Da grande imprensa aos artistas e comediantes, todos jogam pelo impeachment de Trump. Matéria de Vilma Gryzinsky (Veja.com):
Em primeiro lugar,
muito cuidado com as falsas analogias. As palavras “presidente”,
“investigado”, “obstrução de justiça”, “polícia federal” e outras da
mesma família, apesar de incríveis similitudes, podem colocar situações
diferentes na mesma caixa.
Aqui, vamos falar da
trampa armada em torno de Donald Trump. A intenção é derrubá-lo através
do impeachment, instrumento legítimo dos sistemas democráticos
presidencialistas. As motivações são políticas. Obviamente pertencem à
mesma categoria de legitimidade.
Só para lembrar:
Trump é um outsider, um empresário folclórico que virou estrela de
televisão e usou o Partido Republicano como veículo para uma candidatura
presidencial espantosamente bem sucedida. Não tem base, nem dentro nem
fora do partido.
A seu favor está a
camada do eleitorado que votou nele, obviamente, com fiéis e desertores,
conforme os acontecimentos. Donos de empresas pequenas e médias também
apoiam, na maioria, as propostas de Trump.
Especialmente a
mudança no sistema de saúde conhecido como Obamacare, que penalizava
negócios menores, e a desregulamentação do que, do ponto de vista deles,
é um sugadouro de exigências burocráticas – mal sabem, coitados, o que é
o inferno na terra.
A vasta maioria das
grandes empresas, inclusive do setor financeiro, foi e continua sendo
contra Trump. Parte mudaria de lado se e quando ele criar condições
econômicas mais vantajosas.
Sites e radialistas
de direita, com uma participação cada vez menor da Fox News, são
praticamente os únicos produtores de fundamentos ideológicos para o
trumpismo.
COMPLEXO DE GUEVARA
O terreno contra
Trump é grande e movimentado. O Partido Democrata que, sendo de
oposição, faz oposição, tem duas correntes no momento.
Uma, mais ao centro,
preocupa-se em perder votos entre o eleitorado menos ideológico e olha
com certa cautela o projeto do impeachment. Claro que, quanto mais
enfraquecido ficar Trump, mais este projeto ganhará adeptos.
A ala mais à
esquerda, ou “progressista”, domina o debate no Partido Democrata. O
impeachment é seu mantra. Tem o apoio unânime dos formadores de opinião –
no caso, muitas vezes, deformadores.
A grande imprensa
toda pede a cabeça de Trump. New York Times e Washington Post se revezam
nas revelações saídas do coração da Casa Branca e do que agora é
chamado de estado profundo – a máquina.
A academia é uma
frente única, com exceções raras, como o Claremont, o berço de onde saiu
o único arrazoado intelectual simpático ao trumpismo. Seu autor,
Michael Anton, que escrevia sob pseudônimo hoje assessora o presidente
na Casa Branca, sem nenhuma projeção.
Cinema, música, moda,
literatura. Decoradores, arquitetos, cartunistas, estrelinhas
infanto-juvenis e estrelonas da indústria pornográfica, com um imenso
séquito de correlatos, todos são intensamente dedicados ao que passaram a
chamar, com o complexo universal de Che Guevara, de “resistência”.
NARRATIVA LETAL
De todos os
mencionados, os mais influentes são os comediantes e humoristas que
dominam os programas noturnos de televisão. Depois de oito anos fazendo
humor a favor de Barack Obama, uma contradição familiar a correlatos
brasileiros, têm crescido imensamente em público e poder de influência.
A comediante Kathy
Griffin, que está bem longe do primeiro time da categoria, tentou
recentemente uma esperteza. Foi mostrada por um fotógrafo, da
“resistência”, claro, segurando uma cabeça cenográfica e sanguinolenta
de Trump. Depois, fingiu que estava arrependida, que estava abalada e,
claro, que era a verdadeira vítima.
Tudo golpe. As
fantasias de decapitação, fuzilamento, linchamento, esfaqueamento (a
montagem de Júlio César no festival de Shakespeare no Central Park) e
assassinato, em geral, de Trump praticamente foram incorporadas ao
“discurso”.
A narrativa de
aniquilação inspirou um desequilibrado a tentar assassinar congressistas
republicanos que faziam um treino para um jogo de beisebol beneficente.
Assassinato em massa
de políticos americanos é o tipo de assunto que não sairia das manchetes
durante dias e mais dias. Exceto por dois detalhes. Primeiro, não
combina com a narrativa de Trump e eventuais simpatizantes como vilões.
Segundo, no mesmo
dia, apareceu mais uma revelação política espetacular. Trump está sendo
investigado por Robert Mueller, indicado pelo próprio Departamento da
Justiça para deslindar o caso da interferência dos serviços secretos
russos na eleição presidencial americana e seus desdobramentos.
CAÇA AO BRUXO
Entra aí a exceção,
de dimensões formidáveis no caso de Trump, da grande frente que trabalha
pelo impeachment do presidente. Todos os anti-trumpistas mencionados
acima agem dentro das regras do jogo da democracia.
Exceto,
evidentemente, pelo atirador. E pelos agentes do estado que, por
definição, devem agir com impessoalidade. James Comey, o diretor do FBI
demitido por Trump, declarou com suas próprias palavras que vazou
memorandos de conversas com o presidente, através de um amigo, professor
de Direito, porque queria, assim, provocar a indicação de um
investigador independente.
Foi exatamente o que
aconteceu. As nove conversas, anotadas preventivamente em memorandos,
segundo disse ele mesmo; os vazamentos; a ação em conjunto entre Comey e
Mueller, seu antecessor no FBI, tudo indica uma ação concertada para
“pegar’ Trump.
Dirigentes dos outros
grandes órgãos de segurança nacional, incluindo CIA e NSA, também
operaram assim depois da eleição presidencial.
A grande questão
continua a ser, para usar termos do discurso comum americano: são
patriotas, movidos pelo conhecimento de informações sigilosas que
comprometem Trump, ou traidores envolvidos numa caça ao bruxo que ousou
desafiar o sistema?
Será Trump um alvo
fácil, que deixou pistas evidentes de tramoias ao mandar enviados como o
genro, Jared Kushner, e o ex-assessor Michael Flynn, falar em segredo
com os russos? E que ainda por cima se afunda com os próprios tuítes?
Ou, como ex-dono de
cassinos, sabe que a roleta estava viciada desde o começo, pois esta é a
natureza das roletas e dos cassinos?
O jogo está ficando cada vez mais pesado. Não é para fracos. Aliás, os fracos já caíram.
blog orlando tambosi
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