Intervenção instagramável by Os Gêmeos na fachada do Museu Oscar Niemeyer em Curitiba: o sonho de todo artista contemporâneo é virar estampa. Paulo Polzonoff via Gazeta do Povo:
Aprendi
com Jerônimo Teixeira que repudiar toda e qualquer manifestação da arte
contemporânea é coisa de filisteu. Difícil discordar. A arte que temos
hoje é essa, marcada por instalações, intervenções e invencionices do
gênero. É possível ignorá-la e rejeitá-la, mas não dá para negar que ela
expressa os valores do presente. Valores que vou chamar de precários –
só porque sou educadinho.
Dizendo
para mim mesmo “não sou um filisteu, não sou um filisteu”, fui a várias
exposições de arte contemporânea antes da pandemia. A última delas foi a
de Ai Weiwei. E o que vi foram crianças correndo para um lado e para
outro, enquanto os pais seguravam o queixo, fazendo as mais tresloucadas
conjecturas sobre as obras.
Eis
o resumo do que se transformou a arte contemporânea. Essa que, se você
ignorar, já sabe, é um filisteu! À semelhança da literatura (algo que
mencionei num texto anterior), ela abdicou da contemplação,
substituindo-a pelo discurso. E no discurso está implícito o furor
ideológico-panfletário.
Transgressão de fachada (com trocadilho)
Os
grafiteiros conhecidos como Os Gêmeos (OSGEMEOS, no original) são fruto
dessa opção da arte pelo discurso. E só são reconhecidos como artistas
(a segunda palavra mais esvaziada da nossa língua, atrás apenas de
“democracia”) porque suas obras supostamente transgressoras se enquadram
num conceito institucionalmente aceito de transgressão. Traduzindo: o
urinol só é arte porque uma autoridade, ainda que munida de ousadia
& alegria, num belo dia atestou: é arte.
Por
isso chama a atenção a briga entre os Apreciadores da Arquitetura de
Oscar Niemeyer (ApAON) e Os Gêmeos – queridinhos dos hipsters que,
coitados, já nasceram contaminados pelas ideias de espontaneidade,
sentimentalismo e bom-mocismo hipócrita que norteiam a apreciação
artística hoje em dia.
Se
você não sabe do que estou falando, estou aqui para esclarecer. Alguém
teve a brilhante ideia de chamar Os Gêmeos para fazer uma “intervenção”
no Museu Oscar Niemeyer – cujas instalações foram projetadas pelo mesmo
arquiteto que enfeiou o cerrado. Agora, o bisneto de Niemeyer chora
pelos cantos. Enquanto os admiradores da pichação com grife by Os Gêmeos
se esforçam para engrossar a voz e chamar de reacionários os fãs do
velho comunista.
É
mais ou menos como se o É o Tchan reclamasse de ter uma versão de “Na
Boquinha da Garrafa” gravada pela Anitta. Como se Paulo Coelho tivesse
uma página de seu “O Alquimista” reescrito por Ricardo Lísias. Ou como
se o Cigano Igor invadisse o palco de uma peça de Gerald Thomas e lhe
dissesse “Teamodara”.
Sou pessoa “dubem”
Aliás,
ao leitor pode parecer incompreensível a má vontade da intelligentsia
em relação a Romero Britto e a condescendência que essas mesmas pessoas
fãs de mesóclises dispensam aos pichadores com grife. Afinal, eles têm
mais em comum do que sonham os vãos e vis catálogos de arte.
Para
começo de conversa, ambos têm um mesmo objetivo: virar estampa. É um
objetivo oculto por camadas e mais camadas de discursos transgressores e
teorias as mais estapafúrdias. Mas ele está lá, firme e forte e
impulsionando os artistas a cometerem suas obras de arte.
Nessa
coisa de virar estampa, Romero Britto é muito bem-sucedido – como pode
atestar qualquer pessoa que já pegou malas na esteira de um aeroporto.
Já Os Gêmeos são mais discretos. Eles se contentam em virar
lembrancinhas nas lojinhas próximas a seus “projetos”. Que nada mais são
do que estampas instagramáveis da vibe sou pessoa dubem – a mesma que
permeia, contamina e transborda na obra brittoniana.
Ou
seja, não estaria louco o crítico de arte que, para uma plateia
adormecida de quatro pessoas interessadas em arte contemporânea,
dissesse que as intervenções dos Gêmeos são tão cafonas e vazias quanto
um retrato de Romero Britto. A diferença é que a dupla que fez o bisneto
de Oscar Niemeyer chorar conta com uma boa equipe de relações-públicas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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