As fake news envenenam o debate público e é preciso barrar sua disseminação em escala industrial, com más intenções, ainda mais em ano eleitoral. E é possível fazer isso sem violar a liberdade de expressão individual dos cidadãos brasileiros. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
Dois
fatos recentes demonstram a urgência de se aprovar o Projeto de Lei
2630/2020, chamado de Lei das Fake News. O primeiro foi a tentativa do
presidente Jair Bolsonaro de alterar o Marco Civil da Internet, via
Medida Provisória (MP), para restringir a autonomia das empresas de
redes sociais em moderar o conteúdo dos usuários — por exemplo, ao
ocultar postagens ou suspender perfis que violam os termos de uso. O
outro fato é a criação do Programa de Combate à Desinformação (PCD) do
Supremo Tribunal Federal (STF), anunciado no início do mês, com o
objetivo de combater a desinformação e narrativas de ódio contra a
corte.
As
duas iniciativas são tentativas equivocadas de lidar com o fenômeno das
fake news ou de modular esse esforço com o direito à liberdade de
expressão.
Por
um lado, o governo Bolsonaro está certo ao considerar que as gigantes
de tecnologia têm poder demais para decidir o que pode ou não ser
veiculado em suas plataformas. Por outro, o STF tem razão quando aponta
para o perigo que as informações fraudulentas, melhor definição para o
termo fake news, representam para a harmonia institucional e, portanto,
para a democracia.
Mas
a solução do governo representaria, na prática, um salvo conduto para
disseminação de fake news ao jogar a maior parte da responsabilidade de
moderação de conteúdo para a Justiça (que, no Brasil, costuma tardar e
falhar). E o programa do STF, por sua vez, ao confiar excessivamente em
agências de checagem, pode ter o efeito de politizar ou dar um ar
enviesado para a decisão do que é desinformação ou não.
As
agências de checagem têm um papel importante quando se trata de
identificar informações fraudulentas e apontar para fontes mais
confiáveis, com maior transparência. O público pode ler as explicações,
conferir de onde vêm os dados e decidir melhor em quem confiar. Mas é
problemático transformar essas agências em tribunal do júri oficial do
Estado para apontar o que é ou não fake news.
A
alternativa para esses dois caminhos tortos, o da MP das Fake News e o
da oficialização das agências de checagem, existe e poderia ser colocada
de pé rapidamente. Trata-se da Lei das Fake News, de autoria do senador
Alessandro Vieira (Cidadania/SE), que foi aprovada no Senado e está
desde julho do ano passado na Câmara dos Deputados, onde aguarda para
ser discutida em comissão temporária.
Algo
que de saída é preciso saber a respeito desse projeto de lei é que ele
não tem uma definição do que é fake news ou desinformação. Isso é ótimo,
pois evita conceitos vagos que poderiam dar margem para a censura ou
para a restrição à liberdade de expressão.
Outro
esclarecimento importante é que o alvo da Lei das Fake News não é o
cidadão comum que eventualmente dá uma opinião enviesada ou baseada em
informações falsas, ou mesmo que resolva mentir deslavadamente. O que o
texto faz é focar na escala industrial da desinformação, como me
explicou certa vez o jurista Ricardo Campos, especialista que atuou como
consultor na elaboração do projeto.
O
objetivo da lei é coibir a ação de empresas ou grupos políticos que
patrocinam atividades inautênticas nas redes sociais, pagando para a
criação de perfis falsos ou para a publicação e disparo de milhares de
mensagens ou postagens por dia sem identificação de autoria do conteúdo.
Esse
é o modo de atuar de quem quer influenciar de maneira fraudulenta no
debate público e é isso que precisa ser combatido e retirado do ar. Não o
cidadão comum que dá sua opinião, o jornalista que faz uma crítica a
quem quer que seja ou mesmo o presidente que diz algo que vai contra o
que a empresa de tecnologia considera correto, por mais absurda e
descolada da realidade que a declaração possa ser.
Melhor
ainda, e isso deveria agradar ao presidente Bolsonaro: a Lei das Fake
News cria mecanismos para impedir as grandes companhias de redes sociais
de abusar do seu poder de tirar do ar publicações ou perfis, criando
procedimentos para que os prejudicados possam recorrer da remoção de
conteúdo primeiro à empresa, de maneira rápida e com critérios
transparentes, sem precisar passar pela Justiça.
As
fake news envenenam o debate público e é preciso barrar sua
disseminação em escala industrial, com más intenções, ainda mais em ano
eleitoral. E é possível fazer isso sem violar a liberdade de expressão
individual dos cidadãos brasileiros.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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