os quais, o próprio Corbyn, que propôs a ocupação de imóveis de
luxo para desabrigados.
Atém de perder tanto
no incêndio, os sobreviventes da Grenfell Tower se tornariam assim
tomadores de coisas dos outros e massa de manobra de candidatos a
revolucionários.
EXPLOSÃO EMOCIONAL
Como Theresa May é a
primeira-ministra, a culpa acaba em seu colo, ainda que não tenha nem um
centímetro de responsabilidade pelo uso de um revestimento inflamável,
considerado no momento a causa principal da fúria devastadora do fogo.
Ela foi acusada de
insensibilidade durante uma visita ao logo, na qual “apenas” falou com
bombeiros. Quem assistiu o filme A Rainha, lembra-se da narrativa
principal, baseada em fatos reais: diante da morte chocante da princesa
Diana, a rainha Elizabeth levou os netos e a família mais próxima para a
Escócia.
Foi Tony Blair, o
primeiro-ministro de lábia hábil, quem convenceu a rainha a voltar para
Londres e fazer uma manifestação pública de sentimento – algo bastante
difícil nas classes altas ou médias da Inglaterra. O povo estava com
raiva e exigiu que a família real, tão hostil a Diana, exibisse luto.
Sabe-se agora que,
apesar das cenas registradas em vídeo na qual Elizabeth recebe flores e
acenos discretos ao circular diante do palácio que havia virado
monumento temporário a Diana, ela, tão acostumada a ser amada, sentiu
muita agressividade naquele dia.
A morte de Diana
completará vinte anos no próximo dia 31 de agosto. O furor emocional que
tomou o país na época há muito passou. As últimas semanas, com crianças
estraçalhadas por um homem-bomba ou queimadas num incêndio hediondo,
lembraram em alguma coisa a mesma explosão pública de sentimentos.
Não existe um único
motivo para se acreditar que não haverá outros atentados. E outros
políticos de carreira subitamente abreviada. E, felizmente, Ascot, um
lugar onde só explodem os chapéus e o encantador mau gosto da plebe.
Comentar os vestidos feios e os adornos extravagantes traz um enorme
alivio nacional.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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