MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

segunda-feira, 26 de junho de 2017

A publicidade opressiva como contraponto da liberdade de imprensa


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Charge do Mas (Arquivo Google)
Fernando Orotavo Neto 
Já tive a oportunidade de defender, por várias vezes, em diversos artigos, que a liberdade de imprensa geralmente prevalece sobre o direito à honra, à intimidade e à privacidade, quando estes princípios constitucionais entram em aparente rota de colisão (antinomia), cabendo ao intérprete da Constituição utilizar os métodos exegéticos da ponderação e do balanceamento, na busca de uma “norma de decisão situativa” (Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 5ª Edição, pág. 1.221), aplicável ao caso concreto.
Igualmente, já tive oportunidade de sobrelevar que embora o Poder Judiciário norte-americano seja duramente criticado pelas indenizações milionárias que costuma fixar e estipular em contrapartida pelo dano moral sobrevindo, a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte possui claros parâmetros de ponderação e balanceamento quando é chamada a resolver os casos de tensão ou conflitos surgidos entre o direito à honra e à liberdade de imprensa, já tendo pacificado que:
(a) uma figura pública (public figure) não detém razoável expectativa de privacidade (reasanable expectation of privacy);
(b) figuras públicas não são somente aquelas pessoas que detém ou exercem algum cargo público (agentes ou oficiais do governo), mas também celebridades, esportistas, homens de negócios, os quais, pela posição e visibilidade social que desfrutam, colocam-se voluntariamente à frente de controvérsias públicas, exercendo natural poder de influência e persuasão perante a coletividade, formando opiniões;
(c) mesmo o protagonista da notícia não sendo uma figura pública, a divulgação da informação não pode cerceada caso a matéria seja de interesse público (matter of public importance or concern);
(d) a difamação escrita ou crime de imprensa (libel suit) só ocorre quando a notícia é falsa; e, mesmo assim, quanto ao veículo de imprensa que a divulgou, só ocorre se tiver havido malícia intencional ou expressa (actual malice), ou seja, se houver prova de que o periódico ou revista sabia ser falsa a notícia, antes de publicá-la, e mesmo assim a divulgou;
(d) a simples falha na investigação dos fatos, pela imprensa, não prova, por si só, a ocorrência de malícia intencional (actual malice).
SEM CENSURA – Por fim, também já declarei o meu entendimento no sentido de que qualquer censura prévia aos meios de comunicação, sob qualquer circunstância, é deplorável e inconstitucional, razão pela qual o controle dos efeitos e das consequências jurídicas da divulgação e transmissão das informações (cível e criminal) só pode ser realizado a posteriori (pos factum).
Mas o que acontece com a liberdade de imprensa quando à matéria veiculada e difundida subjaz publicidade opressiva? Como se sabe, ocorre a publicidade opressiva quando o artigo, matéria ou reportagem publicados têm por escopo pressionar e influenciar decisões judiciais que devem primar pela boa técnica, isenção e imparcialidade ou pressionar a natural administração da Justiça (usada a palavra, aqui, metonimicamente, no lugar de Poder Judiciário).
NA GUERRA FRIA – Na década de 60, nos EUA, mais precisamente no auge da Guerra Fria e da ”caça aos comunistas”, a imprensa julgava e condenava os cidadãos que não interessavam ao regime, relegando para o Judiciário a função menor de referendar o veredito antecipado da opinião pública. Vigia a época do chamado trial by media (julgamento pela imprensa) ou pretrial (pré-julgamento), ocasião em que muitos perderam sua liberdade sem direito a um processo justo (fair trial). Repórteres pensavam que eram juízes; editores de jornais, desembargadores.
No Brasil, dada a violência em que vivemos e a corrupção que experimentamos, reina, hoje, igualmente, aquele clima assustador de obsessão punitiva, como se as condenações constituíssem solução para todos os males. Não são raros os casos em que, antes mesmo de ser julgado pelo tribunal, o cidadão já foi julgado pelos jornais e pela televisão.
PARCELA DE CULPA – Todavia, é impossível nos furtarmos de perceber que a imprensa tem a sua parcela de culpa na manutenção desse estado de coisas, culpa esta que pode ser partilhada com aquela espécie peculiar de procurador que não resiste à lisonja de ser instantaneamente transformado em autoridade-show.
Essa publicidade opressiva, que transforma pessoas de bem em inimigos públicos número um, aos olhos de toda a Nação, e compromete o curso regular e natural da Justiça, deve ser refreada. Não se trata de comprometer a liberdade da imprensa, mas de fixar-lhe os limites, porque liberdade sem limites é opressão. E mesmo a liberdade de imprensa não é um direito absoluto, como o são, apenas, os direitos de não ser escravizado e de não ser torturado.
EXISTEM LIMITES – Na Inglaterra e na França, países que respiram liberdade e nos quais a história pode testemunhar duas das mais importantes revoluções de que o mundo teve notícia, a liberal e a iluminista, foram criadas normas regulando a matéria, sendo que na França, o Código Penal Francês, no capítulo destinado aos crimes de ”entraves à l’exercice de la justice”, prevê, em seu artigo 434-16, a punição de quem promove, através da imprensa escrita ou audiovisual, pressões para influenciar testemunhas e juízes.
Digo isto, porque, recentemente, o Jornal da Cidade, um periódico on line, divulgou o nome dos Desembargadores nomeados durante a gestão do ex-governador Sergio Cabral, fossem eles magistrados de carreira (juízes) ou provenientes do Quinto Constitucional (MP e OAB), vinculando os seus nomes à eventual tráfico de influência supostamente realizado pela ex-primeira dama e advogada Adriana Ancelmo para viabilizar a ascensão deles ao cargo, de sorte a constrangê-los, colocando em xeque a imparcialidade de cada um deles perante à coletividade e perante os seus jurisdicionados, que são os destinatários finais dos seus serviços.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL – Indo-se além, está muito claro que a intenção do periódico, além do constrangimento ilegal, em tese, praticado, que é crime e, pois, a forma mais requintada de ato ilícito, era promover uma “exceção de suspeição ou de impedimento midiática” direcionada aos magistrados citados no artigo, para intimidá-los e manietá-los, já de início, caso viessem a ser designados, por livre e eletrônica distribuição, para julgar, em futuro próximo, causas do interesse da esposa de Sergio Cabral. Pura publicidade opressiva!
Esse modo espúrio de proceder parece, igualmente, ter a nítida finalidade, ultima ratio, de desacreditar a Justiça, de acovardá-la, de modo a criar uma comoção pública que a torne subserviente à voz das ruas, no intuito cristalino de fazer prevalecer a verdade midiática sobre a verdade processual. Convenha-se que, se a toda outorga de poder corresponde o nascimento de um dever, que lhe é correlato e indissociável, o leitor por certo concordará comigo quando afirmo que uma coisa é imprensa livre, outra, extremamente diferente, é imprensa irresponsável.
FASCISMO MIDIÁTICO – Trata-se, entretanto, se bem analisada a conduta do jornal online, de odioso fascismo midiático, pois, além de a verdade jornalística dever observância ao princípio da presunção de inocência (CR, art. 5º, LVII), o mínimo que se espera de uma imprensa livre é que também seja responsável, ouvindo os magistrados antes da difusão da matéria, por respeito ao princípio do contraditório (CR, art. 5º, LV), a fim de que os protagonistas da notícia pudessem exercer o seu direito de defesa na própria mídia, ao invés de serem de antemão condenados à execração pública, evitando-se que fossem entregues aos “magarefes de certa espécie de açougues, onde se corta, na honra das almas independentes, na fama dos homens responsáveis, no merecimento dos espíritos úteis, nos serviços dos cidadãos moderados, o bife sangrento para o estômago da democracia feroz”, com vistas a que “esta divindade alucinada, antípoda da democracia liberal e culta, disciplinada e humana, progressista e capaz, possa deglutir majestosamente a carniça, que lhe chacina a sua matilha de hienas”, sob pena de “o furor difamatório, a vesânia vituperativa, a protérvia de enxovalhar os adversários mais limpos com os aleives mais torpes terem constituído a sua eloquência, a sua probidade, o seu patriotismo” (D’aprés Rui Barbosa e já parafraseando-o).
DANOS MORAIS – Ora, nesses casos, em que a imprensa coloca a credibilidade e a dignidade dos magistrados em dúvida, para toda a sociedade, sem ouvi-los previamente e sem a mais mínima prova de que foram nomeados em razão de convescotes, e não pela carreira que desenvolveram ou pelas qualidades jurídicas que possuem, deve o periódico ser responsabilizado, na esfera cível, pelos danos morais causados em decorrência do ato ilícito praticado, que não podem ficar sem reparação, sob pena de se estar a coonestar violação direta ao princípio constitucional que garante a reparação integral do dano à imagem (CR, art. 5º, incisos V e X), especialmente quando é sabido, por todos, que a proteção à imagem e ao nome integra aquela espécie de direitos fundamentais cujo conjunto é designado por direitos da personalidade humana.
A imprensa deve ser livre, mas a Justiça também!
(Fernando Orotavo Neto é advogado, jurista, professor e Conselheiro Efetivo da OAB-RJ) 
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