MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Cientistas pesquisam porco monteiro em reserva no Pantanal

 

Animal já foi doméstico e voltou à vida silvestre.
Estudo é um exemplo de parceria entre pantaneiros e pesquisadores.

Do Globo Rural

Nos primeiros raios da manhã, em uma propriedade vizinha à fazenda da Embrapa, os peões preparam a tropa. Oziel Alex da Silva e Márcio de Souza, pantaneiros nascidos e criados na região, encilham os animais para uma lida de campo, coordenada pelos pesquisadores do porco monteiro.
O horário é ideal para encontrar os animais por causa da temperatura mais amena e também porque podem ser vistos nos descampados, antes de voltarem para a mata fechada.
O porco monteiro, na verdade, é o descendente do porco caseiro trazido pelos europeus durante a colonização, há mais de 300 anos. Ao longo desses séculos, ele encontrou no Brasil comida farta, se espalhou e voltou à vida selvagem. “Desde então esses animais começaram a ir para o ambiente natural e fundar populações livres, independente dos cuidados dos homens”, explica Ubiratan Piovezan, biólogo.
Para encontrar a vara de porcos, os pesquisadores e os pantaneiros percorrem os campos da Nhumirim, mas muitas vezes a comitiva precisa entrar em outras fazendas e contar com o apoio dos vizinhos.
No caminho, o especialista em aves Alessandro Pacheco identifica em uma baía, uma ave rara e pouco estudada: o pato de crista. Outras espécies são avistadas, como a arara-azul, que aproveita o início da manhã para se alimentar, o tabuiaiá, conhecido como cegonha brasileira, e os veados campeiros, espécie de porte um pouco maior que o catingueiro.
O gerente da fazenda vizinha é Luis Carlos Domingos Graça, que trabalha há 30 anos na propriedade de 21 mil hectares. Toda riqueza da fauna e da flora do Pantanal está preservada na reserva particular da fazenda. A área de 1.128 hectares está inteiramente cercada.
“As cercas foram feitas para facilitar a passagem dos animais. Pode passar porco, anta, onça que são os animais maiores. Eles passam sem dificuldade e sem machucar. Tomamos o cuidado de colocar um arame liso, em vez de arame farpado”, explica.
Depois de três anos de conservação, Carlinhos, como gosta de ser chamado, já percebe a diferença e se encanta com a família de macacos bugios que escolheu a reserva como moradia. “A gente fica feliz de conseguir chegar perto agora, ver esses bichos tranquilos, sem sair assustado, correndo”, afirma.
A RPPN tem ajudado na consciência ambiental de todos. Na fazenda foi montado um viveiro. As sementes coletadas na reserva servem para reflorestar outras áreas da propriedade. Quem cuida das mudas é o apicultor Valdemir Pereira Rosa. “Nós fizemos um projetinho, não um projeto escrito, mas um projeto de honra com a natureza de repor o que se tira na questão de cinco por um. Se nós tirarmos de agora em diante, quando se tirar uma árvore da mesma espécie tem que voltar cinco mudas pra lá”, explica.
E quem ajuda e muito, nesse trabalho de recomposição florestal é o porco monteiro, como explica o zootecnista da Embrapa, Ubiratan Piovezan, que estuda essa espécie há quase uma década. “Ele é um bom dispersor de sementes. Como ele atravessa das reservas para os ambientes ocupados pela pecuária, ele acaba semeando árvores que ele consome, ou plantas que ele consome, na área da RPPN em áreas que não estão isoladas do gado”, diz.
Durante um dia de campo, os pantaneiros conseguem capturar vários animais, muitos até de pelagens diferentes. Os peões da fazenda Nhumirim, Oziel e Márcio, contam com o faro dos cachorros, eles andam quilômetros atrás dos porcos, passam por porteiras e atravessam baías.
Os animais gostam de ficar próximos das aguadas e quando o porco é avistado, começa a correria. Para se proteger, os animais buscam abrigo nos caraguatás, plantas cheias de espinhos. Os cães acuam o bicho, mas são treinados para não morder o porco, apenas ajudam o pantaneiro a imobilizá-lo.
A habilidade de Oziel e Márcio no manejo com o animal que garante a segurança de todos.
A sombra das árvores vira laboratório para os pesquisadores. A ação dos pantaneiros é rápida, com habilidade em cerca de dez minutos o porco está capturado. Depois entram em ação os pesquisadores e para coletar todo material necessário para os estudos. O animal é sedado por meia hora. “Nos importa o menor nível de estresse para o animal. Ele já passou por uma situação de quase caça e agora ele está no mundo da pesquisa agora'', afirma o zootecnista.
Os olhos do porco são tapados para diminuir o estímulo visual: assim ele fica mais tranquilo e o sedativo dura mais tempo. O primeiro passo é coletar sangue para análise em laboratório. Assim, será identificado o DNA do animal que vai servir aos estudos sobre população e caracterização da raça. Também é retirada uma amostra de pêlos e são anotadas todas as medidas. “Elas nos ajudam a entender se esses animais aqui depois de três séculos soltos no Pantanal já possuem características que só eles têm de adaptação a região”, diz.
O foco da estudante de medicina veterinária Ana Helena Franco e da bióloga Vanessa Ramos é o carrapato. “Sabendo que o porco monteiro carrega grandes quantidades desse carrapato o ‘estrela'’, agora o objetivo é fazer testes pra descobrir se esse carrapato está carregando a bactéria que causa a doença febre maculosa”, explica a bióloga.
Por enquanto as pesquisas não registraram nenhuma incidência dessa bactéria. Já o biólogo Gustavo Santos quer saber como o porco monteiro, uma espécie invasora, trazida de fora, se relaciona com os animais nativos do pantanal e da mesma família: caso da queixada e do cateto. “Visualmente a diferença entre eles é que o cateto tem uma listra no pescoço, que é chamado também caititu, o queixada ele tem o queixo branco, ele é mais escuro e tem queixo branco. Enquanto o porco monteiro não tem nenhuma dessas marcas brancas”, diz.
Gustavo instala as coleiras equipadas com GPS e rádio transmissor nos animais. Cada uma custa quase sete mil reais. Os equipamentos vão alimentar os bancos de dados da pesquisa. “A gente vai ter a localização do animal a cada hora, então a gente vai entender como é que ele percorre a paisagem do pantanal, quais os locais de morada dele, de abrigo, quais os locais de alimentação e como é que ele interage com outros porcos nativos, que também estão monitorados pelos colares”, explica.
Alguns comportamentos do porco monteiro já são conhecidos. Ao contrário dos catetos e queixadas, o macho adulto vive mais isolado. Se junta com fêmeas só no período de reprodução. O animal é bem mais agressivo e apresentam presas que crescem fora da mandíbula.
Os peões das fazendas costumam caçar o porco monteiro. Um hábito previsto em uma exceção da lei de proteção a fauna. “Considerando que o homem pantaneiro é uma população tradicional do Brasil, reconhecida pelo governo, e que não há de fato um comércio envolvendo esses produtos, essa atividade é prevista na lei e deve ser considerada como atividade legal. Se isso não acontecesse no Pantanal provavelmente a população iria crescer em níveis muito maiores”, explica Ubiratan Piovezan.
Essa atividade do homem pantaneiro com o porco também acaba ajudando na preservação de outras espécies. “Aqui o esforço de caça é direcionado a espécie exótica e por conta disso a espécie exótica acaba contribuindo para a preservação da fauna local, já que ela age como substituta”, diz o zootecnista da Embrapa.
Todo esse trabalho da pesquisa não seria possível sem a experiência de campo dos peões. A vida do pantaneiro Oziel Alex da Silva é um exemplo. “Aos dez anos eu já pegava o porco. Eu já mexia com ele já, mas não tinha a prática que eu tenho agora”, diz.
“Um dia, na contenção, o Oziel debruçado sobre uma porca viu a veia mamária saltar. Aí falou: ‘olha tenta aqui’. Nos deu a dica, que era uma veia boa e realmente a gente tenta sempre fazer a coleta na veia mamária”, conta o zootecnista.
Oziel, por sua vez, aprendeu com os pesquisadores. “Eu já sei quantos anos o porco tem na hora que vejo os dentes”, afirma Oziel. “No geral eu acho que o grande ganho e a grande lição que eles me deram foi essa generosidade com relação ao conhecimento”, declara Ubiratan Piovezan.
A população de porcos monteiros no Pantanal é de aproximadamente 300 mil cabeças, segundo a Embrapa. Ao fim dos estudos, os pesquisadores pretendem saber se é possível recomendar um manejo do porco monteiro visando seu aproveitamento comercial.

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