A reconstrução do Itamaraty e da política externa deveria ser uma das prioridades para um novo governo em janeiro de 2023. Rubens Barbosa para o Estadão:
O
discurso do presidente Bolsonaro na ONU recoloca em pauta a função e as
atribuições do Itamaraty. A competência e o conselho informado para
responder aos desafios que o Brasil está enfrentando foram deixados de
lado. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) perdeu o lugar que
sempre teve como principal auxiliar do presidente na formulação e
execução da política externa e de efetivo coordenador dos temas de
interesse do Brasil na área externa.
O
mundo atravessa um momento de grandes transformações nas áreas
política, econômica e social. A geopolítica e a geoeconomia, que foram
se modificando na última década, vão passar por uma série de ajustes com
a saída dos EUA do Afeganistão. Qual o lugar dos EUA no mundo? Como a
China, a nova superpotência comercial, tecnológica e militar, evoluirá?
Como se desenvolverá o novo polo dinâmico de crescimento econômico e de
comércio exterior? Qual o impacto dos rápidos avanços tecnológicos (5G e
Inteligência Artificial)? Como a preocupação global sobre meio ambiente
e mudança de clima será traduzida em medidas comerciais restritivas?
Como o acirramento da competição global entre China e EUA pela hegemonia
política no século 21 afetará os países? Qual o efeito sobre a
globalização do reordenamento produtivo, das cadeias de produção,
protecionismo, autonomia soberana, revolução energética, crise no
multilateralismo? Como a regionalização afetará a geopolítica e a
geoeconomia global (fortalecimento das potências regionais e dos acordos
regionais)? Qual o futuro papel da América do Sul – continuará na
periferia? Quais os riscos criados pelas novas ameaças (terrorismo,
ataques cibernéticos, guerra no espaço)?
O
Brasil, nos últimos dois anos, não soube interpretar corretamente,
segundo seus interesses, o sentido dessas mudanças. Qual será o lugar do
Brasil neste mundo que emerge? Como as grandes transformações
econômica, comerciais, tecnológicas e geopolíticas e geoeconômicas
poderão afetar o interesse nacional? Como o Brasil se posicionará no
contexto hemisférico e regional? Como o Brasil deverá reagir com a
ampliação da confrontação entre China e EUA? Como o Brasil poderá
contribuir para o fortalecimento da governança global? Como ficarão as
políticas em relação às negociações em fóruns multilaterais (o Brasil
assume em 2023 lugar no Conselho de Segurança da ONU)? Como implementar
os objetivos estratégicos e os interesses do Brasil nas áreas onde
pretende ter influência, como América do Sul, Antártica e o Oceano
Atlântico até a costa ocidental da África, como definido na Política
Nacional de Defesa (quais as implicações militares e políticas do
oferecimento de parceria global com a Otan)?
Nossos
interesses imediatos do ponto de vista da projeção externa incluem, em
especial, a mudança da percepção externa negativa sobre o País, a volta
do protagonismo nas negociações sobre meio ambiente e mudança de clima,
com uma nova política em relação à proteção da Amazônia, a definição de
uma política proativa para a América do Sul, o aperfeiçoamento da
inteligência e da promoção no comércio exterior, a reativação da
participação do Brasil nos organismos multilaterais (políticos e
econômico-comerciais) e posição equidistante no confronto EUA-China,
definindo, em cada caso, o interesse nacional acima de considerações
ideológicas ou geopolíticas).
O
Itamaraty – instituição de Estado, dedicada ao serviço dos interesses
permanentes do País – terá de adequar a política externa aos novos
desafios internos e externos com dinamismo e inovação. Para operar neste
novo cenário, o Itamaraty precisa mais uma vez se renovar, pois nos
últimos dois anos deixou de gozar da unanimidade nacional, em razão de
interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos
decisórios. Internamente, terá de promover uma reforma estrutural para
corrigir as distorções das mudanças ocorridas em 2019 e fortalecer com
pessoal os departamentos e secretarias em Brasília e as embaixadas, onde
se concentrarão muitos dos interesses comerciais brasileiros, como a
Ásia, o Sudeste da Ásia, a América do Sul e os Brics. A nova gestão à
frente do MRE – que busca restabelecer a normalidade e as prioridades
nas atividades da Casa – formalizou na presidência da Asean o interesse
do Brasil em tornar-se parceiro de diálogo setorial desta associação
asiática, em razão do grande interesse comercial para o agronegócio
nacional. A criação de mais postos no exterior deveria estar subordinada
a essas prioridades.
Os
desafios que o Brasil terá de enfrentar nos próximos anos forçarão uma
mudança de atitude dos funcionários diplomáticos e do governo como um
todo para atender às demandas dos novos tempos. A presença mais ativa e
visível do Itamaraty será importante para a recuperação de seu papel de
coordenação nas matérias relacionadas com a área externa. Será
imperativo dialogar com a academia e a sociedade civil em geral, e, em
especial, abandonar posturas defensivas e tendências partidárias e
ideológicas que contribuíram para a perda de sua influência e para o
isolamento do Brasil num mundo em crescente transformação.
A reconstrução do Itamaraty e da política externa deveria ser uma das prioridades para um novo governo em janeiro de 2023.
MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, É PRESIDENTE DO IRICE
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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