BLOG ORLANDO TAMBOSI
Não será com mais sanções econômicas que o Ocidente irá vergar Putin, avisa o economista russo Vladislav Inozemtsev. A Europa e os EUA "não precisam de lançar sanções, precisam é enviar tanques". Entrevista ao Observador:
Vladimir
Putin não irá ser vergado pela pressão dos sucessivos pacotes de
sanções económicas, avisa o economista russo Vladislav Inozemtsev. Putin
“não quer saber da economia” e tem reservas financeiras e orçamentais
que lhe permitem prolongar a guerra “pelo menos mais dois anos”. Por
isso é que “o Ocidente não precisa de lançar sanções, precisa é de
enviar tanques” e outro equipamento de guerra para ajudar a Ucrânia a
lutar – “a única forma de fazer Putin parar é derrotá-lo no campo de
batalha“.
Inozemtsev,
que é professor da Universidade de Lomonosov, em Moscovo, e diretor do
think tank Centro de Estudos Pós-Industriais, diz que a economia russa
está a “aguentar-se bastante bem” e que a maior parte das pessoas não
sente o impacto económico da guerra e das sanções – alguns até estão a
ganhar mais do que dantes, dado o êxodo de profissionais qualificados.
“Encontrar um trabalho em Moscovo, em São Petersburgo, para muitos hoje é
mais fácil do que dantes”, diz.
Um ano depois da invasão – e uma dezena de pacotes de sanções depois – como é que se está a aguentar a economia da Rússia?
Eu
diria que se está a aguentar bastante bem. E para perceber porquê temos
de perceber que a economia russa é muito dependente do petróleo e do
gás natural mas é, sobretudo, vulnerável do ponto de vista financeiro.
Como assim?
Aquilo
que as exportações de petróleo e gás fazem é contribuir com muito
dinheiro para o orçamento federal. Tanto que, quando os países do
Ocidente dizem que querem impor embargos ou tetos nos preços para
limitar as capacidades financeiras do Kremlin, isso é porque identificam
corretamente a questão. Os dados orçamentais de janeiro mostram que o
influxo de dinheiro para o orçamento federal está a diminuir de forma
muito rápida, mas a economia russa, em si, não é assim tão dependente do
orçamento federal. Se olhar para os fundos de pensões, eles não
dependem do orçamento federal – dependem das contribuições pagas pelas
empresas – e, portanto, o sistema de pensões não está a ser muito
afetado para já. Por outro lado, o investimento público continua a ser
gigantesco, cerca de 7% do PIB, pelo que mesmo que se reduza em 15% ou
20% isso não faz colapsar a economia russa.
Então como é que se pressiona Putin, economicamente?
A
única forma rápida de o pressionar seria criar turbulência financeira,
por exemplo levar o rublo a colapsar, perder grande parte do seu valor e
provocar inflação súbita. O Ocidente tentou fazer isto nas primeiras
semanas da guerra – mas nessa altura o Governo e o banco central
reagiram muito rapidamente e conseguiram estabilizar o sistema
financeiro. Essa foi a única oportunidade que os países do Ocidente
tiveram de conseguir fazer descarrilar a economia russa…
Mas o rublo acabou por estabilizar…
A
partir de agosto, sensivelmente, as hipóteses de o Ocidente conseguir
causar essa turbulência financeira baixaram muito. Agora, para conseguir
perturbar a economia russa é necessário interromper todas as
importações que entram na Rússia, porque é isso que vai causar
dificuldades em vários setores, desde a agricultura, tecnologia, etc…
Essas importações já caíram, quase 40%, mas ainda não é suficiente.
Rublo sofreu um impacto logo após a invasão da Ucrânia, mas sobretudo graças aos controlos de capitais acabou por recuperar.
Dê-nos um exemplo prático.
Por
exemplo, Putin mostra grande orgulho pelo facto de a agricultura russa
estar a conseguir fornecer todos os produtos que são necessários em todo
o país. Porém, a realidade é que a agricultura tem problemas, há uma
enorme escassez de medicamentos e vacinas para o gado, para as galinhas
etc. – tudo coisas que são importadas do Ocidente. Cerca de 95% de todas
as sementes vêm do Ocidente. E não há sanções contra estas coisas
porque se considera que é um problema delicado, porque seriam sanções
que afetariam a população. Outro exemplo é a questão farmacêutica e a
disponibilidade de medicamentos… Há muitos exemplos que ilustram porque é
que a economia continua a aguentar-se e porque é que se cria a perceção
entre as pessoas na Rússia de que nada de muito significativo está a
acontecer.
As pessoas, o cidadão comum, não estão a sentir o impacto da guerra e das sanções?
A
grande maioria das pessoas não está a sentir, simplesmente. Só estará a
sentir quem, por exemplo, é dono de um carro fabricado no Ocidente. Se
tiver um Mercedes ou um Volkswagen não vai encontrar peças de
substituição no mercado. As poucas que há é preciso ir buscá-las à
Turquia, algumas vêm da China, dos Emirados Árabes Unidos, custam o
dobro do que custavam.
Mas
é só isso? Só as pessoas que têm carros estrangeiros é que sentem as
sanções? Não está a chegar menos dinheiro às pessoas? Não está a ser
mais difícil prosperar?
É
mais complicado do que isso – não é só uma questão de dinheiro, é uma
questão de qualidade de consumo. Toda a classe média-alta russa,
habituada a ir de férias no exterior, cinco vezes por ano, esquiar,
viajar… essa parte da população sente as sanções, porque os preços dos
transportes aumentaram muito: um voo para a Turquia aumentou para quase
três vezes mais, tornou-se extremamente caro. Também ir à mercearia…
todos os produtos aumentaram uma média de 15%, e isso toda a gente está a
sentir. As senhoras que gostavam de ir às lojas de moda, de marcas
conhecidas internacionais, agora essas lojas estão fechadas.
E a classe média-baixa e baixa?
Se
a vida para as classes mais altas se tornou menos confortável, a vida
para as classes mais baixas tornou-se mais cara mas, no geral, as
classes mais baixas sentem pouco.
E no mercado de trabalho, o que está a acontecer?
Isso
é um ponto curioso, porque a classe trabalhadora de um modo geral está
neste momento numa situação melhor do que estava, apesar do que
dissemos. Imagine uma profissão como designer ou, por exemplo, alguém
que se especializa em comércio grossista, na distribuição, todos estes
estão a ganhar em média mais 50% de salário do que dantes – só porque se
gerou um enorme défice de profissionais qualificados.
Por causa da mobilização e da emigração?
Exatamente,
porque mais de um milhão de pessoas deixou a Rússia no último ano e
isto causou uma grande escassez no mercado laboral. Em algumas áreas,
como a construção e a agricultura, não mudou grande coisa em relação ao
que havia dantes, até mesmo os professores não estão a sentir porque
estão isentos de ir para a mobilização militar. Mas em setores mais
especializados há uma grande escassez e isso nota-se no mercado de
trabalho, os salários sobem, o desemprego é baixo. Encontrar um trabalho
em Moscovo, em São Petersburgo, hoje é mais fácil do que dantes.
Mas o facto de tantas empresas internacionais terem saído do país… isso não reduz a procura laboral?
Nem
por isso. Algumas das empresas saíram mas os negócios continuam lá. O
melhor exemplo é o McDonald’s, que era um grande empregador, largas
dezenas de milhares de pessoas. Esse negócio foi vendido,
ao preço da chuva, a um comprador designado pelo governo, portanto toda
a gente continua a trabalhar ali na mesma. Deixaram de conseguir o
concentrado para fazer Coca-Cola, e alguns ketchups americanos, mas de
resto está tudo igual. Outras empresas, como as tecnológicas, empregavam
milhares de pessoas na Rússia – muitas destas empresas mudaram estas
pessoas para outros países. Pegaram em escritórios inteiros e em
famílias inteiras e levaram-nos para outros países, para a República
Checa, para a Estónia, e muitos outros. Houve perda de empregos no
fabrico automóvel, onde se perderam mais de 100 mil postos de trabalho
muito concentrados geograficamente em duas zonas. Mas o Governo avançou
com subsídios de desemprego generosos, muitos dos quais ainda estarão a
ser pagos. O segundo problema é a redução de empregos em algumas áreas
do retalho e dos centros comerciais. Mas, fora estes casos, no geral as
pessoas estão a sentir muito pouco e muitas até estão a ganhar mais.
Em
resumo, isto quer dizer que as sanções não estão a funcionar? Desde o
início da guerra dizia-se que a intenção era estrangular a economia
russa, afundar o rublo, pressionar Putin através da economia… Isso
falhou? Ou está a falhar?
Em
certo sentido, sim. Quando eu analisei as sanções cometi um erro e, por
outro lado, acertei em cheio num outro ponto. O ponto em que errei foi
quando disse que a economia russa iria cair cerca de 10% já em 2022, o
que foi um enorme exagero [o PIB terá caído “apenas” 3%]. Por outro
lado, avisei logo que nenhum tipo de sanções económicas iria alterar o
desígnio político de Putin. Quem achar que vai conseguir acabar com a
guerra impondo sanções económicas está, completamente, a sonhar. Nunca
vai acontecer, isto sempre foi evidente, desde o início. A única forma
de fazer Putin parar é derrotá-lo no campo de batalha. O Ocidente não
precisa de lançar sanções, precisa de enviar tanques.
Não é possível fazer a economia russa colapsar?
É
possível… Se daqui a dois ou três anos o preço do petróleo estiver
abaixo de 50 dólares por barril e se os europeus limitarem cada vez mais
as importações e exportações, se não houver fornecimento de peças para
aviões, carros, equipamentos industriais, a economia vai definhar. É
possível fazer a economia definhar, ao longo do tempo, mas não é
possível fazer com que isso altere os desígnios políticos de Putin. Na
Rússia, a política e a economia são domínios paralelos, que não se
cruzam. Se o Ocidente quiser demover Putin tem de o derrotar no campo de
batalha e provocar o colapso das suas forças militares, não da sua
economia. Porque ele não quer saber da economia.
A economia é como se fosse apenas um meio para um fim, nunca um fim?
Ele
não quer saber. Algumas pessoas recordam-se que no início dos anos 2000
ele definiu como objetivo atingir o ‘PIB per capita’ de Portugal. Claro
que isso nunca aconteceu. Quando ele voltou ao Kremlin, a partir de
2012, ele nunca mais falou sobre os sucessos económicos que a Rússia
devia procurar ter. Foi só ‘somos uma grande nação, vamos tomar a
Crimeia, estamos de erguer-nos, temos de confrontar a NATO’… Falava de
tudo menos de economia.
Esse discurso teve impacto na economia, mesmo antes da guerra?
Entre
2000 e 2007 a economia terá crescido cerca de 96%, quase duplicou, mas
entre 2013 e agora não tem havido nenhum crescimento que se veja –
talvez 1%, em média, por cada ano. Talvez menos. Putin entende que as
pessoas não protestam contra esta estagnação económica, as pessoas estão
disponíveis para sobreviver, para se adaptarem a viver com menos, estão
habituadas a esta realidade e não há qualquer pressão sobre Putin para
que faça mudanças a nível económico. Ele sente-se completamente imune em
relação às pressões económicas, sejam vindas de dentro ou de fora.
E
a questão das reservas internacionais da Rússia, que foram congeladas
logo no início da guerra e que foram anunciadas como algo que ia tolher
muito os movimentos de Putin. Isso está a ter algum efeito ou não está a
ser algo significativo nesta situação?
Está
a ter algum efeito, claro, as reservas internacionais de Putin estão
congeladas mas, como se constatou posteriormente, para a Rússia era
muito mais importante manter um fluxo constante de dólares (e euros),
venha de onde vier. Isso foi e é mais importante do que as reservas.
Venha de onde vier? Vem de onde?
Se
uma empresa importadora russa precisa de dólares, entregando rublos,
basta ter uma balança comercial sempre positiva – e, conseguindo isso,
basta exigir aos exportadores que imediatamente, após receberem dólares,
os convertam em rublos. E a Rússia exportou no ano passado o dobro
daquilo que importou. Desde 28 de fevereiro [quatro dias após a
invasão], sempre que alguma empresa vende alguma coisa fora da Rússia,
em dólares, tem, logo de imediato, de trocar esses dólares por rublos,
ou seja, não há qualquer hipótese de o rublo perder muito valor face ao
dólar.
Num
dos artigos que escreveu nos últimos tempos, na imprensa, salientava
que a Rússia irá ter eleições presidenciais em 2024 – e que, de alguma
forma, isso poderia significar que a guerra se poderia arrastar pelo
menos até esse momento. É assim?
Não
é bem isso. Há eleições previstas para 17 de março de 2024 – dia em que
se celebram 10 anos após a anexação da Crimeia. Não sei se isso tem
implicações para a duração da guerra mas algumas pessoas têm especulado
que as eleições podem vir a ser adiadas ou, até, adiantadas. Ou que
Putin pode nomear algum sucessor. Eu acho que nada disso vai acontecer:
Putin vai concorrer, vai ganhar, não vai permitir-se que qualquer outro
candidato credível se candidate, portanto será uma campanha fácil para
Putin, será uma formalidade. A única implicação disto é que Putin poderá
querer dar mais algum dinheiro aos pensionistas, mais alguns benefícios
para os salários dos funcionários públicos…
Mas
escrevia que a Rússia tem capacidade militar e financeira para manter o
esforço de guerra “indefinidamente”, assumindo o grau de intensidade
atual…
Sim,
a Rússia consegue lutar esta guerra durante muitos anos. Não digo que
aguentasse cinco anos, mas um ou dois anos mais é bem possível, porque
Putin vai continuar com estas mobilizações, vão pôr mais pessoas no
exército, vão investir mais no esforço de guerra, pagar mais ao pessoal
militar… Isto é possível de sustentar, nos cálculos que fiz, pelo menos
durante mais dois anos. Pelo menos.
As reservas orçamentais chegam para isso?
O
orçamento está no vermelho, o défice anual, segundo o Kremlin, será de 3
biliões de rublos [ao câmbio atual cerca de 38 mil milhões de euros],
eu penso que serão pelo menos 7 biliões. Mas mesmo 7 biliões não seria
um número catastrófico.
Porquê?
Uma
das razões é que há um fundo soberano, de reserva, que terá neste
momento cerca de 6,5 biliões ou 7 biliões disponíveis (embora eles digam
que estão lá mais de 11 biliões). Putin não quererá gastar tudo, talvez
possa gastar metade. E podem financiar-se emitindo dívida no mercado
interno de forma intensiva. As estimativas dizem que os cidadãos russos
terão nos bancos 32 biliões de rublos [cerca de 400 mil milhões de
euros] depositados nos bancos. Quando temos uma base de depósitos de 32
biliões de rublos nos bancos, só entre os particulares (não incluindo
empresas), e há um défice de 7 biliões… Não é assim um desafio tão
grande, basta mobilizar 20% das poupanças dos próprios cidadãos,
oferecendo-lhes uma rendibilidade um pouco mais elevada.
Semicondutores feitos nos EUA e na Europa são vendidos a árabes, a chineses, a singapurenses, que depois vendem aos russos.
Sobre a banca, também foi muito propalada a exclusão da Rússia do sistema SWIFT. Teve algum impacto?
Sim,
mas quando não se pode processar um pagamento em minutos mas em dois
dias (usando um mero “telex“), isso não é um grande problema quando
estamos a falar de grandes transações de petróleo. Nesse setor receber
dois ou três dias depois não é problemático. Muito mais importante, do
meu ponto de vista, é que todos os bancos têm um sistema de homebanking e
domínios na internet que lhes foram concedidos pelas grandes empresas
mundiais de tecnologia – os chamados certificados de segurança são
concedidos por essas empresas ocidentais. A Rússia não tem qualquer
empresa tecnológica capaz de emitir estes certificados e sem eles o site
de um banco como o Alpha Bank ou Sberbank passa a ser de navegação
insegura. Mesmo dentro da Rússia, se alguém tenta usar a sua conta para
pagar um serviço, aquela ligação vai ser considerada não-segura e isso
criaria um entrave a todo o sistema financeiro e de pagamentos. Em
setembro criou-se o RuNet mas durante seis meses eles tiveram essa
grande vulnerabilidade e ninguém fez nada com isso… Teria sido uma
catástrofe se, por exemplo, a 1 de março todos os certificados de
segurança tivessem sido revogados. Mas não foi feito.
E os semicondutores, os “chips”, que o Ocidente também está a tentar controlar?
É
um ponto importante. Os números oficiais dizem que as importações de
“chips” na Rússia caíram 60% entre janeiro e abril mas, hoje, estão 65%
acima do que estavam há um ano.
Como é que isso foi possível?
Porque
tudo vem de outros países como os Emirados Árabes Unidos, Singapura e
Hong Kong. Não estamos a falar de produtos chineses, são semicondutores
feitos nos EUA e na Europa, que são vendidos a árabes, a chineses, a
singapurenses, que depois vendem aos russos. A Reuters e outras
publicações já fizeram investigações jornalísticas sobre isto – e única
forma de travar isto é aplicar sanções aos bancos por onde passam essas
transações. Sancionar empresas de nada serve porque cria-se uma empresa,
que opera durante um tempo, sanciona-se, abre-se outra empresa ao lado.
E os bancos não têm nada a perder em envolver-se nisto. Isto só vai
mudar quando se castigarem os intermediários financeiros que permitem
que isto aconteça.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
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