Um escritor admirava nas crianças a manifestação de surpresa diante do
que já conhecem. Elas podem ouvir várias vezes a mesma história, e se
manifestam como se a história fosse nova. Quando a criança vai tomando
contato com as realidades, tudo é novo para ela, e as surpresas vão se
sucedendo. Mais tarde passa a procurar explicações, e repete a propósito
de quase tudo as perguntas iniciadas com por quê.
Quando já conhece o assunto, o adulto prefere não deter-se nele, e
passa a outro; mas pode perder muito com isso, pois sempre há um por quê a esclarecer.
Não é minha intenção explicar ao prezado leitor o motivo disso, como resposta a sua previsível pergunta iniciada com por quê.
Simplesmente constato a diferença, mas pretendo aplicá-la a outro tipo
de considerações. E passo logo a um exemplo, tendo em vista que uma
imagem pode valer mais que mil palavras.
É bem conhecida a história da penicilina. No fim da década de 1920,
Fleming fazia pesquisas com bactérias. Semeou-as em meio de cultura, e
ausentou-se do laboratório por alguns dias. Quando voltou, a cultura
estava contaminada por fungos (mofo). Poderia contentar-se com lamentar o
tempo perdido e refazer o trabalho, mas a curiosidade – já não era a
curiosidade da criança, mas a do cientista – levou-o a examinar o
recipiente contaminado. Notou que as bactérias só não se multiplicaram
(não cresceram) nos lugares onde havia fungo, mas cresceram no restante
do recipiente. Por quê? A
única resposta razoável é que alguma substância presente no fungo não
deixou as bactérias crescerem. Houve muito trabalho daí até a produção e
utilização médica da penicilina, mas o principal, decisivo, foi
perguntar o motivo do crescimento e não crescimento das bactérias: por quê?
Inúmeras outras descobertas científicas, e do conhecimento humano em geral, surgiram desta simples pergunta: Por quê? Vamos a outro exemplo, bem conhecido por quem frequentou o curso secundário.
Um ourives produziu para o rei de Siracusa uma bela coroa, cerca de
duzentos anos antes de Cristo, e cobrou como sendo ouro todo o peso da
coroa. O rei suspeitou que ele havia misturado ao ouro outro metal mais
barato, e o único meio conhecido para comprovar a fraude era fundir a
coroa. Mas o rei não queria isso, pois gostara do trabalho de
ourivesaria, e incumbiu o matemático Arquimedes de comprovar a fraude
(você já ouviu falar em superfaturamento?), mas sem fundir a coroa.
O
assunto passou a acompanhar Arquimedes por todo lado, inclusive nos
banhos públicos. Ele já sabia que a sensação de peso do seu corpo
diminuía quando flutuava na água, e naquele dia isso não lhe causava
surpresa. Mas juntou uma coisa com a outra, levado pela preocupação
daquele momento, perguntou por quê,
e formulou o princípio famoso: Todo corpo mergulhado em um fluido perde
do seu peso o peso do fluido que desloca. Fez os cálculos, e resolveu o
problema do rei. Melhor ainda, deixou para a humanidade este princípio
útil para muitas coisas.
Mesmo em áreas muito diferentes, como a Filosofia e a Teologia, é
possível formular sólidos conhecimentos novos comparando-os com outros
já firmados. Bom exemplo disso é o episódio de São Tomás de Aquino
durante refeição na corte do rei São Luís IX. Convidado a participar da
mesa do soberano francês, junto com seu Superior no convento e outras
autoridades, ele permaneceu em silêncio, às voltas com seus porquês de
alto nível teológico. De repente, sem nenhum aviso prévio, desferiu
sobre a mesa um violento golpe com o punho fechado, e exclamou em latim:
“Portanto, assim concluo contra os maniqueus!”. O Superior o advertiu
em voz baixa, lembrando que estavam em presença do rei. Mas este, sempre
atento à importância dos assuntos doutrinários, logo mandou chamar um
escriba para anotar os resultados da elucubração de quem é considerado o
mais santo dos sábios e o mais sábio dos santos.
Debruçar sobre assuntos já conhecidos, analisar aspectos novos,
relacioná-los com outros, aplicar conhecimentos de algumas áreas a
outras, eis alguns dos modos de progredir a ciência. Quase se poderia
dizer que o cientista volta ao tempo de criança, pergunta por quê a propósito de tudo, a fim de abrir caminhos.
E como reagem os eruditos, quando descobrem algo novo?
Arquimedes
saiu correndo daquela piscina em trajes de banho (ou seja, nenhum) e
gritando: Eureca! Eureca! Na corte francesa, a reação eufórica de São
Tomás moveu o rei santo a reagir com uma providência prática. Não sei
como Fleming se manifestou após sua descoberta, mas historicamente a
população inglesa foi compelida a reagir com sorrisos evasivos,
fleumaticamente, diante de novidades sensacionais; ainda assim, só
depois da certeza de que a polícia também gostou...
Poderíamos
atribuir essas diferentes reações particulares a características
raciais, de épocas, países, ciências, etc. Mas ressalto em todas elas o
esforço intelectual de aplicar-se diligentemente sobre assuntos
conhecidos e reconhecidos, para deles tirar conclusões ou aplicações
novas. Assim progridem a ciência, a técnica, a filosofia, direcionando
corretamente o desejo de saber mais.
Por quê? – Esta pergunta pode levar-nos muito longe.
(*) Jacinto Flecha é médico e colaborador da Abim
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segunda-feira, 31 de agosto de 2015
REAÇÃO INTELIGENTE A ASSUNTOS CONHECIDOS
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