Há 38 anos, grupo protege e cuida das imagens de Nossa Senhora.
Guardas também têm a missão de levar o amor de Maria à comunidades.
Para padre Giovanni Incampo, Guardas de Nazaré carregam humanidade (Foto: Natália Mello/G1)Mas, ele percebeu que os homens estavam distantes de Deus, e que a maioria dos que ajudavam a conduzir a berlinda durante as procissões do Círio não tinham o respeito e o comprometimento julgado necessário para realizar a tarefa. Padre Giovanni decidiu, então, organizar um movimento, iniciado ainda em 1973, que pudesse ter o papel de aproximar os homens da igreja e transformá-los em marianos, ou seja, devotos de Maria.
O grupo católico, formado apenas por homens, começou com apenas 28 guardas. No início, a função era de apoio. A intenção era tirar das forças armadas, como exército, marinha e aeronáutica, um papel que caberia a devotos. Para ser guarda, o principal não é a força física, mas sim a força espiritual, a força na crença, sobretudo, é preciso ser humano e levar aos companheiros e comunidades a palavra de Deus e o amor pela mãe de Jesus.
Guardas de Nazaré conduzindo e protegendo aberlinda, em 1989
(Foto: Guilherme Azevedo/Arquivo pessoal)
Para o padre Giovanni Incampo, os Guardas de Nazaré vivenciam na essência o nome que carregam, de vigilantes, guardiões, e diz como se sente ao ver que a semente que plantou, só faz dar belos frutos. “Hoje eu me sinto com a missão cumprida. Acima de tudo, eles são guardas de Nossa Senhora, não só do Círio. Tudo que diz respeito a ela durante o ano, eles acompanham. Eles são nossa garantia de vigília da Basílica. E isso é muito importante, porque Belém, sem Nossa Senhora de Nazaré, perde a alma”.
Junto com o fundador da Guarda, um devoto fiel de Nossa Senhora de Nazaré aceitou essa missão. Raimundo Castro, servidor público aposentado, acompanha as procissões desde que entrou para o movimento. Hoje com 89 anos, ele acredita que a criação do grupo aconteceu por meio de inspiração divina. Antes de se tornar um guarda de Nazaré, irmão Nonato, como é conhecido em toda a congregação católica, já era bem próximo da igreja e se via como filho de Maria.
“Eu era comentarista da Basílica, já cantei na igreja, visitava as comunidades para trabalhar com mais eficiência na evangelização. Essa crença de ser guarda vai de geração para geração, conscientizando as pessoas, porque o guarda é um missionário”, comenta.
Grupo de Guardas de Nazaré reunidos para o Círio de Nazaré de 1979 (Foto: Raimundo Castro/Arquivo pessoal)Mas, nem todos os guardas começaram como irmão Nonato. O atual coordenador do grupo, Edmilson Santos, há dois anos a frente do grupo, não foi aceito na primeira tentativa. Ele trabalhou fora da capital paraense durante cerca de 10 anos. Quando voltou, conheceu o trabalho dos guardas e se interessou, achou bonito, mas precisou demonstrar seu real comprometimento com a missão de ser Guarda de Nazaré.
“Quis entrar, mas quem pedi para ser meu padrinho não quis. Na época, eu brincava muito. Daí em diante, passei a vir em todas as reuniões. Passei um ano assistindo todos os encontros mesmo sem ser guarda, e quando veio o Círio seguinte, eu entrei, e já estou há 13 anos. Foi quando eu reaprendi a rezar e me redescobri como católico. A gente criou uma espécie de irmandade, brigamos, mas no outro dia estamos unidos novamente, nos abraçando. Eu acho que essa missão a gente não escolhe, é escolhido”, destaca.
Santos, com 55 anos, revela o momento mais importante na sua trajetória como guarda. “O máximo eu atingi quando consegui entrar para a guarda. É um trabalho persistente. Este ano, na formação dos guardas, 320 pessoas queriam fazer o curso. Dessas, ficaram 118, o que já é um número bom. Hoje, nós abrimos muito para os jovens, precisamos motivá-los. Eu sou a favor de renovação”, pontua.
Em 2012, Guarda de Nazaré formou 118 novosintegrantes (Foto: Ary Souza/O Liberal)
“É diferente, né? Tá todo mundo querendo chegar perto de Nossa Senhora e a gente tá ali, bem próximo dela. Não tem como não ficar emocionado. Se eu pudesse definir em uma palavra esse sentimento, fé”.
De geração para geraçãoA Guarda também é capaz de transformar a vida das pessoas. Ronaldo Martins, 46 anos, era filho de um dos primeiros guardas de Nazaré, falecido há três anos. Por ter um pai bastante católico e devoto de Nossa Senhora, o mecânico de avião sempre esteve próximo à igreja. Foi coroinha, atuou em versões da peça “Paixão de Cristo”. Porém, ele declara que só via sua participação no grupo como algo que dava posição social, e conta como realmente descobriu o sentido do que é ser um Guarda de Nazaré.
“Durante uma vistoria em um helicóptero, eu e o piloto acabamos entrando em um mau tempo e tivemos que fazer um procedimento de emergência, só que a aeronave engatou em um fio de alta tensão. Nessa hora, eu disse em voz alta: ‘Pai, nas tuas mãos eu entrego o meu espírito’. Eu simplesmente não quebrei nada, não tive um arranhão. Passei 17 dias internado, e em um momento de extrema dor parei para perguntar por que aquilo tinha acontecido comigo. Naquele momento, chorei não só pelas dores, chorei porque sentia um vazio. Só teve uma coisa que fez parar esse vazio: Deus. Naquele momento, eu voltei para a vida e depois desse período doloroso é que eu pedi perdão para Ele”, revela. Ronaldo ficou com apenas uma sequela do acidente, uma lesão na medula, que o deixou sem os movimentos da cintura para baixo.
Israel acredita que trajetória junto à Guarda foi umchamado de Nossa Senhora de Nazaré
(Foto: Natália Mello/G1)
O diácono Raimundo Viana, 49 anos, é irmão de Ronaldo e desde menino sempre quis ser da guarda. Ele entrou para o movimento com 14 anos (1976) e foi o mais novo guardião de Nossa Senhora. Israel, como é conhecido, diz que não tinha pretensão de entrar na guarda, que vinha apenas para ajudar na organização.
“Só de estar ali ajudando já estava realizando meu sonho, só que eu tive a sorte do coordenador me colocar como guarda. A guarda se tornou uma inspiração. Toda a minha família é devota. Eu sou consagrado a Maria e a Guarda foi uma maneira para eu poder retribuir esse amor. O respeito e a devoção que temos por ela devem ser os mesmos que Jesus teve por ela. É essa expressão de amar que a gente expressa no Círio”, explica o guarda de Nazaré.
Atualmente, Israel é missionário da Guarda de Nazaré. Seu objetivo é levar a palavra de Deus para dentro da formação de Guarda e acredita que sua entrada para o movimento foi um chamado. “Eu tive toda uma caminhada. Fui ministro de batismo, ministro de comunhão, ai fui chamado para ser diácono. Eu jamais poderia planejar ser diácono, para mim foi um chamado, por ser um devoto de Nossa Senhora de Nazaré. Estamos na 3ª geração de guardas na minha família. Meu pai fez parte da primeira turma de guardas e em tudo ele era devoto a Nossa Senhora. Na morte, um dos desejos dele era que nós levássemos Nossa Senhora a todas as comunidades”, comenta.
Israel guarda camisas de vários anos da Guarda,como dos anos 1979, 1995, 2000, 1992 e 2005
(Foto: Natália Mello/G1)
“O meu vizinho foi um dos fundadores do grupo e meu padrinho quando eu quis entrar para a Guarda. Como guardas e missionários, aprendemos aqui e levamos para nossos irmãos nos interiores. É muito gratificante ver que está funcionando o nosso trabalho. Esse ano, novas equipes de guardas, que foram criadas em 68 paróquias pelo estado, vêm para o Círio”, comemora Walmir.
O que é preciso para ser um Guarda de NazaréAs principais exigências para entrar para a irmandade era que o homem fosse católico praticante, um bom chefe de família, e tivesse um bom relacionamento com os vizinhos e patrões. É também preciso ter um padrinho que apoie a entrada para o grupo. Segundo irmão Nonato, essas eram características que o tornavam um bom exemplo, uma pessoa de bem, que merecia confiança, o que motivava os outros guardas a imitá-lo.
Apesar de terem se passado 38 anos, as características necessárias para se tornar um guarda de Nazaré não mudaram. A exigência da idade mínima de 18 anos passou a ser mais rigorosa, embora a entrada de jovens seja mais incentivada. Padre Ramos, reitor da Basílica de Nazaré, fala sobre essa mudança.
“A Guarda surgiu com a finalidade de evangelizar os homens, que não frequentavam a igreja. Domingo, a programação era ir para o boteco, e a guarda foi uma forma de atraí-los para a casa de Deus. Com a guarda, passaram a zelar pela igreja, acumular funções, organizar encontros e reuniões. Mas, o que antes era voltado para homens simples, casados, hoje atrai universitários, jovens formados”, constata.
Padre Ramos diz ainda que a corda formada pelos guardas é para pessoas humanas, que tenham fé. “A grande força que move esses homens é o amor por Nossa Senhora de Nazaré, que eles consideram a mãe de coração deles”.
Irmão
Nonato diz que a imagem de Nossa Senhora de Nazaré representa o
sentimento da realidade mística de Maria (Foto: Cristino Martins/O
Liberal)“Isso tudo requereu muita humildade, esforço, porque a antiga equipe fazia aquilo há anos. Eles passaram isso pra nós sem nenhuma amargura, nenhum ressentimento, a coisa foi muito pacífica. Fomos evoluindo, nos ajustando, organizando. A corda hoje é vida, de gente que vai de braços juntos conduzindo e protegendo o curso da berlinda”, ressalta.
Em breve, a guarda irá comemorar 40 anos de existência. A cada dia que passa, os guardas se dizem mais satisfeitos e realizados com a missão que cumprem como filhos de Maria. Eles têm o sentimento de devoção e de filhos de Nossa Senhora de Nazaré e, como filhos da mesma mãe, se veem como irmãos. No cumprimento, o “oi” dá lugar a uma nova saudação, “Ave Maria”. O sentimento de fraternidade é a essência da Guarda, e juntos, eles veem Nossa Senhora de Nazaré na versão mais fiel do catolicismo, a visão bíblica.
“Muita gente confunde a nossa forma de crer com idolatria. Ali é um símbolo, ela é uma motivação, ela não se mexe, não fala, mas é como se fosse um retrato da mãe da gente. Ela não tá falando, mas ela é viva, este é o sentimento da realidade mística de Maria. Ela é viva em nós. Quando acaba o Círio, que vamos pra escada do colégio Gentil, é mais uma festividade encerrada, mas a guarda responde: não, está recomeçando. O dia do recírio encerra uma festividade, mas começa um novo círio pra nós”, revela.
Irmão Nonato, devoto dos mais fiéis, promete, vai seguir ao lado de Maria como guarda enquanto tiver vida, e diz, “só vou parar quando Maria Santíssima me der um sinal. Eu não estou olhando pra minha idade cronológica, a minha idade é a minha capacidade de fazer as coisas. Se Deus me permitir, eu quero chegar aos 90 anos e continuar fazendo o que eu faço há tantos anos, que é zelar pela nossa mãe”, espera.
De acordo com os guardas, a missão do grupo católico está sendo cumprida. Ano a ano, novos integrantes se formam, integram a maior guarda católica masculina do Brasil e se tornam vigilantes de um símbolo da Rainha da Amazônia, Maria, que conduz um dos maiores patrimônios religiosos da igreja católica, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
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