Para uns, a prática é a única forma de investigar certos crimes. Para outra, uma forma de lesar o direito de defesa
Antonio Cruz/ Agência Brasil
A fonte primordial da Operação Lava Jato, que investiga um
dos maiores escândalos de corrupção da história recente do País, é
polêmica. Por meio de acordos de delação premiada, no qual confessam
seus crimes em troca de benefícios, o ex-diretor de
Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto
Youssef têm trazido à tona evidências que podem ajudar a mudar o combate
aos chamados crimes de colarinho-branco: famosos por não levarem seus
agentes para a prisão, podem passar a ser punidos como rege o figurino
de outros tantos, do furto ao latrocínio.
Prevista na Lei 12.805/13 e em outras legislações, como as referentes à lavagem de dinheiro, crime organizado e proteção a vítimas e testemunhas, a delação premiada é alvo de intensa discórdia entre juristas, advogados e promotores. Enquanto alguns argumentam que a prática pode levar à perda de direitos constitucionais ao longo do processo, outros a defendem como a única maneira de se obterem provas em alguns casos.
A delação premiada deve ser proposta pelo Ministério Público, pela Polícia Federal ou pelos advogados de defesa. Antes do acordo de colaboração, os investigadores costumam avaliar o quanto o suspeito ou réu tem condições de contribuir com as investigações ao revelar detalhes da organização ou esquema criminoso. Uma vez acordada a delação entre as partes, o suspeito colabora com a investigação e denuncia envolvidos, a fim de obter, em troca, benefícios como a redução da pena. Somente ao final das investigações é que termina também o sigilo da delação premiada – quando a Justiça aceita a denúncia contra os delatados em depoimentos.
A delação premiada é um instrumento largamente utilizado em processos nos Estados Unidos, de onde acabou sendo importada pelo Brasil. Sua adaptação ao Direito nacional, no entanto, foi malfeita, segundo alguns advogados. “A delação premiada vem de uma americanização do Direito brasileiro, de se colocar a free bargaining (negociação ou barganha livre) no processo brasileiro”, observa Augusto de Arruda Botelho, advogado criminalista e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “Mas aqui os critérios e benefícios do acordo não são claros como em outros lugares onde se assina um contrato sobre o que se vai oferecer e receber.”
O principal argumento contra a delação premiada, entretanto, diz respeito aos riscos a que estão sujeitos os direitos dentro do processo penal, assim como a suposta falência nas instituições do Estado. “A delação não é voluntária, é uma coação. O réu não tem outra opção senão contar. Tem-se a prisão, a coação e depois um ‘prêmio’”, lembra Botelho. “Acaba sendo, portanto, a ‘única’ possibilidade de defesa, com a cartada final dessa engenharia, que é fazer o delator desistir de todos os recursos legais apresentados nos tribunais. Para mim, isso é o carimbo da ilegalidade, uma violação grave aos direitos de defesa.”
Professor de Direito Constitucional na PUC-SP, Pedro Serrano não é contra a delação, mas faz ressalvas sobre sua utilização. Serrano lembra que a banalização da prisão cautelar (passo anterior ao acordo de delação premiada) não pode ser utilizada como meio de obtenção de evidências ou provas. Para alguns, isso teria ocorrido no escândalo da Petrobras. “Há no Brasil uma banalização da prisão cautelar, que tem sido usada para punir antecipadamente aqueles contra os quais não se têm provas ou para tentar pressionar o réu a fazer delação premiada, o que é absolutamente inconstitucional”, diz Serrano, que também é colunista de CartaCapital.
Além disso, diz Serrano, na condução do processo que envolve delação premiada o vazamento de informações é o aspecto mais prejudicial. “Quando há vazamento, cria-se um espetáculo, em que todas as provas do processo são selecionadas, a fim de se ter um ambiente de condenação antecipado, o que é consolidado pela prisão preventiva”, lembra. “Essa promiscuidade que surge de agentes públicos divulgando informações para a imprensa gera um estado de exceção e de polícia e não um estado de direito.”
Contrário à delação premiada, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, pediu no ano passado ao conselho federal da entidade um debate sobre a constitucionalidade da delação premiada, questionando sua legalidade no processo brasileiro. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que será responsável por denunciar os políticos envolvidos na Lava Jato, tem bancado a legalidade da delação e afirmado repetidas vezes que espera mais confissões por parte dos investigados.
No Brasil, o caso mais famoso de confissão até aqui era o do “mensalão”, quando o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) delatou a prática de compra de apoio no Congresso Nacional. Não houve um acordo formal de delação premiada, mas Jefferson teve a pena abrandada pelo STF, por ter denunciado o esquema. Fora do Brasil, um dos casos mais emblemáticos envolvendo delação premiada foi o da investigação que levou à prisão de integrantes da Cosa Nostra, máfia italiana da região da Sicília. Preso em 1983, em São Paulo, o mafioso Tommaso Buscetta foi fundamental para o desmantelamento da organização, depois de ter entregue mais de 300 envolvidos. Conseguiu extradição para os EUA e nova nacionalidade.
Em seus despachos, o juiz responsável pela Lava Jato, Sergio Moro, defende com veemência o uso da delação premiada. Recentemente, Moro recorreu a comentários do juiz norte-americano Stephen S. Trott, da Corte Federal de Apelações do Nono Circuito dos Estados Unidos, para defender o uso da delação premiada no caso. “Se fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como testemunhas de acusação, muitos processos importantes – especialmente na área de crime organizado ou de conspiração – nunca poderiam ser levados às cortes", escreveu Trott, de acordo com Moro. Para outros, o fato de a delação ser a única maneira de se obterem provas em determinados casos não justifica seu uso. “Os fins não podem justificar os meios. Não faz sentido a ideia de que para descobrir um fato eu tenho de passar por cima da Constituição, prendendo ilegalmente pessoas”, avalia Botelho. “Não importa o que vai se descobrir. Há uma lei, uma Constituição e uma condição humana a ser respeitada.”
Por enquanto, não há indicações de que a posição de Botelho sairá vencedora no debate iniciado pela Lava Jato. A delação premiada de Paulo Roberto Costa já foi homologada pelo ministro do STF Teori Zavascki e a tendência é de que a decisão seja referendada por seus pares.
Prevista na Lei 12.805/13 e em outras legislações, como as referentes à lavagem de dinheiro, crime organizado e proteção a vítimas e testemunhas, a delação premiada é alvo de intensa discórdia entre juristas, advogados e promotores. Enquanto alguns argumentam que a prática pode levar à perda de direitos constitucionais ao longo do processo, outros a defendem como a única maneira de se obterem provas em alguns casos.
A delação premiada deve ser proposta pelo Ministério Público, pela Polícia Federal ou pelos advogados de defesa. Antes do acordo de colaboração, os investigadores costumam avaliar o quanto o suspeito ou réu tem condições de contribuir com as investigações ao revelar detalhes da organização ou esquema criminoso. Uma vez acordada a delação entre as partes, o suspeito colabora com a investigação e denuncia envolvidos, a fim de obter, em troca, benefícios como a redução da pena. Somente ao final das investigações é que termina também o sigilo da delação premiada – quando a Justiça aceita a denúncia contra os delatados em depoimentos.
A delação premiada é um instrumento largamente utilizado em processos nos Estados Unidos, de onde acabou sendo importada pelo Brasil. Sua adaptação ao Direito nacional, no entanto, foi malfeita, segundo alguns advogados. “A delação premiada vem de uma americanização do Direito brasileiro, de se colocar a free bargaining (negociação ou barganha livre) no processo brasileiro”, observa Augusto de Arruda Botelho, advogado criminalista e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “Mas aqui os critérios e benefícios do acordo não são claros como em outros lugares onde se assina um contrato sobre o que se vai oferecer e receber.”
O principal argumento contra a delação premiada, entretanto, diz respeito aos riscos a que estão sujeitos os direitos dentro do processo penal, assim como a suposta falência nas instituições do Estado. “A delação não é voluntária, é uma coação. O réu não tem outra opção senão contar. Tem-se a prisão, a coação e depois um ‘prêmio’”, lembra Botelho. “Acaba sendo, portanto, a ‘única’ possibilidade de defesa, com a cartada final dessa engenharia, que é fazer o delator desistir de todos os recursos legais apresentados nos tribunais. Para mim, isso é o carimbo da ilegalidade, uma violação grave aos direitos de defesa.”
Professor de Direito Constitucional na PUC-SP, Pedro Serrano não é contra a delação, mas faz ressalvas sobre sua utilização. Serrano lembra que a banalização da prisão cautelar (passo anterior ao acordo de delação premiada) não pode ser utilizada como meio de obtenção de evidências ou provas. Para alguns, isso teria ocorrido no escândalo da Petrobras. “Há no Brasil uma banalização da prisão cautelar, que tem sido usada para punir antecipadamente aqueles contra os quais não se têm provas ou para tentar pressionar o réu a fazer delação premiada, o que é absolutamente inconstitucional”, diz Serrano, que também é colunista de CartaCapital.
Além disso, diz Serrano, na condução do processo que envolve delação premiada o vazamento de informações é o aspecto mais prejudicial. “Quando há vazamento, cria-se um espetáculo, em que todas as provas do processo são selecionadas, a fim de se ter um ambiente de condenação antecipado, o que é consolidado pela prisão preventiva”, lembra. “Essa promiscuidade que surge de agentes públicos divulgando informações para a imprensa gera um estado de exceção e de polícia e não um estado de direito.”
Contrário à delação premiada, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, pediu no ano passado ao conselho federal da entidade um debate sobre a constitucionalidade da delação premiada, questionando sua legalidade no processo brasileiro. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que será responsável por denunciar os políticos envolvidos na Lava Jato, tem bancado a legalidade da delação e afirmado repetidas vezes que espera mais confissões por parte dos investigados.
No Brasil, o caso mais famoso de confissão até aqui era o do “mensalão”, quando o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) delatou a prática de compra de apoio no Congresso Nacional. Não houve um acordo formal de delação premiada, mas Jefferson teve a pena abrandada pelo STF, por ter denunciado o esquema. Fora do Brasil, um dos casos mais emblemáticos envolvendo delação premiada foi o da investigação que levou à prisão de integrantes da Cosa Nostra, máfia italiana da região da Sicília. Preso em 1983, em São Paulo, o mafioso Tommaso Buscetta foi fundamental para o desmantelamento da organização, depois de ter entregue mais de 300 envolvidos. Conseguiu extradição para os EUA e nova nacionalidade.
Em seus despachos, o juiz responsável pela Lava Jato, Sergio Moro, defende com veemência o uso da delação premiada. Recentemente, Moro recorreu a comentários do juiz norte-americano Stephen S. Trott, da Corte Federal de Apelações do Nono Circuito dos Estados Unidos, para defender o uso da delação premiada no caso. “Se fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como testemunhas de acusação, muitos processos importantes – especialmente na área de crime organizado ou de conspiração – nunca poderiam ser levados às cortes", escreveu Trott, de acordo com Moro. Para outros, o fato de a delação ser a única maneira de se obterem provas em determinados casos não justifica seu uso. “Os fins não podem justificar os meios. Não faz sentido a ideia de que para descobrir um fato eu tenho de passar por cima da Constituição, prendendo ilegalmente pessoas”, avalia Botelho. “Não importa o que vai se descobrir. Há uma lei, uma Constituição e uma condição humana a ser respeitada.”
Por enquanto, não há indicações de que a posição de Botelho sairá vencedora no debate iniciado pela Lava Jato. A delação premiada de Paulo Roberto Costa já foi homologada pelo ministro do STF Teori Zavascki e a tendência é de que a decisão seja referendada por seus pares.
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