Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Quando o presidente do Senado pediu ao plenário que
votasse a MP dos Portos dizendo que seria uma exceção e que dali em
diante as medidas provisórias teriam de chegar com sete dias de
antecedência para serem examinadas, o governo não acreditou na hipótese
de Renan Calheiros cumprir o prometido. Embora reconhecendo a situação absurda em que os senadores se veem obrigados a votar matérias sem tempo para discussão de conteúdo, chegou-se nas internas governistas a fazer pouco da promessa de devolução das medidas ao Planalto, dizendo que esse era um problema para a Câmara resolver.
Mais especificamente o PMDB, que deveria se mobilizar para garantir a tramitação das MPs em tempo hábil para serem remetidas ao Senado.
O descrédito tinha alguma razão de ser. Afinal, já haviam sido abertas várias "exceções" desde que o antecessor de Calheiros, José Sarney, prometera algo semelhante e não cumpriu.
Além disso, a Câmara aceitou votar em cima da hora a MP que reduz as tarifas de energia elétrica mediante um acordo conduzido pelo presidente da Casa, Henrique Alves, do PMDB. Tudo indicava que o partido poderia mais uma vez usar a maioria para fazer a vontade do Executivo, deixando à minoria a revolta de ser coadjuvante no papel de serviçal do Palácio do Planalto.
Fosse outra época, antes de os abusos se tornarem tão abusivamente explícitos; não fosse o presidente do Senado uma figura extremamente desgastada e, por isso, sem a posse de margem para manobras; não estivessem tão agastados os ânimos no Congresso; não tivessem sido ultrapassados todos os limites, talvez ainda houvesse algum espaço para o Senado deixar de lado sua condição de Casa revisora para continuar como entregador de pratos feitos.
Mas, não há mais - e por isso senador Calheiros não tem outro jeito a não ser manter a decisão de dar um alto lá no Palácio do Planalto. A conferir, contudo, se a atitude é de validade provisória ou permanente. A escolha é do Senado e poderia ter sido feita muito antes de a situação chegar aos píncaros da humilhação. A recusa atual é a prova cabal de que só é submisso quem quer.
O Executivo não tem como retaliar. Se o governo for ponderado, faz uma pausa para meditação a fim de avaliar se vale a pena continuar recorrendo a golpes regimentais, vivendo em risco permanente, ou se não seria melhor estabelecer com o Legislativo um acordo de procedimentos a ser de fato respeitado.
O Congresso, de seu lado, nessa questão de medidas provisórias tem o mando de campo. Dispõe de amparo constitucional para observar os prazos sem se deixar levar pelo atropelo. Nunca é demais relembrar: tem a prerrogativa de devolver MPs que não obedeçam aos preceitos da relevância e da urgência.
Não faz muito, o Supremo Tribunal Federal convalidou essa prerrogativa, mas nada mudou. Tem conserto? Evidentemente, desde que o Parlamento resolva de uma vez por todas aderir à regra e praticar o que diz a cláusula pétrea da Constituição sobre a autonomia dos Poderes.
O Planalto excede, mas só o faz porque o Congresso concede.
Não ajuda. Os argumentos apresentados pelo procurador-geral Roberto Gurgel para contestar os embargos de declaração dos advogados dos réus do mensalão são qualificados como "muito fracos" no Supremo Tribunal Federal. Uma peça única "genérica", na expressão de um ministro.
Em miúdos, significa que Gurgel deixou passar uma oportunidade de contribuir para a rejeição dos embargos. Não quer dizer que por isso serão aceitos. Mas, se recusados, não o serão devido às contrarrazões do procurador.
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