BLOG ORLANDO TAMBOSI
O sociólogo Sergio Abranches, criador do termo “presidencialismo de coalizão”, acredita que Lula precisa mostrar resultados na economia em breve, ou terá problemas para manter o apoio dos parlamentares. Entrevista a Duda Teixeira, da revista Crusoé:
Em
1988, a revista Dados publicou um artigo do sociólogo Sergio Abranches,
de 74 anos, em que ele cunhava o termo “presidencialismo de coalizão”. O
texto afirmava que a fragmentação da sociedade brasileira, desde 1946,
fazia com que o partido do presidente não alcançasse mais de 20% no
Congresso, o que obrigava o chefe do Executivo a sempre formar uma
coalizão com vários partidos após a posse.
Mais
de três décadas depois, o conceito ainda é fundamental para entender a
política brasileira. Em entrevista a Crusoé, Abranches comenta que Lula
entende mais do presidencialismo de coalizão do que Jair Bolsonaro, mas
que terá dificuldades em manter o apoio no Congresso por mais tempo.
“Quando acabar esse período de graça que vem depois da vitória
eleitoral, quando ocorre a distribuição cargos, virá a estação das
mágoas. É quando os jornais começam a veicular notícias sobre o senador
Beltrano ou do deputado Sicrano. Eles começam a ficar descontentes com a
fatia do bolo que ganharam. Reclamam que os ministérios não estão mais
liberando emendas ou que o governo não está cumprindo com o prometido”,
diz ele, por telefone. Para sobreviver a esses questionamentos futuros —
comuns a todos os mandatos presidenciais — Abranches diz que será
imprescindível para Lula uma economia nos trilhos, com baixa inflação e
renda crescente.
Pelo que se pode observar deste novo governo, Lula entende mais do presidencialismo de coalizão que Bolsonaro?
Certamente.
Lula administrou muito bem as coalizões quando governou. Esse não foi o
caso da Dilma Rousseff, que veio na sequência. Bolsonaro, ao tomar
posse em 2019, mostrou que não aprendeu nada nos quase trinta anos que
passou na Câmara dos Deputados. Ele não aprendeu como é a relação entre o
Legislativo e o Executivo ou como funciona o Congresso Nacional.
Bolsonaro achou que poderia governar com bancadas temáticas. Acontece
que elas só são coesas quando está em votação um tema que interessa para
elas. Em outros assuntos, elas se comportam seguindo interesses
diversos. Mais tarde, quando o Bolsonaro começou a fazer funcionar uma
relação com o Legislativo, isso não aconteceu através de uma coalizão, e
sim da abdicação de poder para Arthur Lira, o presidente da Câmara.
Então, pela primeira vez, o poder passou a ser exercido pelo Congresso, e
não pelo Executivo.
O sr. poderia explicar melhor o conceito do presidencialismo de coalizão?
No
Brasil, o presidente da República divide o poder com o Legislativo.
Como a sociedade é muito heterogênea, o sistema político é muito
fragmentado e o partido do presidente jamais consegue a maioria. Desde
que esse modelo foi instalado, com a Constituição de 1946, a sigla do
presidente nunca obteve mais de 20% das cadeiras na Câmara dos
Deputados. Então, todos os mandatários obrigatoriamente tiveram de
negociar uma coalizão. Desde 1988, com a volta da democracia, aqueles
que não conseguiram fazer isso tiveram muitos problemas, como Fernando
Collor, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Por outro lado, aqueles que se
destacaram nesse quesito tiveram mandatos mais tranquilos. É o caso de
Fernando Henrique, de Lula e de Michel Temer.
Como se formam essas coalizões?
Em
outros países, como a Alemanha, os partidos precisam se juntar e montar
um programa comum. No Brasil, isso não ocorre. Como o sistema
tributário e fiscal é muito concentrado no nível federal, a coalizão se
dá na base do compartilhamento de ministérios ou cargos no segundo e
terceiro escalão, que têm prestígio ou permitem uma participação das
demais siglas no Orçamento.
Que diferenças esse modelo tem com o presidencialismo dos Estados Unidos?
Há
basicamente três diferenças. Nos Estados unidos, o presidente tem uma
capacidade muito maior de definir as políticas públicas em determinadas
áreas, sobretudo em política externa. Ele depende menos do Congresso. Em
segundo lugar, o Orçamento é impositivo. Então, não há muito espaço
para o parlamentar barganhar dinheiro na Casa Branca, porque os recursos
já foram alocados. A terceira diferença é que, como o sistema de
votação é distrital e majoritário, é muito difícil que um terceiro
partido consiga romper essa reserva de mercado política. Basicamente, há
apenas dois partidos, e não faz muito sentido em falar em coalizão.
Lula
ampliou o número de ministérios para 37, distribuiu cargos de segundo e
terceiro escalão e fala em gastar mais. Isso lhe garantirá apoio no
Congresso por quanto tempo?
O
presidente acertou muito na área social e ambiental. Na questão
climática, amadureceu de forma absurda. Mas ele tem errado na maneira
pela qual discute a questão econômica. Aí ele está criando muitas
arestas. Além disso, com as suas declarações ele está mexendo com as
expectativas, o que atrasa a possibilidade de entregar um bom resultado
econômico. E isso é essencial para a manutenção da governabilidade.
Quando acabar esse período de graça que vem depois da vitória eleitoral,
quando ocorre a distribuição cargos, virá a estação das mágoas. É
quando os jornais começam a veicular notícias sobre o senador Beltrano
ou o deputado Sicrano. Eles começam a ficar descontentes com a fatia do
bolo que ganharam. Reclamam que os ministérios não estão mais liberando
emendas ou que o governo não está cumprindo com o prometido. Nesse
período crítico, o que segura os parlamentares na coalizão é a
popularidade do presidente. No Brasil, isso depende crucialmente do
desempenho econômico: inflação baixa e renda dos trabalhadores
crescendo.
Por que isso é tão crucial?
Porque
o chefe do Executivo é visto como o principal responsável por essas
coisas. Quem paga a conta da inflação é o presidente, mais ninguém. Isso
acontece mesmo quando existem explicações externas para a subida dos
preços, como uma pandemia ou uma guerra. Lula precisa tomar mais cuidado
com a parte econômica. Sobretudo a partir do final deste ano e começo
do ano que vem, ele terá de começar a dar resultados econômicos mais
visíveis.
Se
Lula seguir com declarações para agradar a base petista, como os
ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ele pode
comprometer sua capacidade de formar uma coalizão?
Quando
o presidente está com a popularidade muito alta ou crescendo, há uma
força centrípeta brutal. A Presidência, que está no centro do sistema,
agrega apoio e a oposição se enfraquece. Mas, se ele começa a perder
apoio na população, a força passa a ser centrífuga, e todos se afastam
do presidente. Os parlamentares então vão buscar outras lideranças,
procurando quais serão os próximos candidatos. Lula diz que não está
atrás de popularidade, mas ele sabe que as coisas funcionam assim.
Se Lula sabe disso, não estaria agindo contra os próprios interesses ao criar tanta cizânia?
Ele
sempre fez isso. Em todos os mandatos, ele reclamou dos juros e
implicou com o Banco Central. Mas ele faz um jogo duplo. Lula radicaliza
contra os juros e o Roberto Campos Neto. Ao mesmo tempo, deixa o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dirigir a economia livremente e
conversar com o presidente do BC. Na época do Henrique Meirelles, o Lula
o deixou fazer uma política que petistas chamariam de neoliberal. O
Lula tem flexibilidade. Ele defende a posição mais à esquerda, mas deixa
o governo fazer uma política mantendo as coisas em seus devidos
lugares.
Como o sr. vê a atual coalizão em relação às outras que Lula conseguiu no passado?
Talvez
ele não consiga formar uma maioria do mesmo tamanho das que ele fez
antes. Como há menos partidos, as bancadas se tornaram de tamanho médio.
Tem muito partido com 30 ou 40 integrantes. Nenhum partido tem mais de
cem membros. São todos medianos. Além disso, os nanicos sumiram. Tudo
isso faz com que seja preciso ter mais partidos dentro da coalizão. Ao
mesmo tempo, mais partidos passaram a ter capacidade de veto. Essa
configuração tornará mais difícil para Lula administrar sua coalizão.
Parlamentares que prometeram apoio poderão negá-lo mais adiante?
A
coalizão é sempre uma promessa de apoio. Uma boa comparação é ver como
ocorrem as vendas de imóveis. Algumas pessoas que assinam o termo de
compra têm a convicção de que irão até o fim, só estão esperando que as
últimas condições sejam criadas. Mas outros assinam o termo mesmo em
dúvida. Só não querem perder a oportunidade. Na política também é assim.
Alguns líderes sabem que contarão com 80% ou 90% das suas bancadas
votando com o governo. Outros falam em apoio, mas terão de negociar os
votos dos seus colegas a cada votação. Isso obrigará Lula a entrar em
sucessivas negociações. Sempre foi assim. Não será diferente agora.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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