Por Rafael Costa
Completando 19 anos de existência neste mês de novembro, a Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005) firmou-se como o principal mecanismo de estímulo à inovação no Brasil, impulsionando a competitividade e o avanço tecnológico nas empresas. Voltada para companhias tributadas pelo regime de Lucro Real, essa legislação oferece incentivos fiscais estratégicos, permitindo a dedução ampliada de despesas com Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I).
Para se ter uma dimensão de seu impacto, dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) revelam que, entre 2014 e 2022, 18.171 projetos foram submetidos à Lei do Bem por 5.588 empresas. Esses números evidenciam como essa legislação tem sido relevante para viabilizar e impulsionar investimentos em inovação no cenário empresarial brasileiro. Contudo, após quase duas décadas de sua sanção, algumas reflexões se fazem necessárias, como quais avanços concretos foram alcançados, quais desafios ainda limitam seu potencial e, principalmente, quais são as perspectivas de evolução dessa política para enfrentar as demandas de um mercado em constante transformação?
Principais marcos e desafios
Do ponto de vista legal, não houve avanços significativos em relação à Lei do Bem, embora alguns Projetos de Lei (PLs) que propõem melhorias tenham sido apresentados. Uma das mudanças mais relevantes na regulamentação, no entanto, foi a exigência de que o MCTI emita um parecer técnico para todas as empresas que solicitam os benefícios fiscais, independentemente de aprovação. Essa medida trouxe mais transparência e previsibilidade ao processo de análise, incentivando a adesão de novas companhias.
Ainda assim, a Lei do Bem enfrenta barreiras que limitam seu alcance. Um dos principais entraves é a exigência de lucro fiscal, que exclui do programa empresas que não apresentam resultados positivos ao final do exercício. Por outro lado, outros programas de incentivo à inovação têm adotado abordagens mais inclusivas.
A Lei de Informática, por exemplo, foi atualizada para conceder créditos financeiros proporcionais aos investimentos em PD&I, independentemente do lucro fiscal. Da mesma forma, o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) também segue essa lógica, permitindo a geração de créditos tributários com base nos gastos em PD&I, sem considerar a variável do lucro fiscal. Essas alternativas demonstram que políticas mais flexíveis têm potencial para engajar um maior número de empresas no ecossistema de inovação.
A adesão regional à Lei do Bem: um panorama desigual
Os dados do MCTI indicam uma distribuição desproporcional no que diz respeito a adesão à Lei do Bem entre as regiões brasileiras. Considerando o período entre 2014 e 2022, o Sudeste liderou com 10.823 submissões, seguido pelo Sul com 5.309. Esse contexto pode ser explicado pela alta concentração de indústrias no Sudeste, que abriga o principal polo econômico do país, além da infraestrutura avançada e a presença de hubs de tecnologia na região Sul, fortalecendo sua capacidade de inovação e desenvolvimento tecnológico.
Em contraste, o Nordeste (849 candidaturas), Centro-Oeste (741) e Norte (449) apresentaram adesão significativamente menor. No caso do Nordeste, os desafios estão relacionados, especialmente, na escassez de investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
No Centro-Oeste, apesar da força do agronegócio como principal base econômica, a menor diversificação industrial resulta em uma demanda reduzida por inovações tecnológicas. Já a região Norte enfrenta barreiras ainda mais acentuadas, especialmente no que diz respeito à infraestrutura e à logística. Com uma economia focada no extrativismo, há atualmente uma menor presença de indústrias e centros de pesquisa.
Setores da economia: potencial inexplorado
A adesão setorial à Lei do Bem também varia. Entre 2014 e 2022, os setores com menor participação foram a Agroindústria (1,2%), Construção Civil (1,2%), Papel e Celulose (1,2%), Têxtil (0,9%) e Telecomunicações (0,8%), segundo o MCTI.
Entretanto, embora apresentem baixa adesão, esses setores possuem um enorme potencial de inovação. A Agroindústria, por exemplo, apresenta vastas oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias que aumentem a produtividade, promovam práticas mais sustentáveis e reduzam impactos ambientais.
A Construção Civil, por sua vez, é um campo promissor para o avanço de técnicas construtivas inovadoras e materiais sustentáveis, alinhados às tendências de eficiência energética. Já o setor de Papel e Celulose, poderia aproveitar os benefícios da Lei para aprimorar a eficiência dos processos produtivos e otimizar o uso de recursos naturais, contribuindo para a competitividade e sustentabilidade da indústria.
Na indústria Têxtil, a crescente demanda por soluções de moda sustentável e a necessidade de mitigar impactos ambientais abrem espaço para inovações em processos de produção, materiais ecológicos e tecnologias de economia circular. Por fim, o setor de Telecomunicações, peça-chave na transformação digital e na conectividade global, encontra na Lei do Bem uma oportunidade para desenvolver redes 5G, aplicações de Internet das Coisas (IoT) e soluções de Inteligência Artificial (IA).
Perspectivas para o futuro: a Lei do Bem como vetor estratégico
A cultura de investimento em inovação no Brasil ainda é incipiente, limitando a plena utilização dos benefícios previstos na Lei do Bem. Em muitos casos, as empresas enxergam o incentivo apenas como um meio para o fim e não um fim para o meio, ou seja, não se trata de uma mera forma de recuperar impostos, mas sim um importante catalisador de transformação tecnológica e competitiva.
Nesse sentido, as consultorias especializadas têm desempenhado um papel estratégico, ajudando empresas a navegar pelo processo de adesão à Lei do Bem com eficiência e segurança jurídica. Para além do compliance, é fundamental que as organizações integrem a inovação em suas estratégias centrais, rastreiem seus projetos de forma sistemática e tratem a Lei do Bem como um instrumento para alcançar sustentabilidade e vantagem competitiva.
No âmbito governamental, avanços estruturais, como revisão da exigência de lucro fiscal, podem ampliar o alcance da Lei. É igualmente relevante que o incentivo seja inserido no contexto da reforma tributária, considerando potenciais impactos decorrentes da reestruturação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).
O fato é que a inovação se tornou um pilar estratégico para o fortalecimento da nova indústria brasileira e, consequentemente, para o desenvolvimento econômico do país. Enquanto as entidades governamentais buscam equilibrar prioridades emergenciais, a expectativa é que a Lei do Bem receba atenção renovada, sendo aprimorada como parte de uma agenda ampla de incentivo à inovação. Empresas e governo, juntos, precisam enxergar a inovação não apenas como um custo, mas como um investimento prioritário para alavancar o desenvolvimento do futuro do Brasil.
Rafael Costa é Director Latam Hub do FI Group, consultoria especializada na gestão de incentivos fiscais e financiamento à Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).
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