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Se o presidente da República, de fato, se preocupa com o bem-estar dos menos abonados, deve abandonar com urgência o conflito com o Banco Central. Rolf Kuntz para o Estadão:
Para
quem gosta de inflação, o Brasil vai bem e as perspectivas são
promissoras, com projeções de alta de preços de 5,78%, neste ano, e de
3,93% em 2024. Quem caprichar na remarcação estará afinado com o
presidente da República: segundo ele, a meta oficial deveria ser mais
alta, a política anti-inflacionária é “uma vergonha”, por causa dos
juros altos, e a autonomia do Banco Central é “uma bobagem”. Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
fala da responsabilidade social, a “mais importante”, como se fosse
incompatível com a responsabilidade fiscal. Pode haver razões muito
boas, em algumas circunstâncias, para romper o equilíbrio das contas
públicas, mas o presidente se dispensou de qualquer consideração desse
tipo.
O
ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, negou qualquer
manobra contra a independência do BC. Mas parlamentares do PT logo
anunciaram a intenção de pressionar pela mudança da política monetária.
Alarmes logo soaram para quem se lembra dos desastres anteriores à
pandemia. Crise fiscal, inflação e recessão foram os legados econômicos
mais ostensivos da presidente petista Dilma Rousseff. Sujeito à sua
orientação, o BC baixou os juros a partir de 2011, primeiro ano do
mandato presidencial, e deixou a inflação subir até o primeiro semestre
de 2013.
Tentou-se
corrigir a política, mas o desarranjo se agravou, veio o impeachment e o
presidente-tampão, Michel Temer, iniciou a reconstrução. Mudou o
presidente do BC e o ministro da Fazenda e conseguiu, com apoio no
Congresso, criar um teto constitucional de gastos. Esse teto foi violado
por seu sucessor, Jair Bolsonaro, mesmo depois da pior fase da
covid-19. A alta de preços voltou a acentuar-se em 2019, atingiu 10,06%
em 2021 e recuou para 5,79% em 2022, superando de novo o limite de
tolerância.
A
conta mais pesada foi para os pobres, como ocorre normalmente. Nos 12
meses até janeiro deste ano, o grupo Alimentação e Bebidas encareceu
11,64%, mais do que o dobro da variação geral do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a principal medida oficial da
inflação (5,77%). O orçamento dos assalariados – e, de modo geral, das
pessoas de baixa renda – é o mais afetado quando sobe o custo da comida.
Isso fica dramaticamente claro nas contas do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Por
essas contas, trabalhadores com renda de um salário mínimo
comprometeram em média, em janeiro, 57,18% de seu ganho líquido para
comprar alimentos básicos. Um ano antes o dispêndio seria de 55,20%. O
salário líquido é o disponível depois do desconto de 7,5% para a
Previdência Social. Para as despesas básicas de uma família de quatro
pessoas – com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene,
lazer e Previdência –, seria necessário, em janeiro, um salário mínimo
de R$ 6.647,63, equivalente a 5,48 vezes o piso oficial. Em janeiro de
2022, o valor seria de R$ 5.997,14. Esse valor aumentou 10,85% em um
ano. Comparações entre os números do Dieese e os do IPCA ou do INPC
podem ser complicadas, mas os do Dieese são especialmente úteis para
quem busca uma visão clara do dia a dia dos trabalhadores.
Se
o presidente da República, de fato, se preocupa com o bem-estar dos
menos abonados, deve abandonar com urgência o conflito com o BC. Esse é o
conselho de figuras experientes, competentes e respeitadas, como
Henrique Meirelles, presidente do BC nos períodos Lula 1 e Lula 2, e
Armínio Fraga, chefe da instituição entre 1999 e 2002. É cedo para dizer
como será o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou
Fraga ao Estadão. Mas ele chamou a atenção para os sinais de um
“desprezo raivoso pela responsabilidade fiscal” e para a imprudência do
ataque ao BC. Se evitar esses erros, o governo poderá, segundo o
economista, realizar coisas importantes em áreas como educação, saúde e
meio ambiente, além de fortalecer a democracia.
Mas
o presidente precisará trabalhar muito mais se quiser confirmar as boas
possibilidades apontadas por Armínio Fraga. Em um mês e meio de
mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pouco fez, além de falar
em responsabilidade social, minimizar a importância da seriedade
fiscal, reclamar dos juros, prometer crescimento econômico – sem
apresentar um plano – e atacar adversários mal identificados, como os
“ricos” derrotados na eleição. É um espantoso simplismo reduzir a última
eleição a um conflito entre ricos e não ricos, como se esses grupos
correspondessem a 49,1% e 50,9% do eleitorado.
O
senhor Lula parece continuar no palanque de Vila Euclides, como
sindicalista ou iniciante da vida política. Vila Euclides é um marco
importante, mas um palanque presidencial proporciona, é razoável supor,
uma paisagem mais ampla e mais complexa. Isso foi aprendido, quase
certamente, nos dois primeiros mandatos, e deve continuar na memória
presidencial, assim como as lições do desastre deixado pela presidente
Dilma Rousseff. Se a memória ainda funcionar, algo positivo poderá
ocorrer entre 2023 e 2026.
Postado há 4 days ago por Orlando Tambosi
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