O detonar do artefato atômico, liberando forças destrutivas, até então desconhecidas e inimaginadas pelas massas, trouxe a perplexidade, o pasmo e a desconfiança ao homem moderno. Premido por duas longas e dilacerantes guerras, que paradoxalmente tiveram seu fim determinado pela força que viria a constituir seu pesadelo, o homem moderno se desreferencializa, perde contato com o real. Cede o terreno onde estava plantado o alicerce básico de suas crenças e valores e com ele desmorona a estrutura toda.
E o que vem depois? Esta é a resposta que dá o escritor e poeta Jair Ferreira dos Santos numa pequena grande obra que tem a virtude de ser abrangente e, ao mesmo tempo, didática – “O que é pós-moderno”, Brasiliense, 1986. 111 p. (Coleção Primeiros Passos, nº 165)
A partir de meados da década de 50, em um gênero cultural após outro, até mostrar-se visível em todos, já nos anos 80, fatos como a descoberta do ADN, o desenvolvimento do chip, o Sputnik, a pílula, o motel, a minissaia, o marketing, a expansão das metrópoles e das classes médias consumidoras e o uso em escala da tecnociência em aparelhos domésticos e de entretenimento, tudo isso fez emergir um movimento batizado pelos perplexos sociólogos de pós-moderno (termo cunhado pelo historiador londrino Arnold Toynbee em 1947).
O pós-moderno nasce como oposição ao moderno. O primado da ciência, da razão, do progresso entra em agonia.
Desreferencializado, isto é, manipulando cada vez mais signos em vez de coisas reais, e dessubstancializado, ou seja, sem substância interior, o indivíduo pós-moderno tem seu leme conduzido por um feixe de valores que são antitéticos. O niilismo torna-se uma bandeira.
O cotidiano banalizado, a antiarte, a desestatização, a figuração, o pastiche, a participação do público, o cômico, a paródia são algumas das constantes nas manifestações pós-modernistas, seja nas artes plásticas, no cinema, na música, ou na literatura.
O pós-moderno promove a derrocada das grandes idéias e valores que suportavam as principais instituições ocidentais. Deus, ser, verdade, família. É em Nietzsche, na semiologia, no ecletismo Marx com Freud que pensadores como Derrida, Deleuze, Lyotard, Baudriilard se armaram para desconstruir os princípios e concepções do pensamento ocidental e desenvolver temas até então considerados marginais, como: desejo, loucura, sexualidade, poesia.
O homem pós-moderno é predominantemente frio plácido, apático, não se entrega ao movimento de classes, não lhe interessa o poder; tem suas raízes fincadas no momentâneo. Ele é um narcisista, descontraído, desenvolto, de identidade móvel. Seu ambiente é dominado pela tecnociência. Vive no simulacro das coisas, alimenta-se de signos.
O que advém disso tudo, na visão da Jair Ferreira dos Santos?
“Sem identidade, hierarquias no chão, estilos misturados, a pós-modernidade é isto e aquilo, num presente aberto pelo ‘e’. A tecnociência avança, maravilhosa, programando tudo, mas sem rumo. O sujeito blip, sem perseguir uma identidade única, harmoniosa, vive a vida justapondo lado a lado suas vivências: e, e, e, e. Vivências pequenas, fragmentárias, porque não se crê mais em totalidades ou valores maiúsculos tipo Céu, Pátria, Revolução, Trabalho, mas se prestigia a prática na micrologia do cotidiano. Assim posto, enfim, o pós-modernismo continua a flutuar no indecidível. Não há como decidir. Fim do moderno e começo do pós-moderno. É demônio terminal e anjo anunciador. Na condição pós-moderna, como já se disse, a vida não é um problema a ser resolvido, mas experiências em série para se fazer. Abertas ao infinito pelo pequenino e” (pág. 111).
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