Para não ser vítima de Bolsonaro e de seus adoradores, o Supremo deve ser supremo, também, diante de cada um de seus ministros. Marcelo de Azevedo Granato para o Estadão:
Aos
trancos e barrancos, o Supremo Tribunal Federal (STF) segue sendo uma
das instituições brasileiras ainda não cooptadas pelo bolsonarismo. Nas
palavras do próprio presidente da República, “lá (no STF) eu tenho dois
ministros indicados por mim, então a chance é de 20%”. No início deste
ano, em entrevista à oficiosa Jovem Pan, Bolsonaro disse que já
considera dois nomes para indicar ao STF caso seja reeleito. Enquanto
isso, ele segue em seus ataques ao tribunal.
E
eles dão resultado. Estudo realizado por pesquisadoras da FGV Direito
SP, no âmbito do Relatório ICJ Brasil 2021, mostra que a confiança no
STF é maior entre os eleitores que não declararam voto em Bolsonaro. O
mesmo ocorre quando se trata de avaliar a atuação do tribunal nos
processos relacionados à pandemia de covid-19. Além disso, a maioria dos
eleitores do presidente entende que os ministros do STF são iguais a
quaisquer outros políticos, e 50% deles aprovam a substituição de
ministros pelo presidente quando as decisões deles contrariarem a agenda
governamental.
A
pregação presidencial contra o STF (e o Tribunal Superior Eleitoral)
tem um objetivo claro: desmoralizar esses tribunais, indicando que
alguns de seus ministros ou atuam à margem da lei e da Constituição ou
em prol de outras representações políticas. É no enfraquecimento da
autoridade de ambos que Bolsonaro busca se fortalecer. Afirmando que
ministros agem de modo ilegal ou parcial, ele mina a confiança da
sociedade nessas instituições, o que facilita seu mais que aparente
objetivo de desobedecer-lhes caso elas o contrariem nas eleições deste
ano.
O
problema é que este cenário não é obra exclusiva da cacofonia
bolsonarista. Há anos alguns dos ministros do STF também contribuem para
o descrédito da Corte. Por exemplo, quando não contêm suas avaliações
políticas. Em 2016, o ministro Ricardo Lewandowski disse que o
impeachment de Dilma foi um “tropeço na nossa democracia”. Em 2017, o
ministro Gilmar Mendes afirmou que o Tribunal Superior do Trabalho é um
“laboratório do Partido dos Trabalhadores”. É natural que magistrados
tenham opiniões políticas, coincidentes ou não com as nossas, mas o
amontoar-se delas não valoriza o tribunal perante a sociedade (que tem
vivido a política como afeto, rejeição, intimidação).
Em
maio deste ano, o ministro Luiz Fux celebrou o Dia Mundial da Liberdade
de Imprensa afirmando que onde a imprensa não é livre a democracia é
uma mentira. A frase é correta e oportuna, mas não orna com a famosa
decisão de Fux cassando a autorização dada por Lewandowski para uma
entrevista de Lula na prisão às vésperas da eleição de 2018. Goste-se ou
não do entrevistado, a decisão continha infinitos problemas, como o não
reconhecimento da liberdade de imprensa.
Os
ministros também poderiam valorizar mais a colegialidade, isto é,
preferir decisões colegiadas às monocráticas, que, com um voto só, não
raro configuram um estado de coisas irreversível em torno de questões de
primeira grandeza, que mereceriam a oportuna consideração de todos os
ministros.
Nesse
ponto, o ministro Nunes Marques é uma usina de exemplos. Como ao
autorizar a realização de celebrações religiosas presenciais em meio ao
elevado número de mortes diárias decorrentes da covid-19 em abril de
2021. Ali, ele não só decidiu sozinho (faltou colegialidade), como
decidiu contra a jurisprudência do seu próprio tribunal.
Outro
exemplo foi o julgamento da “revisão da vida toda” do INSS. Faltavam só
30 minutos para o fim da sessão de julgamento e todos os 11 ministros
já tinham votado: 6 favoráveis e 5 contrários à revisão pretendida pelos
aposentados. Mas deu tempo de Marques, da corrente minoritária, pedir
destaque do caso para o plenário, impondo o reinício do julgamento no
tribunal, com nova votação (que terá André Mendonça no lugar do
aposentado Marco Aurélio Mello). Por que ele fez isso? Síndrome de “dono
da bola”? Sensibilidade às declarações de Bolsonaro, para quem aquela
revisão iria “quebrar o Brasil”? Não sabemos, ele não justificou sua
ação.
E
tudo fica mais curioso quando se recorda que, em sua sabatina no
Senado, Marques disse: “Talvez por ter nascido para a judicatura em
colegiado e nunca ter elaborado em juízo singular, não tenho por hábito
julgar recursos de forma monocrática. Sempre prestigio o colegiado”.
Verba volant, diria Temer.
Além
de colegiadas, as decisões no STF precisam ser consistentes e
coerentes. Em 2016, Gilmar Mendes impediu, por decisão monocrática, a
posse de Lula como ministro da Casa Civil do governo Dilma. Em
circunstâncias muito semelhantes, porém, Celso de Mello não impediu a
posse de Moreira Franco no Ministério de Temer. Certas ou erradas, essas
duas decisões passam a impressão de que a interpretação da Constituição
pelo STF, ou por um ministro seu, varia conforme o grupo político
envolvido no processo.
Em
suma: para não ser vítima de Bolsonaro e de seus adoradores, o Supremo
Tribunal Federal deve ser supremo, também, diante de cada um de seus
ministros. A atuação rápida e coesa do tribunal no auge da crise
política e sanitária relacionada à covid-19 (2020) mostra que isso é
possível.
DOUTOR
EM DIREITO PELA USP E PELA UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI TORINO (ITÁLIA), É
INTEGRANTE DO INSTITUTO NORBERTO BOBBIO E PROFESSOR DA FACAMP
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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